Daniel Campos

Prosas

Ou exibir apenas títulos iniciados por:

A  B  C  D  E  F  G  H  I  J  K  L  M  N  O  P  Q  R  S  T  U  V  W  X  Y  Z  todos

Ordernar por: mais novos  

Encontrados 3193 textos. Exibindo página 54 de 320.

30/05/2015 - Tomação

Toma juízo. Toma cuidado. Toma prosa. Toma água. Toma boca. Toma pé. Toma tento. Toma consciência. Toma rumo. Toma jeito. Toma flecha. Toma chuva. Toma língua. Toma costume. Toma caldo. Toma chão. Toma assovio. Toma nota. Toma chá. Toma tempo. Toma vento. Toma onda. Toma saudade. Toma fim. Toma pernada. Toma pílula. Toma pedrada. Toma poeira. Toma linha. Toma luz. Toma foco. Toma estrada. Toma ciúme. Toma voz. Toma sangue. Toma gol. Toma queda. Toma trilho. Toma dó. Toma pau. Toma liberdade. Toma olhares. Toma tiro. Toma gosto. Toma tenência. Toma raio. Toma benção. Toma xarope. Toma banho. Toma remédio. Toma ponto. Toma drible. Toma partido. Toma sol. Toma amor. Toma lá dá cá. Toma cá dá lá. Toma dá lá cá. Toma lá cá dá. Toma cá lá dá.


Comentar Seja o primeiro a comentar

29/05/2015 - Na sua cama

Quando eu tive medo corri para debaixo das suas asas de mulher-pássaro meio águia meio colibri. Porém, você tinha voado e eu não vi. Escondi-me na sua cama, por entre suas cobertas ainda cheirando ao seu corpo de sândalo e patchouli como se ninguém fosse jamais me encontrar naquelas nuvens de perfume, contornos e lã. Não havia qualquer motivo para desconfiar de quem quer que chegasse, pois quem ousasse entrar saberia que do seu amor não poderia mais provar. Eu continuei seguro mesmo no escuro de tantos acontecimentos. E então eu ouvi do vento, de um pedaço de vento que entrou pela veneziana, que você mesmo longe estava feliz de me saber na sua cama. E eu me enterrei em seus lençóis como se cavasse fundo e mais fundo nas molas de suas costelas. E eu rasguei os travesseiros em busca das preocupações ou divagações que escorriam dos seus ouvidos. E eu ouvi sem querer e sem poder cada um dos seus últimos gemidos. E foi instantâneo ter ciúme e prazer numa rima barata de amor e dor. Eu que havia fechado as cortinas para não ser visto fui quisto por cada uma das suas meninas. Cada dia que avança deixa uma menina para trás. E tanto tempo faz que nossos dias se cruzaram num sol lilás. E agora o mesmo tempo que nos aproximava, que nos ligava, que nos versava, abocanha-nos de forma voraz como se de toda ferocidade fosse capaz. Por isso, antes de ser totalmente tomado, devorado, amaldiçoado pelo tempo, corro para sua cama sem querer me perder ou morrer sem ter vivido o que me ama. ...
continuar a ler


Comentários (2)

28/05/2015 - O íntimo e o ínfimo

Quem disse que eu preciso de tudo isso para viver, para ser alguém ou ser feliz? Eu já me desfiz dos meus discos, cds e vinis, mas Chico, Tom, Bethânia, Cartola e outros tantos mais ainda seguem comigo. Doei meus livros, obras inteiras de Drummond, de Pessoa e Vinícius, mas eles continuam impregnados em mim como vícios. Distribui meus sapatos, caixas e mais caixas, pois não tenho pés suficientes para realizá-los e por aí hão de encontrar alguém para amá-los para além de apertos e calos. Rasguei e queimei álbuns e mais álbuns de fotografias, pois as lembranças como poesias vivem em minhas andanças. Eu fui me desapegando das crianças que brincavam em meus labirintos e hoje nem jovem nem adulto nem velho eu me sinto. Sou só o que sou, nada aquém nada além. Como as cigarras, deixei tantas cascas presas pelas árvores do tempo. Como camelão, mudei de cor, mas não mudei de sentimento. Sonhos se perderam, se realizaram, se conformaram, se esqueceram... Um sorriso precisa ir embora para outro chegar. Desisti de ter uma coleção de obras de arte, pois muitas vezes é melhor ter a parte ao invés do todo. Os pés que não pisam os céus nunca deixam o lodo. E a fé me revela que o senhor tem seu templo em meu íntimo. A acumulação do que quer que for nos faz ínfimo. O que você não usou hoje, alguém poderia ter usado. Liberte de si tudo o que precisa ser libertado.


