Daniel Campos

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Encontrados 372 textos. Exibindo página 16 de 38.

13/04/2013 - Acordei atrasado

Acordei e o café já tinha esfriado. Acordei e o carteiro já tinha passado. Acordei e o cachorro já tinha passeado. Acordei e o galo já tinha cantado. Acordei e o telejornal já tinha acabado. Acordei e deus já tinha me abandonado. Acordei e o sonho já tinha me escapado. Acordei e o chefe já tinha me ligado. Acordei e minha mulher já tinha me beijado. Acordei e o sol já estava escaldado. Acordei e o jardim já tinha murchado. Acordei e o defunto já tinha sido enterrado. Acordei e o dia já tinha sido rezado. Acordei e a sorte já tinha me procurado e me deixado. ...
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30/03/2013 - Aleluia?

Hoje é dia de estourar aleluia gritou o menino. E a menina logo quis saber se aleluia era de comer. Se tinha gosto bom. Se estourava na panela feito pipoca ou na boca como chiclete. Aleluia era algo de aplaudir ou de vaiar? Aleluia era coisa de adulto? Aleluia não se aprende na escola. Aleluia era um bicho, um dito, um conflito? Aleluia era uma marca de roupa, a fragrância de um perfume, um programa de televisão?

O menino correu gritando aleluia, aleluia, aleluia e a menina ficou sem resposta, falando sozinha. Aleluia era uma bebida, uma cidade, uma igreja? Aleluia era um jeito de ser? Aleluia beijava bem? Aleluia era um daqueles filmes que ninguém vê? Aleluia era o apelido de um bandido? Aleluia tinha a ver com traição? Estourar aleluia era estourar uma guerra? Aleluia era uma profecia, uma fantasia, uma alegria?...
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27/03/2013 - Água na boca

Fruta madura no pé dá água na boca. Doce de goiabada dá água na boca. Boca de mulher dá água na boca. Compota de pêssego dá água na boca. O casamento de Romeu e Julieta dá água na boca. Almoço de domingo dá água na boca. Uísque com chuva dá água na boca. Caetano na vitrola dá água na boca. Maçã do amor dá água na boca. Pipoca no cinema dá água na boca. Receita caipira dá água na boca.

Cama desarrumada dá água na boca. Aroma de tempero dá água na boca. Água de mina dá água na boca. Uma bacia de torresmo dá água na boca. Praia ao entardecer dá água na boca. Doce de casca de laranja dá água na boca. Cocada de baiana dá água na boca. Churrasquinho de gato dá água na boca. Semente de graviola dá água na boca. O que não é diet ou light dá água na boca. Bolo de roça dá água na boca. ...
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25/03/2013 - A vida é a vida

A vida é comovente, engraçada, dramática e apavorante. A vida surge com toques de marxismo, de darwinismo, de freudinismo, de vinicismo. A vida, tão crente, mágica e mística, também é atéia. A vida, mesma cheia de regras, é uma ode à loucura. A vida é feita de ambigüidades, subjetividades, realidades e anti-realidades, além de doses-extras de saudade.

A vida, embora teoricamente limitada, não pode impor limites às emoções. A vida não pode ser micro, superficial e reduzida, mas macro, profunda e ampla. A vida pode ser um monólogo, mas precisa também render espaço aos duetos. A vida é o que é, e também o que não é, tendo um sentido próprio, coletivo e particular ao mesmo tempo. ...
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Comentários (11)

17/03/2013 - A minha cabeça

A minha cabeça é ninho de marimbondo. A minha cabeça é caminho aberto por Exu. A minha cabeça é onde escondo tudo o que sou. A minha cabeça é bossa, samba e soul. A minha cabeça é um amontoado de escombro. A minha cabeça é sentimento misturado a pensamento. A minha cabeça é nascedouro de estrela. A minha cabeça é mina de choro. A minha cabeça é projetor de olhares. A minha cabeça é acasalamento de lugares. A minha cabeça é trama de quem ama. A minha cabeça é cigana que dança a saudade. A minha cabeça é a individualidade que anda aos pares. ...
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13/03/2013 - A minha

A minha sombra tem a sua silhueta. A minha lua tem as suas marcas de batom. A minha estrada tem os seus passos a me chamar. A minha loucura tem origem em você. A minha maçã tem a sua mordida. A minha insônia passa pelo seu sono. A minha rotina é lhe conjugar nos verbos mais apaixonados da nossa língua. A minha apoteose começa nos seus pés. A minha saudade tem o seu formato, o seu conteúdo, o seu nome. A minha reta entorta quando lhe encontra. A minha fome é a sua fartura.

