09/06/2010 - O velho e os bois
Lá vai o velho bem longe se vai tocando seus bois na estrada que a lua cai. Lua rancheira, tombada como pássaro no cano da cartucheira. Os bois vão passando e a lua iluminando os olhos da criação enquanto o velho vai aboiando pelo velho estradão. Já perdeu as contas de quantas cabeças ponteou por aquelas pontas. Já perdeu as contas de quantas moças deixou suspirando pelas varandas daquelas bandas. Só sabe que coração que extravasa em seu peito é marcado como seu gado, a ferro e brasa.
Lá vai o velho bem longe se vai abrindo porteiras cavalgando na ponteira da comitiva. Comitiva solidão o empurrando pelo sertão. Os bois vão marcando a terra rumo ao pasto lá do pé da serra. E o velho, com fé no dia, se benze com um ramo de guiné depois de rezar uma Ave Maria. Ele toca em frente ciente de que a saudade é uma estrada longa, que se prolonga do amanhecer ao anoitecer. Por isso quando a coruja pia o velho dá um jeito de cair nos braços da viola que chora e assovia dentro do velho peito.
Lá vai o velho bem longe se vai conversando com seu gado na língua do vento empoeirado. Veja se tem cabimento nessa idade quebrar o chapéu ao céu e deixar a cidade em direção ao interior do mato. O que pra muitos pode parecer um desacato, para aquele velho é um alento. Cada boi da estrada é um sentimento que rege como o velho menestrel do tempo. Ora tem estouro de boiada, ora tem choro de vaca emprenhada. E é assim que segue o velho de acorde em sacode naquela lida que não troca por nada.
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