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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 27 de 320.
29/02/2016 -
O povo
O povo fala que isso e aquilo, cantando igual grilo. O povo inventa, aumenta, atenta. O povo conta com o ovo antes da galinha. O povo bisbilhota com alma de vizinha. O povo futrica, leva e traz, se beija e não se bica. O povo dá o braço, mas não dá a mão. O povo quer sim, outro sim, e mais um sim, mas só fala não. O povo alfineta, não se aquieta, fala mais do que profeta. O povo prevê e não crê. O povo atormenta, provoca e não aguenta. O povo dá língua, dá íngua, dá mingua. O povo se busca e não se encontra. O povo se afasta e não se dá conta. O povo quando apedreja tem braços de polvo. O povo golpeia, enteia, machuca e ainda quer açúcar. O povo inveja, esperneia, troveja e dá às costas. O povo devora o sonho do outro, não dá nó solto, e nem chora ao servir o coração do outro em postas. O povo seduz, induz, conduz e depois corre. O povo se joga e não se socorre. O povo finge, mente, promete e não age diferente. O povo nasce, vive e morre cuidando da vida alheia. O povo caminha de duas pernas, mas na verdade serpenteia.
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28/02/2016 -
Leva meus bois
Oô Oô carreiro, leva o que restou dos meus bois junto das suas juntas porque de agora em diante vou esperar pela vida, pois a morte eu já bem conheço vestida ou despida. Oô Oô vou sentir saudade do meu gado andante, do meu carro ligeiro que geme e chora, do sereno campeiro, mas minha lida daqui até outrora será pela minha senhora, a vida. Eu já duelei no norte, provei que fui mais forte, já morri e renasci inúmeras vezes, mas cansei, entrego os pontos, viverei de contar meus contos a quem quiser escutar. Toma toda a minha rês. Leva meus bois, ô leva carreiro, e daqui para frente pode me chamar de violeiro. Oô carreiro, das dez linhas do destino que já atravessei, do menino ao homem, fiz dez cordas de viola que selei junto ao peito em sinal de respeito aos bois que eu te dei. E agora toda vez que eu canto cada corda vibra, a boiada solta aquela mugida, o carro estica a gemida e lá vem a vida.
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27/02/2016 -
Esquinas e porta-retratos
Porta-retratos são como espelhos do passado. É como o ontem me olhando, dizendo o quanto fui feliz. É um tempo que existiu, que me sorriu e depois seguiu. O que eu quis foi o passado no futuro, fazendo do presente um lugar pouco seguro. E eu me olho e me perco nessas fotografias do ausente. Podia ter sido, podia ser tão diferente. Caminhos cruzados deviam seguir lado a lado. Por que as ruas cruzam e depois correm em separado. Cada esquina é um porta-retratos, um cruzamento concreto e abstrato que dura para sempre num tempo que existe ali, ali somente. Logo ali à frente a esquina terminou, o homem, olhando para a lua, se perde e segue por uma rua e a menina que o beijou, flutua por outra. E a história tão amarrada naquela esquina se vai tão solta. Do encontro do tempo e do espaço nas esquinas, nos porta-retratos nasce o desencontro de homens e meninas que ainda andam tontos à mercê do que tudo isso os destina.
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26/02/2016 -
O trem do hoje
Eu caí nesse mundo como um anjo apaixonado e cheguei até aqui com asas quebradas, chamuscadas, alvejadas pelo amor que ainda tropeça para ser amor. Não, não me peça clemência. Paciência com tudo o que nasce e cresce. E não se desculpe, pois não há inocência. Há culpa por atos e omissões, reflita como tem amado. Não há modelos, apenas que tudo seja verdade e intensidade. Ama e aclama esse amor por todos os segundos de sua estrada. Ama, pois é só o amor verdadeiro, inteiro mesmo sendo em pedaços, que leva dessa experiência. A penitência dos que negam, maltratam ou fazem do amor uma brincadeira é lágrima após lágrima descendo pela ribanceira. Minhas flechas de amor à primeira vista muitas vezes disparadas por este anjo de espinhos caem pelos caminhos antes de alcançar os corações a que se destinam. Muitos acabam criando barreiras em torno de si para viver o sentimento por completo, em todas suas fases e ciências. É como se fosse criado um campo de força que não permitisse a chegada do amor puro, do amor sincero, do amor jurado antes mesmo dessa vida. Quantas flechas perdidas. Quantas oportunidades partidas. Quantas almas se desencontrando, aprontando consigo mesmas e se perdendo na incompreensão. Quantas dores se aproveitando dos corações vazios. Eu, um anjo torto, um anjo deveras apaixonado, judiado pela forma como tratam os amores do dia a dia, sem o mínimo de respeito, fé e poesia, caminho com o coração maltrapilho, com um pé no trilho do futuro e outro no do passado, tentando fazer do trem do hoje uma história de amor não previamente condenada à solidão.
