Daniel Campos

Prosas

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09/06/2015 - Malandragem

Malandro é o sol que não toma chuva para não entrar em curto. Malandra é a formiga que anda em fila para não causar intriga. Malandra é a cigarra que abandona a casca do passado para ir leve ao futuro. Malandra é a árvore que se desapega de folhas, frutos, sementes, flores, galhas e continua árvore. Malandro é o rio que corre sempre para frente. Malandra é a morte que não se revela para continuar surpreendente. Malandro é o beija-flor que dorme em pleno voo. Malandra é a abelha que se lambuza de mel. Malandra é a estrela que continua existindo como luz por muito tempo mesmo depois de seu fim. Malandra é a ostra que se fecha para o mundo em busca de sua pérola interior. Malandro é o pardal que anda aos pulos. Malandro é o astronauta que vive com a cabeça em Marte, em Saturno, na lua... Malandro é o vento que sopra sem cumprir itinerário. Malandro é o João-de-Barro que não mora de aluguel, tampouco financia sua casa própria. Malandra é a vida que no seu espetáculo diário guarda em sigilo absoluto as próximas cenas.


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08/06/2015 - Dois anos amanhecendo

Hoje faço aniversário. São dois anos de vida nova no mais amplo e íntimo significado da palavra nova. Pode parecer pouco, mas foram dois anos de uma intensidade tamanha. Um tempo repleto de descobertas que vão além deste plano. Uma trajetória de fortalecimento e conhecimento interior. Dois anos de profundas mudanças. Sou outro. Mais feliz. Mais completo. Mais e mais realizado a cada dia. É com se eu tivesse passado por um novo amanhecer e amanhecesse mais e mais a cada dia. Há dois anos eu voltei para minha casa. Um reencontro transcendental. Ganhei novas mães e pais, mentores de luz. Minha existência foi preenchida, ganhou sentido e valor. Encontrei o meu lugar no mundo ou o mundo que há em mim encontrou seu lugar. Amanheci lua. Há dois anos me desenvolvo apreendendo e trabalhando na Lei do Auxílio. Descobri-me jaguar. Muito me foi revelado e ainda há tanto a ser buscado. A escalada evolutiva é constante, mas nesses dois anos meu eu foi aberto à compreensão. Tive a certeza de que não estou só e de que tenho muito a fazer. São tantos resgates a serem cumpridos, dívidas astrais a serem pagas, pensamentos e sentimento a serem elevados a partir da tolerância, da humildade e do amor incondicional. Tornei-me mestre sendo eterno aprendiz. Conquistei consagrações que me fazem ainda menor. Aqueles que me iluminam são grandiosos, eu sou apenas um instrumento de cura e caridade para o corpo, para a alma e para o espírito daqueles que me são confiados. Há dois anos passei a cultivar o meu sol interior e a compartilhá-lo com os que necessitam. Sou energia. Sou emanação. Saber que eu sou parte deste mundo extrafísico me emociona. Reencarnei para viver uma missão que vai muito além do que eu quero, sonho ou espero da vida. Como é gratificante saber que muitos, antes mesmo de eu acreditar em mim, investiram no que eu poderia me tornar. E eu me transformo a cada dia grato a todos aqueles que me impulsam à continuidade desse amanhecer pleno e dinâmico. Salve Deus! ...
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07/06/2015 - Carrossel do tempo

Meu pai, ô meu pai, hoje é domingo, leva-me para comer coxinha no bar do Mané. Vamos comprar quadrinhos do Tio Patinhas na banca do João. Que tal um passeio de bicicleta pelas voltas do zerão? Hoje é domingo, vamos para o sítio dar de comer aos cachorros. Apresse-se porque tudo tem de ser feito antes do macarrão da dona Ofélia ou você prefere a polenta da dona Adélia? Vamos, vamos, vamos comprar manteiga de leite no Mercadão, assistir a largada da Fórmula-1, ouvir Chico Buarque e outros bambas. Não se esqueça de ler meu novo artigo no O Impacto. Preste atenção, pois Kika está querendo mais um pedaço de pão com margarina ou requeijão. Seu Antônio quer nos contar sua última caçada em busca do lagarto e Seu Líbio mais uma de assombração. Vamos jogar sacolas de pão pros peixes do lago. Pegue as varas, os anzóis e o enxadão, pois dona Etelvina se arrumou toda para pescar lambari. Quais filmes você locou? Não durma demais na caminha de dona Zefa, pois Danilo quer lhe desafiar para uma pelada. Dribla pra lá e pra cá, olha o gol. Já botou pilhas novas no radinho para ouvir grudado no alambrado as jogadas de Rivaldo, Leto e Válber. Roda, roda, roda no carrossel caipira e deixa a gira do tempo lhe levar.


