08/06/2010 - Capítulo 27
Um domingo diferenteSebastian desce do carro com uma cesta cheia de chocolates e um urso de pelúcia gigante. Com ele, descem Malena, Tomás e Micaela. O promotor conversa com o porteiro que, por sua vez, aciona o interfone. A voz do outro lado da linha autoriza a subida daquela família de rostos leves, animada com o que está prestes a fazer.
Três andares depois, quando a porta do elevador se abre, eis um cartão de boas-vindas. A mulher que registrou queixa contra Sebastian na delegacia naquele episódio do acidente os aguarda com um sorriso tendo a filha, aquela que ficou entre a vida e a morte no hospital, entre os braços.
Micaela entrega o urso e Tomás, a cesta de chocolates. Todos se cumprimentam e se abraçam. Depois daquela cena na delegacia, Sebastian manteve contato para se informar da saúde da menina. Mas sempre adiou a visita. Parecia ter medo de enfrentar os expressivos olhos de Susana. Bobagem. Ela está muito bem. Não havia tido seqüelas, tampouco hematomas. É uma garotinha extremamente bonita e gentil.
O promotor pede perdão para ela, que de pronto diz que não há do que o perdoar. Diz que sua mãe explicou que foi tudo um acidente. E que se existe um culpado na história este é um homem todo rasgado, de roupa e pele, que apareceu por lá atrapalhando sua mãe ao volante. Era um homem muito feio e que rangia os dentes fazendo um barulho horrível. Também falou que no local havia outro homem, este todo negro e com uma capa igual dos filmes de terror que sua mãe não lhe deixava assistir.
Entre a vergonha e o destempero, a mãe a repreende a garotinha dizendo aos presentes que ela, ultimamente, tem insistido nessas histórias. Que isso deve ser coisa da imaginação de uma menina assustada com o que viveu. Nem dormir Susana dormia mais sozinha. Como que querendo se justificar, ela avisa que já agendou uma consulta com um psicólogo para a próxima terça-feira.
Sebastian se aproveita do instante em que a mãe de Susana vai pegar um bolo e um suco para se agachar e dizer no ouvido da menina que acredita nela. Aconselha que para evitar problemas o melhor é não falar sobre isso com qualquer pessoa. Diz que há um anjo bonito a protegendo e que nada de mal vai acontecer. Ela sorri e o abraça. Então, ela também cochicha no ouvido do promotor:
- Comigo pode ser que não, mas com você muita coisa ruim ainda vai acontecer.
Dito isso, corre para buscar algumas bonecas no intuito de brincar com Micaela.
Malena também presenteia a menina. Havia levado uma pulseira com pingente de anjinho. Diz que é para protegê-la. Ela educadamente diz que reza toda noite para seu anjo da guarda e que, inclusive, já falou com ele algumas vezes. A mãe, transbordando ceticismo, pede para que não dêem atenção às fantasias da menina. Depois daquela conversa, eles se despedem.
Micaela se entusiasma e pede para a mãe preparar um almoço para aquelas duas. Prometeu que iria ensinar Susana a nadar. Todos se empolgam e se comprometem e se despedem.
O promotor vai embora com aquela frase da menina doendo em sua cabeça. Malena e as crianças parecem felizes com a nova amizade. E o passeio em família naquele domingo de sol está apenas no começo. E as surpresas também. Afinal, todos se espantam quando Sebastian os leva para o almoço beneficente do Centro Espírita Sementes da Luz.
Freqüentadores do centro e pessoas carentes tomam conta da rua, que foi fechada para o trânsito e devidamente enfeitada. Valentina fica numa alegria sem medida quando vê a família reunida.
Nunca Sebastian havia participado de um evento como esse. As crianças já nem se lembravam mais de como eram essas celebrações cuidadosamente preparadas por sua avó. Malena se emociona, beija o marido e diz que o ama.
Mais do que almoçar, o promotor se propõe a ajudar. Carrega mesas, mexe panelas, corta temperos, serve refrigerante. Ninguém desconfia, mas boa parte daquele almoço é fruto de doações anônimas feitas por ele
No desenrolar da confraternização, Malena conversa com amigas, as crianças se enturmam com meninos e meninas de sua idade e tudo vira festa. Ou melhor, quase tudo. Distantes daquele clima leve, em uma sala no interior do centro, Sebastian e Gastón conversam.
O médium está feliz pela presença dele ali. E mais feliz ainda pelo fato do promotor ter se sentido bem naquele ambiente. Gastón salienta e importância de se viver em harmonia para afastar as coisas ruins.
- Antes de vir para cá, passei na casa da Susana, aquela menina que quase morreu por minha causa.
- Que coisa boa esse reencontro. Quanto menos pendências nós tivermos nessa vida, melhor. E como ela está?
- Está bem, nem parece que se acidentou. Mas, pelo que me contou, no dia do acidente um umbralino e Jhaver estavam presentes.
- Nós desconfiávamos já disso.
- O que mais me intriga é que Jhaver usou o corpo de Malena para falar comigo. E eu estranhei que ele parece estar em dúvida quanto ao meu castigo.
- Valentina me contou. Está indignada com o fato de um anjo castigador ter usado o corpo de sua filha grávida. Ainda mais porque ele fez isso para lhe iludir.
- Iludir?
- Sim. Ela não acredita que Jhaver possa realmente querer ponderar seu castigo. Acha que tudo não passa de um jogo dele.
- Mas por que iria fazer isso?
- Para lhe confundir, tirando seu foco. Quanto mais perdido você estiver mais fácil fica a execução do castigo. Enquanto você despende tempo colocando em dúvida um castigo que já está sendo executado, maiores serão seus prejuízos.