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25/02/2016 -
A árvore e o vento
Impossível te esquecer, te apagar, não lembrar, não viver você. Está em meus pensamentos, pelos meus neurônios, indo pelos meus axônios, habitando as minhas partes e impregnando o meu todo. Seja como garotinha ou mulher, protagonista ou coadjuvante, marcante, você está lá no meio, bem no meio do meio, da minha cabeça. Está deslumbrante, estonteante, vibrante. Você me leva à frente e quando eu vou carrego você como o noivo carrega a sua noiva, como menino leva o coração da sua menina, como homem guarda as lembranças da sua mulher. Tudo o que eu faço tem uma digital sua. Tenho suas marcas em meu corpo, em minha alma, em minhas vidas. No que eu como, sonho, caminho, canto, falo, beijo, abraço, transo, voo, planto, leio, escrevo, toco, invoco, provoco está você. Em cada mordida, em cada arrepio, em cada música, em cada fantasia, em cada passo lá está você. Pode não acreditar, mas vive em mim de um jeito único e sagrado, sacramentado a cada fração de segundo. O meu mundo roda em torno do seu eixo, e se anda por tudo o que sou é porque eu deixo. Eu amo e não me esqueço. O perfume que eu uso, a roupa que eu visto, o retrato que eu vejo no espelho me trazem você. No meu querer, no meu ser, no meu fazer só dá você. Mesmo ausente fisicamente, você é plena e presente na minha história contínua. Meu romance, meu conto-de-fada, meu era uma vez que continua sendo mais e mais e mais uma vez. Tudo o que vivemos e o que não vivemos se casam em tantas variações e possibilidades. E se... e se.... e se... Tudo o que não aconteceu, acontece de um jeito ou de outro cá dentro. Há uma explosão de sentimento. E seu olhar, no fim do túnel, me traz o alento. Se eu ainda voo é porque conto com suas asas. Se eu ainda falo em casamento é porque tenho você unida em mim. Se eu ainda componho é porque proponho doses da sua poesia ao meu dia. Mulher. Menina. Anja. Colombina. Garota. Noiva. Musa. Amada. Estrada. Estrela. Princesa. Delicadeza. Tantas faces, qualidades e incertezas em uma mesma beleza. Face a face, você me olha e me tem. Corpo a corpo, o que somos um para o outro não se contém. E nessa mistura de saudades e expectativas, desejos e realidades, tenho você a todo o tempo, em qualquer lugar, no meu universo particular. Sou árvore verde e você o vento azul que chega e mata a minha sede, balança minhas folhas, entorta os meus galhos, dança pela minha copa, escorre pelo meu tronco, entra pelo meu oco, assovia e canta pelo meu interior. Chega ao meu coração e bebe da minha seiva fazendo-me florir e frutificar só para você, ventania, levar minhas flores e sabores que nunca deixei de te ofertar. Impossível te esquecer quando minhas raízes te buscam mundo adentro, quando minhas folhas escritas partem de mim tentando te encontrar. Impossível te esquecer quando estamos unidos pelos mistérios do verbo amar. E nessa verborragia toda que nasça e renasça a magia de sermos juntos numa espécie de pomar do paraíso, num quê de se apaixonar nunca perdido. Com ou sem juízo, o amor entre a árvore, enraizada na ilusão, e do vento, que varre a solidão, nunca estará esquecido.
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24/02/2016 -
Não é no grito que se ganha
Meu amor eu não sou dessa terra. Eu vim lá detrás de Marte. Não tenho costume com essa correria. No meu mundo o amor é uma arte e vivemos em completa poesia. Não berra, posto que o coração bate quieto, o feto não grita, o sentimento não irrita e a paixão por mais intensa, palpita. Fita, fita meu par de olhos e compreenda o quanto, em silêncio, o quanto ele agita o seu ser. Nada de escândalos, os anjos falam com voz de sândalo. O segredo está na quietude. Não é pela força que Deus se fez amiúde. Alma rude não atrai alma polida. Não é no grito que se ganha a vida. Meu amor eu não sou dessa terra. Todo ser humano erra, mas um dia do amor se aprende que tudo começa e nada se encerra.