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06/06/2015 - De abrir o apetite

Lábios manchados de groselha. Boca adocicada. Pele avermelhada. Uma velha mania. Sair descalça pelo chão de poesia. Como se fosse a mais doce das mais doces criaturas. Fantasia de ninar. Loucura lhe abraçar. Doçura lhe por nos braços. Roupa branca. Ar de santa. Provoca insônia. Atenta como demônia. Anda pelo teto. Não tem veto. É tão doce lhe ter por perto. Olhos açucarados. Corpo de bom-bocado. Amor aos pedaços. De abrir o apetite. Convite à tentação. Desejo que cresce como pão.


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05/06/2015 - Santa do alto do morro do boi da cara branca

Lá no alto do morro do boi da cara branca, não tem asfalto só carranca. Lá no alto do morro nem a deus se pode pedir socorro porque deus por lá já deu adeus. Lá no alto a mulher só anda de pé no chão ou de sandália, pois o chão não se dá com salto. Lá no alto quando se quer noivar, casar, ficar para sempre é preciso fugir, partir, seguir antes de beijar. Lá no alto o espinho nasce antes da flor e o que se dirá do amor? Lá no alto do morro do boi da cara branca, a tensão é tanta que desejo proibido morre eletrocutado. Quem tem passado comemora por ter sobrevivido, mas chora por nunca ter dali partido. Violão segue calado, palhaço vive emburrado, pivete masca gilete e toda gente se declara inocente. Lá no alto do morro do boi da cara branca a força tanta não é dos soldados nem dos bandidos mal-encarados nem ainda dos mal-amados, mas de quem controla do perdão à esmola, de quem sabe do que voa, do que rasteja e do que rola. Lá no alto do morro do boi da cara branca quem arranca o que quer de homem ou mulher é a Santa. Santa é mais bruta do que a pedra que sustenta toda a gruta. Nasceu no Norte, deu nó na morte, e fez sua sorte no alto do morro do boi da cara branca e ali se agiganta. Santa manda prender, manda soltar, manda sofrer, manda matar. Santa anda e desanda a vida de quem bem quer. De dia é homem que não treme, a noite geme como mulher. Anda armada e nua como lhe convém, já levou facada e tiro, já sequestrou e foi refém. Santa não tem fama de fazer milagre, mas já dividiu ao meio uma lagoa de bagre e pegou pelo rabo um tigre dente de sabre. Muita coisa se conta de Santa, mas ela mesma não fala de si, nem do que sonha nem do que fez nem do que apronta. Para Santa, Santa nunca está pronta. Gosta de tomar sua cachaça, que consegue de graça, e andar tonta pela cabeça do morro do boi da cara branca. Não admite ser feita de monta nem errar na conta. Santa tem cabelo comprido, corpo de bandido e um ar mais do que atrevido. Não sei se mais por fé do que por medo, o povo do morro bota seus pedidos, suas moedas, suas vidas aos pés de Santa. Santa faz chover bala, faz corpo queimar, faz traidor pagar, faz doação a sua própria mala. Santa é de se drogar e de se achar em qualquer lugar. Mas aí de quem mexe com Santa, pois Santa não é de se beijar nem de conseguir perdoar. Santa é do pau oco e não foi feita para se quebrar. Santa corta a cabeça de quem for, por amor ou por falta de amor, no toco que fica lá no alto do morro do boi da cara branca. O que dá na cabeça de Santa ela faz sem pensar no que será que devia ter feito. Para Santa tudo tem jeito, o seu jeito. Vive de ajeito e quebra o mundo no seu peito. Santa tem tanta cicatriz e jura que nunca foi feliz. É de comer prato cheio e de não fazer volteio. Com ela nada é por um triz; Ou é ou não é assim que se diz. Santa não aceita flores e não gosta de vela, prefere o escuro e dois dedos daquela que lhe faz ainda mais Santa. Santa fala alto e firme como rei. É a lei do alto do morro do boi da cara branca que quando escuta Santa até se levanta. Santa espanta. Santa espanca. Santa impõe respeito com sua anca. Santa rebola e dá o que quer. Santa deita como homem e rola como mulher.


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04/06/2015 - Saia em desapego

Saia pelo dia sem levar nada. Saia pela estrada do dia deixando tudo o que não quer mais pelo caminho. Saia sem destino, sem mapa, sem bússola. Saia sem rumo. Saia andando para dentro de você. Saia se perguntando e se desapegando automaticamente do que você não usa mais, do que não lhe diz mais nada. Saia se livrando de todo peso extra. Saia deixando pelo caminho o que precisa ficar para trás. Saia deixando partes, pedaços, estilhaços. Saia se libertando de palavras vencidas, de passagens doloridas, de eternas despedidas. Saia deixando o para sempre como semente pelo estradão.