Comentar Seja o primeiro a comentar

27/05/2015 - Não ando só

Pra sua dó eu não ando só, nunca estou sozinho, podem parecer dois pés, mas é muito mais que marcam meu caminho. Não é por ser prosa, mas meu caminho é de fé e no findar do despetalar das rosas lá de cima sempre dá bem-me-quer. Não tenho começo nem tenho fim, tem sempre alguém olhando por mim, pra mim, em mim. Antes de atirar suas pedras contra mim, pense em quem você vai acertar também. Ai, nem vem. Joga suas pedras pra lá, pois eu estou protegido e você não vai querer ter quem me acompanha por seu inimigo. Eu não ando só e quem anda comigo não me deixa virar pó. É melhor mexer em outra fogueira, tomar outras bandas, subir outra ladeira, do que fazer zoeira na minha Aruanda. Eu não ando só e quem anda comigo desdá todo e qualquer nó. Nunca subestime a minha solidão, o meu andar sozinho é pura ilusão. Para quem me acha fraco, vem ver quem me sustenta de fato. Será que você aguenta lidar ou até mesmo olhar para quem aparece mais eu no meu retrato? Pega seu rumo, não bula no meu prumo, pensa bem com quem eu me levanto e com quem é que eu durmo. Pra sua dó eu não ando só.


Comentar Seja o primeiro a comentar

26/05/2015 - E deixa viver

Eu ainda não sei o que vou fazer amanhã. Só tenho o hoje e o hoje é só o hoje, tanto que nem sabe do amanhã. Eu ainda não sei se vou pro norte, se vou subir ou descer, se é praia ou montanha, só sei que a sorte vai me querer. Eu ainda não sei o que escrever, só quando virar a próxima página é que eu vou saber. E deixa viver.

Eu ainda não sei o que será do meu amanhã, só sei que eu vou ser o que eu sou e assim meu sonho vai pra onde vou. Não sei o que será, mas o que há de ser será. Pode ser que eu seja estrada, casa, asa... Pode ser que seja sim ou que seja não, só sei que vou seguir o coração. Estarei entre a verdade e o mistério. E deixa viver. ...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

25/05/2015 - Acaloramento

Um prato de sopa de avó com um pão entardecido aquece o estômago e a alma de quem não se esquece. O colo de quem se quer bem cobre mais do que coberta de casal que ainda se chama muitos e muitos anos depois de meu bem. A expectativa da chegada da pessoa amada incendeia mais do que o fogaréu da partida. O fogão a lenha é como nosso peito cozinhando uma paixão. E a vontade proibida nos queima entre o pecado e o desejo. Um pão sovado por mãos que são mães alimenta e sustenta de fermento os sonhos que crescerão. O porta-retratos bem postado dá gosto ao passado e morna o presente como banho de recém-nascido. A saudade quando remexe dentro da gente é como criança brincando em nossas entranhas com suas manhas e artimanhas. A cama desarrumada é um ninho que ferve a quem nela se atreve. O sol que a nós se estende pode dar calor como uma boa lua render suador. E quando a fé entra em ebulição não é preciso dizer mais nada não.


Comentar Seja o primeiro a comentar

24/05/2015 - Galo do dia

Ainda com os véus escuros da noite tomando conta dos sete céus, o galo que brilha avermelhado, ainda com os olhos de sono, suja seus pés na terra orvalhada em busca do melhor lugar para cantar. É como o artista a procura do palco perfeito. O seu público ainda dorme. As galinhas estão quietas no poleiro. As chocas estão acomodadas nos ninhos. As que já picaram estão cobrindo os pintinhos. O lavrador aproveita cada segundo de sono para se recuperar da última lida e sonha com chuva para plantação vingar. A camponesa está num baile, num vestido de tantos brilhos, dançando entre estrelas... ao menos no sonho. Os meninos dormem como se nunca mais fossem acordar. O cachorro perdigueiro dorme na porta da casa como que vigia entregue ao sono. Os porcos estão mergulhados na lama em sonhos porcos. O gado dorme junto para enfrentar a friagem. O ar frio que desce branqueando árvores e telhados desencoraja os pássaros que já despertaram. Mas o galo, de porte nobre, pensa mais no seu reino do que em si próprio, escala um pé de urucum, galho a galho, e a certa altura pula pra beira da primeira telha que cobre o galinheiro e lá, cisca como que tirando faísca, estufa o feito, olha pra cima como que querendo trazer um sol que ainda não há, bate as asas, e canta para acordar o mundo. O lavrador olha pro tempo e coloca as botas. A camponesa assopra as brasas para coar o café. A filharada reclama pra sair da cama. A passarada regozija pelos ares e galhas. Os porcos rolam. A galinhada cisca. O gado pasta. O bezerro dá cabeça na ubre da mãe. E o galo vai assistindo o seu espetáculo, pois o seu papel embora de protagonista é breve: abrir as cortinas pro dia passar.


