Daniel Campos

Prosas

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20/05/2015 - É tudo silêncio

Tudo tão quieto, tão quieto, tão quieto de se ver... O mar virou deserto pra nem as ondas barulhar... Onde esse silêncio todo vai dar? Quem é que vai querer, querer falar? Não se pode nem beijar se for pro beijo estalar... Como é que vai ficar essa mudeza toda? Nem as notas do café caem mais sobre a mesa... A beleza não grita e a tristeza não chora de soluçar... Ninguém arrasta sandália, mãe com criança não ralha, do céu sumiram as gralhas... E agora, e agora, e agora? Carro na rua já não passa, baderneiro não faz arruaça, urubu não sai rindo depois de achar uma carcaça... Cachorro não late, lavadeira não bate, moleque não dá combate... Não há música alguma a solta. Ninguém ameaça o senhor silêncio que governa as bocas com suas mordaças roucas... ...
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19/05/2015 - Vira homem vira bicho

O sapo se incha todo e até toma banho no lodo querendo namorar. O pavão abre a cauda, a cigarra estronda, o cachorro uiva querendo namorar. O gato mostra as unhas, a galinha abre as asas e o rato sai da toca querendo namorar. O canguru troca de bolsa, o jacaré palita os dentes e a girafa estica ainda mais o pescoço querendo namorar. O galo estufa o peito, o macaco faz graça e a cobra encontra seus pés querendo namorar. O porco rola na lama, a mula pisa feito uma dama e a lagartixa cai na cama querendo namorar. O grilo afina a sanfona, o tatu fica nu e a maritaca se ataca querendo namorar. O pato até bota ovo, o carrapato desgruda e a matilha fica muda querendo namorar. O leão penteia a juba, o cisne faz pose e o cavalo empina querendo namorar. A formiga sai da trilha, a hiena fica séria e o elefante é todo ouvido querendo namorar. A onça dá pinta, o lagarto dá língua e o papagaio dá o pé querendo namorar. O morcego dá com a cara na parede e o peixe cai na rede querendo namorar. O cupim morde, o bode cospe, o hipopótamo se sacode querendo namorar. A vaca se esfrega, o coelho não sossega, a cabra fica cega querendo namorar. O tubarão se faz de vilão, o pinguim jura fidelidade e a aranha teia a saudade querendo namorar. O jumento dá coice, o camaleão muda de cor e a taturana pega fogo querendo namorar. O homem vira bicho e o bicho vira homem querendo namorar. ...
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18/05/2015 - Devaneando

Um dia era a gente. Noutro dia, semente. Na semana seguinte, um pó. No mês passado ainda era nó. No ano que vem sentirá saudade do que no passado não queria. Na outra vida se esquecerá do que foi, se gente se pedra se vento se capim ou se boi. Só fará sentido se se lembrar com o passar do tempo que passar do amor que teve e assim manteve até então. No soprar das folhas, terá ido além da paixão. No somar dos dias, terá vencido a solidão. No virar da ampulheta, terá sido adeus, deus, capeta e tido a certeza de que só o amor compensa o coração da gente que é semente, pó, nó, saudade e tudo o mais o que um dia achou menos ou mais...


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16/05/2015 - Senta a minha mesa

Senta a minha mesa. Coma da minha comida. Entre jarros e copos, chora sua dor. Com os talheres vá destrinchando a sua vida. Pode falar. Não há necessidade de cerimônia. Eu como rápido, mas prometo degustar com parcimônia cada uma das suas palavras. Beba da minha água fresca ou ardente, como preferir. Se for necessário pode cuspir seus marimbondos. Nada de vir com meias palavras, meias verdades, meias culpas. Tudo há de ser dito como se não houvesse depois. Somos agora. Pode, deve, precisa trazer o passado à mesa, mas esqueça do futuro. Fala independente das consequências. Não vamos sair da mesa enquanto a última migalha não for engolida.