A minha música nasce dos seus tons. A minha tristeza é banhada pelo seu pranto. O meu segredo é o seu mistério. A minha dor só acaba com seus remédios. A minha cor muda de acordo com a sua pintura. A minha realidade tem fundo na sua ficção e vice-versa. A minha janela dá para os seus olhos. A minha pulsação está marcada no seu ritmo. A minha sede me leva para suas águas. A minha liberdade está condicionada a forma como você me aprisiona. ...
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06/03/2013 - A dor da perfeição

O dia amanheceu sem manchas ou borrões. Pela imensidão do céu azul não se encontrava marca alguma de nascença. Um desses céus de novela, sem nuvem, sem névoa, sem sombra, sem cisco... Nada de moscas, gafanhotos ou outros insetos. Nem mesmo os pássaros se atreviam a voar naquele céu criado numa espécie de photoshop divino. Os olhos não conseguiam avistar nem mesmo balões coloridos ou aviões. Astronautas, pilotos e aventureiros ficaram de fora.

Um céu quieto, sem ruídos ou ópera. Um céu sem sinal de anjos ou deuses. Um céu vibrante, intenso e exuberante. Um céu para turista algum botar defeito. Um céu belo e doído em sua infinitude. A perfeição dói. Aquele céu plástico, corrido, sem pinceladas, causava um incomodo nos olhares. Difícil olhá-lo de forma aberta, sem piscar ou chorar. Impossível explorar as belezas e mistérios desse céu que nos apequena em nossos defeitos. ...
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01/03/2013 - Águas de Jobim

Espero março com ansiedade, só para escutar Jobim regendo as águas. Águas vindas dos corpos dos anjos, das nuvens mais escuras, das minas à flor da terra, das bailarinas escafandristas, dos lençóis freáticos de seda ou cetim, das frutas maduras, dos telhados coloniais, das bocas que dão água na boca, das brisas perfumadas, das lembranças dos guarda-chuvas, dos veios dos poetas, das luas serenadas, dos cálices doces, dos prazeres incontidos, dos brejos das almas, dos adeuses em pranto...

Que Tom Jobim harmonize as águas de março com seus paus, pedras e fins de caminho, seus restos de toco, seus cacos de vidro, seus laços e anzóis. Que o maestro soberano dê ritmo as águas das perobas do campo, da madeira de vento, dos mistérios profundos, do Matita Pereira. Que Antônio Brasileiro seja a música que chove no vento ventando e no fim da ladeira. Que a ave no céu e a ave no chão se encontrem pelas águas de março num ritmo puramente jobiniano. ...
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21/02/2013 - Acorda Mangueira

Mangueira, acorda Mangueira, cadê o tambor? O silêncio reina soberano na avenida sem o seu fervor, o seu fervor Mangueira. É hora de bater tambor. Tambor verde. Tambor rosa. O trem da fantasia precisa sair da Estação Primeira para o mundo, perdido em desamor e solidão. Está na hora do coração folião fazer a diferença, de Mangueira marcar presença, transformando a cidade num enorme barracão de alegorias e enredos. Que cada corpo branco, preto, mulato seja uma extensão da quadra de Mangueira, de segunda a segunda-feira....
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11/02/2013 - Anjos

Anjos se querem. Anjos se pedem. Anjos se amam. Anjos somam asas. Anjos dividem nuvens. Anjos flutuam juntos. Anjos dançam juntos. Anjos voam juntos. Anjos se olham nos olhos. Anjos leem pensamentos de anjos. Anjos se beijam telepaticamente. Anjos ficam nus diante da pureza de outros anjos. Anjos comem cabelo de anjo. Anjos sonham com anjos. Anjos levantam e deitam com anjos. Anjos desenham anjos. Anjos romanceiam anjos.

Anjos se envolvem. Anjos se bastam. Anjos se doam. Anjos ciúmam de anjos. Anjos iluminam anjos. Anjos fotografam anjos. Anjos leem anjos. Anjos surpreendem anjos. Anjos rezam por anjos. Anjos se perfumam de anjos. Anjos flecham outros anjos. Anjos seguem anjos. Anjos dedicam estrelas a outros anjos. Anjos falam de deus a outros anjos. Anjos confiam em anjos. Anjos elegem anjos. Anjos pintam anjos. Anjos matam anjos. ...
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