17/08/2010 - Senhas
E agora, o João teve um apagão. Ao contrário do que acontece nos filmes, ele não acordou desmemoriado em um lugar desconhecido. Ele fez foi acordar em casa mesmo, ao lado da mulher, dos filhos e do cachorro maltês. Lembra perfeitamente de seu nome, de seu endereço, de sua profissão. Sabe o nome completo das crianças e da flor predileta de sua esposa. Tem consciência de que mora no décimo segundo andar de um prédio num bairro não muito distante do endereço do seu trabalho. No entanto, é como se um mundo inteirinho tivesse se apagado de sua memória.
João esqueceu, da noite para o dia, todas as suas senhas. João não consegue mais abrir seus emails pessoais e profissionais. João não pode mais acessar suas redes sociais. João não se entende mais com o caixa eletrônico, tampouco dá conta de fazer transações bancárias pela internet. João esqueceu a senha que desbloqueia o celular, o computador, a área administrativa de sua página eletrônica e a catraca que dá acesso aos elevadores do prédio onde trabalha. João se perdeu das senhas de seus cartões de débito, de crédito, de vale alimentação, de vale refeição, de milhagem... João é agora um homem sem segredos.
Depois de criar tantas combinações malucas envolvendo datas de aniversário, números da sorte, de casas, de eventos marcantes, como viver sem senhas nesse mundo codificado? Para comer, para comprar, para se comunicar... Tudo necessita de códigos. Números, algarismos, símbolos... Tudo desapareceu da cabeça de João. Senhas, senhas e mais senhas para ler um livro, para enviar um recado, para viajar, para recuperar um guardado, para pagar a segunda via de uma conta, para um beijo roubado. Sempre preso a tantos segredos, João, agora, depois do apagão, vai ter que reaprender a ser livre. E, para sua sorte ou azar, a liberdade não aceita senhas...
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