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23/02/2016 -
Vida e morte de galo
O galo despertou. O galo anunciou: são seis horas da manhã. O galo o meu coração disparou. O galo cantou e eu não sei se é ontem ou amanhã. O galo não perdoa. O galo me tira do sonho como quem tira doce de criança. O galo me acorda à toa, pois continuo sonhando com os olhos abertos. O galo por mais longe está sempre perto. O galo empoleira na minha cabeça. O galo cocorica e não há quem do cocoricó esqueça. O galo, sem corda, sem pilha, sem bateria, escandalizou outro dia. O galo espora a noite, bica a madrugada e do nada decreta o fim da fantasia. O galo é a voz da realidade nos chamando à vida. O galo, sem ter asas para voar, prefere escravizar a saudade na lida. O galo anunciou que o amanhã chegou no hoje que já vai ficando para trás. O galo esperneou pintado de guerra. O galo acabou com a paz. O galo inflou e tombou pela terra. A galinha veio e ciscou e nesse ciscar o galo enterra.
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22/02/2016 -
Ele ainda está vivo
Se tudo terminasse agora eu mesmo assim não iria embora porque não aceito o fim do que não chora. E eu ainda sorrio, você ainda gargalha como se sentisse cócegas na alma que te avacalha. Não há o frio entre nós do vazio. O amor não encalha quando a calha do nosso sonhadeiro ainda dá pro estrangeiro. Ninguém é prisioneiro de ninguém, olhe às cordas do violeiro e entenda que as modas vão e vem. Se tudo terminasse agora e o cupido assinalasse com sua flecha torta o ponto final da nossa história eu mesmo assim gritaria “maldita escória” de anjos sem memória que acabam com amores como se nunca tivessem sido pecadores. E eu, mesmo a contragosto do céu, mesmo desobedecendo o meu papel e outros anseios, manteria o gosto de te amar do meio jeito roto, pois o amor que há, ligando meu peito aos seus seios, não está morto. ...
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21/02/2016 -
Viola atrevida
Toca viola porque viola é de tocar rezando. E agora é preciso muita reza porque o dia já vai se acabando. É preciso reza para boiada não se perder. É preciso reza para o coração não escurecer. As sombras estão por aí e tem gente que tomba aqui e ali pelo que assombra do cachorro ao bem-te-vi, do lobo ao quati, do branco ao tupi. Toca viola porque viola é a moda do deus, do deus caipira que não se convenceu de que precisaria estar num altar para que pelos seus dias seus pés viessem beijar. O deus da viola é o deus dos carreiros, dos violeiros, dos boiadeiros que mais do que boi tocam o que ainda não foi. No canto da viola o estradão se alumia e o boi que fugia volta sem revolta. O vento dá reviravolta pra mor de seguir com a viola que se enche de lua e flutua no terreiro do pequizeiro que dá moda e dá pequi o ano inteiro. Toca viola porque viola é reza das brabas, que enche de lua e de sol a estrada da moçada que acorda para a lida, que reacorda para vida, toda vez que as cordas da viola dão aquela tremida. Êta viola atrevida! ...
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20/02/2016 -
Transformando-se
Ela chegou pisando quase que flutuando na pontinha do pé sem fazer rapapé. Ela não queria acordar quem dormia revelando por onde ia. E ela foi por tantos lugares naquela noite que se encheu de bares, poetas e sombras indiscretas. Ela se despiu e se vestiu e tornou a ficar nua como a lua que já nem dá mais de corar. Depois de carregar tantos problemas ela resolveu seu teorema e desanuviou. Ela dançou, sambou, beijou. Ela se soltou, se libertou, se transformou na vista de todos e de ninguém. Pois ninguém conhecia. Ninguém a sabia. E assim ela foi além do aquém, atravessou a margem, encerrou a estiagem. Ela, em uma só madrugada, mudou sua estrada, foi recriada e reprogramada para amar. E logo vieram corações em resmas. Mas ela foi reprogramada para amar e amar. E logo vieram bocas prometidas de todo lugar, inclusive, do além-mar. Porém, ela foi reprogramada para amar e amar a si mesma. E assim, mais segura, batizada em sua loucura, sendo o que é, chegou pisando quase que flutuando na pontinha do pé. ...
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