Comentar Seja o primeiro a comentar

23/05/2015 - Iludicamente

Nem todo vento enverga. Nem toda chuva molha. Nem todo puxão rasga. Nem toda criatura é do criador. Nem toda morte leva. Nem todo laço prende. Nem toda dor fere. Nem todo tempo é suficiente. Nem todo amor é pra sempre. Nem toda loucura dura. Nem todo calor esquenta. Nem todo coração se abre. Nem toda flor perfuma. Nem todo abraço acalenta. Nem toda boca geme. Nem toda palavra faz sentido. Nem todo braço é asa. Nem toda vida é para valer. Nem todo passado fica. Nem toda semente brota. Nem todo broto vinga. Nem toda partida volta. Nem todo bem é bom. Nem todo mal é ruim. Nem toda mulher quer. Nem toda fé é santa. Nem toda princesa tem reino. Nem todo cachorro late. Nem todo cacau é chocolate. Nem todo vento acaba. Nem toda estrada curva. Nem todo açúcar adoça. Nem toda pimenta queima. Nem toda poesia é poema. Nem todo choro é triste. Nem toda porta fecha. Nem todo galo acorda. Nem todo ser é pra ser. Nem todo humano tem plano. Nem toda esperança se alcança. Nem todo pivete é moleque. Nem toda seita é feita. Nem toda pedra quebra. Nem todo sol nasce. Nem todo beijo estala. Nem todo corpo se encaixa. Nem todo fim é o fim.


Comentar Seja o primeiro a comentar

22/05/2015 - A mão da realidade

Podia ter sido tão diferente. A gente podia ter sido pra sempre. Nosso amor, de porta-retrato, devia ter sido tudo o que foi de fato em nossas cabeças. Mas a realidade foi mais forte. E olha que para a realidade ter conseguido vencer nossos sonhos ela foi mais do que forte. Eu sonhei tanto. Você sonhou que foi um encanto. E a gente se sonhou como nunca se sonhou. Mas veio o futuro e nos pegou, pois fica fácil de destruir quando não se tem passado. E nós dois sonhamos o amanhã se esquecendo de viver o hoje. Fomos inconsequentes. Irresponsáveis. Canalhas com nós mesmos. Pois nos abortamos pensando que poderíamos nascer depois.


Comentar Seja o primeiro a comentar

21/05/2015 - Vida de cachorro

Meu cachorro me falou que não quer mais ser cachorro, que não aguenta mais viver no osso da vida pós-moderna. Enjoou da ração que é todo dia sempre igual. Sente necessidade de ter crédito na praça para comprar o que vê nas propagandas da televisão. Quer fazer terapia para passar incólume pelos pets shops. Meu cachorro está depressivo com saudade de ser cachorro de verdade, seja correndo pelo campo, rolando na grama, latindo quando lhe der na telha. Agora meu cachorro tem que respeitar a lei do silêncio do condomínio estando, portanto, terminantemente proibido de uivar para o melhor da lua cheia que é na noite alta. Tem saudade até do tempo que tinha uma pulguinha ou outra para passar boas horas se coçando. Hoje com esse tanto de shampoo e condicionador canino está tão limpo e macio que parece mais enfeite que cachorro. Ele queria mesmo era correr livre, rosnar pra carteiro, roçar nas cadelinhas, cheirar o traseiro alheio. Mas agora vive entre paredes, espiando o mundo apenas da janela do décimo sétimo andar. E quando sai é de coleira. Deixou de ser cachorro para ser um produto. Ele sente falta do tempo que eu tinha tempo para brincar com ele e não apenas para postar suas fotos nas redes sociais. Meu cachorro anda tão estressado que morde o próprio rabo e deita de barriga para ficar olhando pro teto. Odeia o funk, o sertanejo universitário, o pagode dos vizinhos. Queria mesmo era poder escutar o som do vento batendo nas árvores, a cantoria da passarada, as prosas das pessoas que tinham muita história para contar. Hoje meu cachorro tem as unhas compridas porque só anda no porcelanato. Queria mesmo era pegar carrapicho, correr atrás de galinha, deitar em qualquer lugar. Queria poder comer comida de verdade, meter as fuças onde quisesse e ainda sorrir numa total falta de compromisso, pois na sua agenda só constaria uma anotação: ser cachorro.


Comentar Seja o primeiro a comentar

Primeira   Anterior   52  53  54  55  56   Seguinte   Ultima