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03/06/2015 - Julião e Indaiá

Lá no chapadão, cravado na pedra, está o amor entre o pássaro Julião e a ave Indaiá. O que será que isso vai dar? Julião é pássaro vivido, mas até conhecer Indaiá andava entristecido, até voava com outras pássaras, mas sempre voltava à solidão na sombra da sua fenda. Indaiá, ave prendada, que faz renda e se rende às lendas da noite enluarada. Já se apaixonou pelo sabiá que a deixou a deus dará. Já se enredou pelo curió que lhe largou num estado de fazer dó. Já se aproximou do canário que gostava mesmo de cantar lá pelas bandas do balneário. E agora Julião? O que será Indaiá? Julião voa ligeiro, é todo fagueiro, não suportaria ser trancado num viveiro e gosta de comer o que sai do formigueiro. Indaiá nasceu num pé de jatobá, adora bicar ingá, tem pontos grená e canta sempre puxando pro lá. É um casal bonito de se admirar, mas ninguém sabe o quanto isso vai durar. Indaiá não quer se machucar. Julião já cansou de chorar. Os dois são do ar, mas também são de se desencontrar. A fenda de Julião é estreita. Na fenda de Indaiá só ela se deita. E os dois ficam a se empoleirar pelas pedras, o conjunto de asas chega enverga, ficam a se bicar sem medo da queda. O amor cega e mesmo assim não sossega.


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02/06/2015 - Deixa falar

Tira o cadeado da boca. Fala sem medo de errar ou de se condenar. Dê alforria à língua. Deixa falar. Deixa o sentimento vazar. Desata esses nós da garganta. Destrava os dentes. Chega de emudecer suas verdades. Basta de calar suas vontades. Deixa falar. O coração quer dizer. Fala, fala, fala de amor sem se arrepender. Não vai doer. Palavras não podem ser esquecidas antes de nascer. É direito de toda palavra ser dita, ser escrita, ser ouvida, ser tateada ao menos uma vez. Temos de palavrear. Deixa falar. Deixa cantar. Tira o cadeado da boca. Beija. Verse. Palavreie. Com palavras, presenteie. Sua alma precisa se expressar no a e i o u. Fique nu com suas palavras. Sorri por ser palavra. Crava suas letras em outros corpos ou as jogue ao vento. O importante é deixar fluir. Deixa falar.


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01/06/2015 - Cadê o tempo?

Cadê meu amor o tempo que estava aqui? Cansou de esperar e se foi num pé de vento? Tomou chá de sumiço, indo-se embora como que por obra de feitiço? Cadê, cadê o tempo que não deixou rastro? E eu pensei que o tempo tinha comigo algum lastro. Imaginei que iria me esperar, mas o tempo, meu amor, foi ter com outro. O tempo virou mundo. O tempo fechou a porta. O tempo deu pra bater noutro lugar. Cadê meu amor o meu tempo, o seu tempo, o nosso tempo de ficar juntos? O tempo tomou rumo, nem olhou pra trás. E olha que a gente carregou esse tempo nos ombros como quem carrega um andor. Pensamos que o tempo era santo, mas até o tempo botou quebranto no nosso amor. O tempo se enciumou e nem acenou adeus. O tempo se zangou e se enfiou no breu. O tempo nem avisou apenas se levantou de nós e ganhou chão a sós.


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31/05/2015 - Perfumaria caipira

Cheiro de campo. De casa de fazenda. De pasto novo. De alfazema. De hortelã. De terra orvalhada pela manhã. De café e brasa no mesmo fogão. De toucinho no fumeiro. De janela de madeira. De capim molhado. Perfume de goiaba madura. De manga no pé. De pitanga vermelhinha. De banana pintadinha. Cheiro de espiga de milho. De gado. De curral. De carroça. De cipó. De jabobá. De flor de laranjeira. De trepadeira. De rosa menina. De rosa de roseira. De ninho. De barro. De lama de chiqueiro. De galinha e galinheiro. De banha de porco. De torresmo. De leite encorpado. De bolo de fubá com erva-doce. De porteira aberta. De porteira fechada. Fragrâncias de canteiro. De alecrim. De manjericão e manjerona. De alfavaca. De tomilho. De cheiro-verde. De tomate. De couve. De rúcula. De almeirão. Aroma de água de mina. De água corrente. De água de açude. De água de poço. De água de chuva. Cheiro de sol raiado. De lua cheia. De sereno de São João. ...
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