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15/05/2015 - Pernas ao inverno

Como garça na Antártica, ela caminha com suas pernas desnudas pelo chão de inverno, entre o vento e o relento. Muitas passam de casacos e cachecóis, com botas, peles e lãs. São texturas e pesos fazendo moda. Porém, ela vem de shortinho e sandália de dedo como se estivesse no verão, entre as areias da mais quente estação. Dizem que ela é exibida, aparecida, convencida, mas ela nem é assim desinibida. Surge num rosto corado de frio como que de rouge, mas com as pernas rosadas, entre a palidez da lua e o douro dos trigais das estradas. Desperta desejos daqueles que dariam a vida para cobrir aquela pele lisa e aromática de beijos e ensejos. Caminha sem se importar se é olhada, mas sabe que desde que fechou a porta de casa vem sendo devorada. Entre uma ave rara e uma égua nunca celada ela avança pelas ruas, como que nua, como que quem dança, como quem faz arte e é inocentada por ser criança. Já era bem crescida, mas ainda bem-vinda numa ingenuidade de infância, numa ânsia de malícia, como que um flerte no meio da santa missa. Vem com short curto causando espanto, encanto, susto e quebranto. Vem deixando o mundo louco, largando os gritos roucos, querendo ser pouco sendo tanto. Diante de suas pernas, o frio do inverno se aperta.


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14/05/2015 - Se longe de casa

Longe de casa todo pássaro precisa de mais asa. Longe de casa o caminho de volta parece mais longo. Longe de casa as dores inflamam. Longe de casa nossos gritos se perdem no silêncio. Longe de casa as noites sem sono parecem intermináveis. Longe de casa nossos heróis não têm poder algum. Longe de casa somos menores. Longe de casa as pedras se multiplicam nos sapatos. Longe de casa a chance de dar errado é muito maior. Longe de casa as rosas são mais garbosas e mais espinhosas. Longe de casa é mais custoso acordar de um pesadelo. Longe de casa os cachorros que nos rosnam têm mais dentes. Longe de casa as montanhas cravadas no horizonte parecem ainda mais distantes. Longe de casa por melhor que seja a comida falta um quê. Longe de casa o coração fica como os felinos, livres e receosos. ...
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13/05/2015 - Salve os Pretos Velhos do Amanhecer

Salve Deus. Salve Pai João das Matas e Graças a Deus. Salve Pai João de Enoque e Graças a Deus. Salve Pai Joaquim das Almas e Graças a Deus. Salve Mãe Tildes e Graças a Deus. Salve Vovô Agripino e Graças a Deus. Salve Vovô Marilu e Graças a Deus. Salve Pai Samuel e Graças a Deus. Salve Pai Zé Pedro de Enoque e Graças a Deus. Salve Mãe Rosário e Graças a Deus. Salve Pai João de Aruanda e Graças a Deus. Salve Vovó Sabina de Aruanda. Salve Pai Jacó e Graças a Deus. Salve Vovó Cambina e Graças a Deus. Salve Pai Joaquim das Praias e Graças a Deus. Salve Vovó Benedita do Oriente Maior e Graças a Deus. Salve Pai Zambô e Graças a Deus. Salve Pai Joaquim das Almas de Enoque e Graças a Deus. Salve Vovó Maria Conga e Graças a Deus. Salve Pai José do Oriente e Graças a Deus. Salve Pai Zé Pedro das Águas e Graças a Deus. Salve Mãe Maria Baiana e Graças a Deus. Salve Pai João do Congo e Graças a Deus. Salve Pai Crispim e Graças a Deus. Salve Pai João da Guiné e Graças a Deus. Salve Mãe Maria de Carmélia e Graças a Deus. Salve Vovó Ingrid das Cachoeiras e Graças a Deus. Salve Pai Índio José de Amacê e Graças a Deus. Salve Pai Tomé e Graças a Deus. Salve Vovó Francisca das Almas e Graças a Deus. Salve Pai João do Tibet e Graças a Deus. Salve Mãe Sofia e Graças a Deus. Salve Pai Casteliano Cigano e Graças a Deus. Salve Vovô Nazário e Graças a Deus. Salve Pai Joaquim das Cachoeiras e Graças a Deus. Salve Pai Joaquim de Enoque e Graças a Deus. Salve Pai João da Caridade e Graças a Deus. Salve Pai Joaquim de Aruanda e Graças a Deus. Salve Vovó Catarina das Águas e Graças a Deus. Salve Pai Cipriano e Graças a Deus. Salve Vovó Anastácia das Cachoeiras e Graças a Deus. Salve Pai Benedito Angolano e Graças a Deus. Salve Pai Cinplício e Graças a Deus. Salve Pai Emanuel do Oriente e Graças a Deus. Salve Vovó Terezinha de Angola e Graças a Deus. Salve Pai Francisco do Grande Oriente e Graças a Deus. Salve Pai João Carreiro e Graças a Deus. Salve Pai Joaquim das Pedreiras e Graças a Deus. Salve Pai Manoel das Águas. Salve Pai Narciso de Nagô e Graças a Deus. Salve Mãe Maria de Aruanda e Graças a Deus. Salve Pai Pedro de Ancuns e Graças a Deus. Salve Pai Ramin do Oriente e Graças a Deus. Salve Pai Samuel dos Himalaias e Graças a Deus. Salve Vovó Ana das Cachoeiras e Graças a Deus. Salve Pai Tomaz do Cativeiro e Graças a Deus. Salve Pai Tomé e Graças a Deus. Salve Vovô Cassiano e Graças a Deus. Salve Vovó Maria Conga do Cruzeiro e Graça a Deus. Salve Mãe Sara de Enoque e Graças a Deus. Salve Vovô Indu e Graças a Deus. ...
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12/05/2015 - Simplesmente amo