- Realmente, eu não acredito que alguém que quase mata uma menina como Susana possa ser justo.
- Tudo isso só confirma a tese de Valentina, de que Jhaver, por alguma razão que desconhecemos até então, quer lhe enganar.
- Isso é comum?
- No mundo dos castigos vale de um tudo. Só estranho porque Jhaver tem fama de ser muito direto, de pouca conversa em suas punições. Não é de seu comportamento ficar dando oportunidade a ninguém para se defender, tampouco explicar pontos da castigação como fez com você.
- Mudando de assunto, Valentina não pode me falar, meu avô está livre?
- Sim. Klaus o resgatou. Estava bastante debilitado em razão das correntes feitas com material de baixa vibração.
- E por que o prenderam?
- Na verdade seu avô não tinha nada de ir até o umbral procurar por dona Soledad. Ele ainda não estava preparado para esse reencontro, tampouco tinha força suficiente para chegar até lá. Enfrentar o umbral não é para qualquer um. Seu Esteban teve muita sorte de ser resgatado.
- Só por isso o aprisionaram?
- Também. Na verdade, eles queriam atrapalhar você. Pensaram que prendendo seu avô poderiam evitar a redenção de dona Soledad.
- Será que Jhaver está no meio disso?
- Jhaver não é bem vindo no umbral. Muitos estão ali por causa dele. No entanto, não há criatura que não tema o seu chicote. Portanto, ele tem certa influência sobre eles. Mas um anjo castigador de sua estatura não precisa da ajuda de ninguém. Ele tem poder suficiente para fazer o que quiser.
- Se ele é uma espécie de anjo solitário, por que será que Susana diz ter visto um umbralino junto dele no dia do acidente?
- Eu podia inventar uma versão bastante fantasiosa, mas costumo ser sincero. Portanto, não sei lhe responder essa questão.
- E meu avô e minha avó estão juntos agora?
- Não. Seu avô está em uma de nossas colônias espirituais recuperando-se do ataque. Já sua avó continua no umbral.
- Então minha ida até lá não adiantou de nada. Ela não se recuperou? Vai continuar sofrendo, querendo me castigar?
- Calma. Sua avó está em um posto de socorro instalado dentro do umbral. Postos de socorro são pontos de luz no meio da paisagem triste, escura e fria daquela terra de sombras e sofrimento. Por fora, grandes e coloridos jardins. Por dentro, o cenário de um hospital. Sua avó tem muitas coisas para tratar antes de ser levada para uma de nossas colônias periféricas, quando irá se adaptar a uma nova vida.
- Colônia periférica?
- O plano espiritual é formado por diversas colônias. Os espíritos mais evoluídos ficam perto do centro. Conforme decresce o nível de evolução dos espíritos eles são alojados em colônias mais distantes. Conforme os espíritos forem evoluindo em suas vidas terrenas e também nos trabalhos realizados na dimensão espiritual, eles vão mudando de colônia rumo ao centro do plano celestial.
- Mas e minha avó?
- Depois de se tratar no hospital e os socorristas tiverem certeza de que a intenção de dona Soledad é melhorar, crescer, evoluir espiritualmente, ela será levada para uma colônia periférica, que fica mais perto do umbral do que do centro celestial.
- E isso não é perigoso.
- Faz se necessário.
- Como assim?
- Os postos de socorro e as colônias têm esquemas de vigilância e proteção para evitar ataques dos umbralinos. No entanto, sua avó só estará livre do umbral quando suas vibrações mudarem. Muitos, mesmo depois de resgatados, têm crises de ódio, vingança, raiva e um grande sentimento de incômodo por estarem em um local bonito e iluminado. Isso faz com que muitos resgatados voltem espontaneamente ao umbral.
- Mas...
- Depois que morremos continuamos com o livre arbítrio.
- Então minha avó não está totalmente salva?
- Infelizmente não. A salvação é um processo demorado. Ela deu um grande passo lhe perdoando e querendo ser ajudada. Mas ainda há um longo caminho a trilhar. Os socorristas e outros espíritos de luz vão continuar indicando a estrada que leva a Deus. Agora, a continuação do resgate depende exclusivamente dela, que precisa ter força e ânimo para seguir essa estrada.
- E quando seu Esteban e dona Soledad se reencontrarem vão morar juntos?
- Eles não vão se reencontrar. Não já. Primeiro sua avó precisa se arrepender das coisas que fez com seu avô, pedir e aceitar perdão. Um encontro agora poderia complicar a evolução dos dois. Como lhe disse, precisam estar preparados para encarar esse momento que tende a mexer muito com o campo emocional dos dois.
Minha avó morreu há vinte e um anos e meu avô seis anos antes dela. Nesse tempo todo de desencarne eles jamais se viram?
- Sinto lhe desapontar, mas durante todo esse período eles estiveram separados. Cada um depois que morre tem uma jornada espiritual distinta a percorrer. Cada um encara a passagem de uma forma e passa a ter um dado comportamento no outro lado. Há quem se revolte e quem aceite a nova realidade. Cada um também tem que resgatar coisas dessa e de outras vidas.
- Falando nisso, Jhaver insiste em dizer que tenho que pagar por vidas passadas, você sabe o que é que eu fiz de tão grave?
- Não.
- Tem algum jeito de descobrir.
- Sim. Mas só posso lhe dizer que já tem gente muito mais evoluída do que eu cuidando desse assunto.
- Não pode dizer nada, nada mesmo...
- Nada a não ser que esta não é a primeira vez que o seu caminho cruza com o de Jhaver.
Observação do autor: Próximo capítulo: dia 10 (quinta-feira). Espero você!
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