Daniel Campos

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Encontrados 301 textos. Exibindo página 23 de 31.

Soneto do passario

Acauã anacã manhã maracuã
Voa dançador, voa e dança do-ré-mi
Voa gurundi pra galha da avelã
Trem bem-te-vi nos chama ali piuí

Diz tagarela pinta pintaroxo
Trinca ferro trinta reis triste pia
Noite noitibó, cantoria no coxo
Curió, perto do pé da cotovia.

Bica bico de lança, canta cuco
Esgarça garça, ralha dona gralha
Sobe papa-açúcar, pula macuco

Zomba zombeteiro, voa seu chopim
Chora-chuva, foge rabo de palha...
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Soneto do pássaro de orfeu

Tudo nessa vida é só e só ilusão
Ilusão de quem tece o amanhecer
Que amanhece no dó de uma canção
Que assovia bocas de amor e sofrer

A vida é o violão que num longo braço
De aço casa em casa se põe a chorar
Porque mestre orfeu, deus ritmo compasso,
Perdeu eurídice ao samba de além-mar.

Quem canta chora o choro de um ateu
Quem chora canta o canto de rapina
Porque a música é o pássaro de orfeu

Doravante a vida é nota partida...
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Soneto do pastoreio

Falei. Foi de amor eu sei que pequei
Quanto pecado em nossa última vez
Esperei. Você se escondeu e eu me dei
Num tempo vil que depois nos desfez

Você para lá. Eu para cá. Sozinhos
E agora eu parto à procura de um parto
Buscando o segredo do pergaminho
Feito na língua do pecado. Mato

Em nome de uma tentação traidora
Que se converteu toda sedutora
Aos ouvidos de um padre inquisidor

Não sei se é exorcismo ou fio do destino...
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Soneto do perigo

Mesmo com toda a dor, todo perigo
Mesmo com toda palavra não dita
Mesmo que a solidão esteja contigo
Por maior a descrença, faz-se bonita

Mesmo que o sonho caminhe ferido
Mesmo que o medo nasça com a lua
Mesmo que o amor se dê por vencido
Por maior as barreiras, é linda nua

Se lhe faltarem asas, desce ao chão
Se lhe faltarem céus, decresce ao fundo
Do nosso mundo e encontra uma razão

Para seguir em frente face aos ventos...
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Soneto do relógio

Os ponteiros tropeçam, quase param
O sol não cede seu lugar à lua
Os bois do relógio a saudade aram
E até minha alma tarda a ficar nua

O pêndulo fraqueja em balançar
O céu cronometra o vôo das estrelas
O cão de lá rosna ansioso de uivar
E o moço chora às moças por não tê-las

As batidas do relógio não soam
O sol tenta por fogo na cidade
A tarde corre e as cigarras caçoam

E vem o silêncio e o não movimento...
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Soneto do submundo

O amor é sombra negra, o vão e o alçapão
De um tempo triste que de amor insiste
O amor é um deus ateu é o céu que não existe
É fingidor e ainda o amor é ladrão

Ladrão do despudor que dá na gente
Ah pega! Pega o ladrão que nos furta
Os sonhos de creme e geme na curta
Duração do teu suspiro poente

O amor é o melhor disfarce da morte
Morre-se por amor todos os dias
Morre-se no azar e na própria sorte

Morre-se na poeira que nos sufoca...
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Soneto do tesouro pirata

Quando eu, meu amor, descer pelas escadas
Do medo, suba à cauda de um pecado
E entre os tantos desencontros da estrada
Vamos ver quem chega primeiro ao lado

Da felicidade que foi escondida
Dentro de um baú de tesouro pirata
Lá na ilha escondida caída perdida
Onde nenhum sonho altaneiro atraca

Quem achar primeiro essa divindade
Que reparta e doe ao outro o suficiente
Pra derrubar o reino da saudade

Que navega feito a grã-capitã...
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Soneto do trem

Tem dias em que se acorda e corre aos trilhos
Dormentes e correntes da estação
Que dá lá no fundo do sol de milho
Que atiça e iça a nossa imaginação.

Corre sem despedidas nem bagagem
Corre paralelo ao trilho que escorre
Que vai e vem e vai cortando paisagem
Em destinos tortos, mortos de porre.

De repente o azul, de repente o apito
E vem o trem do sul e seus vagões
Gemendo aflito nosso amor em grito

Corre uma gente que sobe e que desce...
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Soneto do vazio

Não somos sequer alguma memória
Despojados na carne sem valor
Nada sabemos, não cremos em glória
A vida nos envolve sem pudor.

Somos candelabros da escuridão
Tantos braços conhecem nossos passos
Tantas bocas nos abrem em canções
Quando não há tempo quiçá há espaço.

Pertencemos sem nos ter pertencido
Presenciamos a curva do destino
Na embarcação do último desatino.

Parece que somos sem ter vivido
Existe uma solidão e um desprazer...
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Soneto do velho oeste

A mocinha fugiu com o bandido
E o mocinho vulgo herói sozinho
Ficou ao fim das páginas do caminho
Onde o final feliz fora banido

Da história que todos têm na boca
Onde o bem-estar sempre vence o mal
E a morte do bandido é natural,
Mas eu quero a fantasia ainda mais louca

Quero ser o teu maldito vilão
Quero fazer-te as melhores ruindades
E ainda viver de morrer de paixão

Quero um romance de contos-de-bruxa...
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