Eu não sei como você é, se loira ou morena, se alta ou baixa, se tem cicatriz ou lhe falta um pedaço, mas te amo. Eu sei que é cheia de dor, uma pior que a outra, que doem no físico e na alma, mas te amo. Eu não lhe vejo, mas ouço sua voz e seu coração, e assim te amo. Não nos conhecemos, mas chora em mim e eu te amo. Eu não sei onde mora, mas de certa forma vou a sua casa, e te amo. Mesmo estando longe, na hora do aperto, é meu rosto que imagina, e eu te amo. Não somos íntimos, mas parte de mim segue em seu íntimo, e assim eu te amo. Por mais que não sejamos parentes e eu não seja médico eu me doo a sua cura porque eu te amo. Eu não sei o que veste, o que calça, o que usa, mas sei que te amo. Eu não sei o que há por fora, mas mergulho no seu interior, e te amo. Pode ser que nunca mais nos encontremos, mas mesmo tendo nossos caminhos se cruzado apenas uma vez, saiba que eu te amo. Eu me importo em ajudar, em ser instrumento, em te amar de modo que os planos se liguem e nossas energias se interliguem numa cura possível mesmo quando todos julgam isso impossível. Eu te amo sem pedir, saber, exigir ou querer nada. Simplesmente é ao amor que vivo, é o amor que sigo, é amor que eu sou.


