Daniel Campos

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Arrozal

Os cochichos de ave-maria se misturam ao ensaio do coral. As ministras, longe da Esplanada dos Ministérios, escolhem quem vão fazer as leituras, carregar as velas, o pão, o vinho, os cestos da oferenda... Os fiéis entram, ajoelham-se, benzem-se e rezam alguma coisa rápida. Depois dessa reza, ela senta-se e espera pelo início da missa. Ao deixar a mão cair sobre o banco de madeira, tateia alguns grãos de arroz. Arroz sem casca e sem cozer.

Grãos de arroz crus. Se juntasse o arroz daquele banco e o que estava no chão, certamente daria um punhado. E ela, sozinha ali, põe-se a imaginar. O tapete vermelho. A chama dos lustres, das velas, dos olhos. O arranjo dos copos de leite ou dos lírios de São José, como bem desejar, ao longo de um caminho tão perto quão longínquo. O vestido da noiva e a longa cauda, que arrastava levando os olhares de tantos. Ela, de braço dado, com o pai, que fizera questão de colocar seu melhor terno. Ela caminhava vendo rostos se misturarem, a emoção não dava para capturar detalhes. Quem estava ali de fato, ela só saberia na fila de cumprimentos ou no álbum de fotografias. ...
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Avalanche no deserto

A noite parece ter caído toda de uma só vez a ponto de não ter mais nada para cair até o amanhecer. E não passava das 21 horas. Nas mãos, um copo de água com açúcar. A sensação de o mundo, por alguns segundos, ter se apoiado em suas costas. Os pensamentos revirados. As emoções desencontradas. Andava em círculos. Amanhã teria de acordar cedo, mas o sono não vinha. Talvez não viesse nunca mais. Ora tinha vontade de trancar a porta do quarto ora queria abrir o portão e caminhar na rua, descalça. Não sabia o que queria. Poucas vezes se viu tão confusa. O telefone, cheio de impressões digitais e de confissões não dizia nada. Parecia exausto. Por hora, deitou no colo da mãe, fez um monte de perguntas abstratas e fugiu antes do final do abraço. Parecia sufocada. Colocou um disco. E talvez a música servisse para abafar o choro, que já era tão quieto. Foi para frente do espelho, vestida com uma jóia ainda não vista pelo espelho e os olhos não entendiam as lágrimas. Olhos que se agarravam a algumas linhas repetidas vezes. Guardou o colar embrulhado no papel e abriu a janela. Não tinha nada para ver lá fora, mas olhava fixamente para si mesma. E ali, entre um gole e outro de açúcar, separava sentimentos dos nós que a vida havia dado. De repente, desceu da janela e ganhou a cama. De repente, um suspiro. Estava feliz. Contente da vida. E mais uma vez, o disco, que se repetia pela sétima vez, abafava seus risos calados. Virou de lado e dormiu em paz. Só tinha um único medo, o medo de ter certeza.


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