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11/05/2015 - Ainda elas

Madalena me pediu uma rena. Anastácia achou tudo uma falácia. Jurema só me trouxe problema. Rosa me deixou antes do fim da prosa. Gertrudes foi mais do que eu pude. Minerva queria porque queria ser serva. Natália foi falha. Suzana estava sempre em outra semana. Bruna se misturava na bruma. Sofia tinha ciúme da Lia. Carla me queimava como lava. Ana vivia de cana. Gabriela não saia da minha janela. Letícia me dava preguiça. Mariana era sorrateira e fatal como ratazana. Aghata exibia uma aliança de prata. Doralice gostava de uma crendice. Eloá era doce feito ingá. Manuela já não era mais donzela nem aquela Manuela. Aline tinha a envergadura de um cisne. Nicole dizia me bole como quem diz me acolhe. Isadora queria tudo para agora. Luiza era lisa, lisa, lisa... Marjorie não era de ouvir. Sabrina era tão, mas tão selvagem que só lhe faltava a crina. Lorena era um amor de pequena. Bianca tinha olhinhos de santa. Thais nunca me deixou ser feliz. Isabel tinha qualquer coisa de fel. Sara tinha as mais estranhas taras. Brenda tinha tantas fendas. Ester sabia ser mulher. Beatriz era nobre como flor-de-lis. Marcela era tão colorida quão uma aquarela. Alessandra morava praticamente na varanda. Ada era toda errada. Tainá assoviava, cantava e pulava qual sabiá. Safira não tinha mira. Filipa empenava como ripa. Maitê me enchia de porquês. Clarice se metia em tantas tolices. Verônica era uma mulher-tônica. Julieta tirava tudo de letra. Margarida era mais fingida que florida. Elisabete tinha um instinto pivete. Nair não era de vir. Úrsula tinha vontades esdruxulas. Luma se enfeitava de pluma. Aurora até hoje ainda chora. Jacqueline era de se hipnotizar por vitrine. Jade se apaixonou por um padre. Soraia era de praia .Cleide me chamava para rede. Agnes era pura como se não fosse de carne. Heloísa era mansa como brisa. Nara não tinha só uma cara. Elvira dava birra. Leonor não era de nascer, mas de se por. Dominique dava chilique. Malu me queria nu. Hana vinha toda insana. Kimberly era arisca como bem-te-vi. Tarsila amava uma garrafa de tequila. Conceição era de muito sim e pouco não. Zoé não me deixava em pé. Abigail como entrou, saiu. Amélia tinha espinhos de bromélia. Julie não ficou muito por aqui. Yohanna já foi cigana. Acsa estava entre a cauda e a asa. Adelaide não sabia o que era saudade. Pandora ainda me ignora. Vanusa sempre foi escusa. Flora me pedia: aflora. Léia era a dona da alcateia. Afrodite adorava dar palpite. Jaciara era de aparições bem raras. Ashley não obedecia a homem, mulher ou lei. Aimée chegava com cheiro de buquê. Yollanda amanhecia com olheiras de panda. Celeste não tinha norte nem leste. Emma era o próprio poema.


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10/05/2015 - Cão abandonado

Numa curva da estrada, um cachorro negro de peito imponente e olhar doce, como que esperando o que não há de chegar. Plantado naquela dobra do caminho, às margens do asfalto, emoldurado pelo capim entre o verde e o dourado que tomba ao vento. Tem mostras de que tomou todo o relento da última noite numa separação advinda do açoite. Ainda há sentimento em seus olhos, uma vontade de voltar para casa, mas cachorro não tem mapa interior nem asa. Ainda bem lavado, de pelo domado, espera por seu dono com olhares caídos de sono doídos de abandono. Não é filho, tem porte. Vontade de levá-lo, mas não é comigo que ele quer ir. Mas quem partiu não só para o norte, mas a sorte de um amor canino não há de vir. Até quando aquele cachorro ficará naquela curva? Quanto de sol, quanto de chuva vai tomar? Até onde aquele olhar doce vai aguentar? Logo ganhará carrapichos, costelas à mostra, indícios da tua solidão. Será que um dia ainda sentirá o gosto tão habitual da ração? E o cachorro afetuoso se transformará em um cão desgostoso capaz de morder. Morder para tentar aliviar o teu sofrer. Será que quem o deixou não sabe que ele nunca o deixará? Quem não acredita que bicho ama é porque nunca viu um cachorro chorar. E daqueles olhos negros escorriam as lágrimas do desassossego. Lágrimas de quem só conhecia a terra do quintal três por três. O que será que ele fez desta vez? Comeu um vestido? Mastigou um sapato? Fez xixi no tapete da sala? Latiu pro gato? Abriu uma vala? Quem é que não erra? Se é que errou... Só fez as cachorrices de sempre que sempre lhe renderam afagos e risos muito em razão de seu latido gago. Não sabe uivar, caçar, atravessar a pista. Ele nem entende o que está passando pela sua vista. Plantado ali, no meio do nada, numa curva da estrada, como árvore replantada que ou não há de vingar ou há de se transformar no que era. ...
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