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Encontrados 32 textos de agosto de 2011. Exibindo página 3 de 4.
12/08/2011 -
Estouros
Do silêncio mais fundo que há no mundo o amor estourou como bomba de Hiroshima, como bolha de sabão, como flor de São de João. Estourou feito balão em festa de criança, feito sorriso na boca de palhaço, feito bolha na mão de lavrador. Estourou num atestado de instabilidade, de desequilíbrio, de volatilidade. Porque não pode mais conter, estourou. Estourou o cano, estourou o cheque especial, estourou os pontos e estourou o grito de carnaval. Estou a guerra, a crise e o inferno astral. Estourou sem ontem nem amanhã estourou carpe diem como bolsa de grávida. ...
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11/08/2011 -
Claros Montes Claros
Claros Montes os olhos teus tão transparentes quão inocentes diante dos meus. Montes Claros de um azul além-tejo, de um sol sertanejo, de um coração lugarejo, de um beijo, de um lampejo, de um desejo... Claros Montes, ilhas sem mar, pedras de luas caídas ou fêmeas mastodontes erguidas ao fundo das ruas. Montes Claros dos cavaleiros, dos doceiros, dos cancioneiros de Minas. Minas das meninas dos Claros Montes, que apontam como seios perdidos no horizonte.
Montes Claros... Será que é lá naquelas corcovas que mora Nossa Senhora do Amparo ou Nosso Senhor das Trovas? Montes Claros dos faros dos capitães do mato que caçam pães de queijo, pães de goiabada, pães de Romeu, pães de Julieta... Montes Claros do suor escorrendo como chuvisco de sal pelos trens do seu corpo inconsciente. Sentimentos torrentes desaguando em seu corpo monteclarense feito cheia de São Francisco. Montes Claros, candelária das Gerais, que fica de namorisco com Januária. ...
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10/08/2011 -
Saudade alpina
E de tudo ao meu amor-perfeito serei saudade. De tê-la num estribilho pelos passeios de trem nos trilhos da serra serei saudade. De ter lábios alheios aos meus nas notas finais de um chocolate quente serei saudade. De tê-la pelas ruas estreitas pisando nos meus passos serei saudade. De ter olhares de lã me envolvendo em meadas de linhas e geadas e vinhas serei saudade. De tê-la canção em lareiras e ladeiras e beiras de estação serei saudade.
De mergulhar meu corpo ao dela como numa panela de fondue serei saudade. De tê-la entre camadas e camadas de coberta serei saudade. De suas palavras levadas pela canção de Jobim serei saudade. E de tudo ao meu amor-perfeito serei saudade. De tê-la entre o branco e o rosa das cerejeiras serei saudade. De um tempo que passa de charrete sob as minhas janelas serei saudade. De tê-la sem juízo num sorriso alpino serei saudade. ...
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09/08/2011 -
Reviravolta
Nunca pensou em se divorciar. Achava que tinha algum problema por nunca ter pensado isso. Não tinha motivos para cogitar a separação. Não desconfiava da mulher com quem era casado há dezesseis anos. Nem se lembra de quando foi à última vez que brigaram. Jamais ficou tentado a trair sua esposa com quem quer que fosse. Gostava de seu jeito, de seu corpo, de suas manias, de seus temperos, de suas roupas, de seu cabelo, de sua voz, de seu sexo, de seu andar, de seus sapatos...
Gostava de um tudo em se tratando dela, era seu admirador convicto e nada secreto. Sempre fazia juras e gestos para afirmar e reafirmar seu amor. Convivia de forma harmoniosa com os parentes e amigos da mulher. A sogra o chegava a chamar de filho. Também não tinha problemas com os chefes e colegas de trabalho dela. Jamais precisou beber ou fumar ou se drogar para tentar esquecer algo de ruim que tivesse sido provocado pela esposa. ...
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08/08/2011 -
Oração da segunda-feira
Que os deuses do clarão me tirem das sombras nessas manhãs de segunda-feira. Manhãs frias e vazias, propícias aos desejos de não, de não me queira bem. Que os deuses da estrada alongada me permitam ir além do parapeito da minha sacada. Que eu possa subir por escadas imaginárias e me vestir com a indumentária do céu. Não falo do céu dos anjos ou dos santos, mas do céu das estrelas que existem para além dos calendários e da fraqueza humana que se agrava a cada nova segunda-feira.
Que os deuses do deserto me transformem novamente em feto, para eu nascer em um tempo distante desta segunda-feira. Um tempo sem preguiça, sem mau-humor, sem canseira, sem pré-julgamento, sem dor, sem fantasmas, sem pavor. Que os deuses do ne me quitte pas me façam aceitar cada ponto, cada vírgula, cada linha, cada pausa que venham a cair sobre mim ou em meu caminho nesta segunda-feira. Que eu saiba lidar com as interrogações, com os tempos verbais, espirituais e carnais. ...
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07/08/2011 -
Ela não era do mar
E foi então que ele entregou seu maior segredo na frente das câmeras, em rede nacional, no horário nobre, no intervalo do jornal. Ela titubeou, gaguejou, fez olhos de choro, envermelhou as maçãs do rosto. Não conseguiu dizer que era mentira. Diante de tanta indelicadeza, assumiu, sem qualquer vaidade, sua fraqueza, sua fragilidade. Ela tinha medo do mar. Era uma espécie de sereia da areia. Não suportava as ondas da maré cheia. Dizia até que o sal do mar deixava-a feia. Mas não havia desculpa que desse jeito na situação. Um tremendo mal-estar. ...
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06/08/2011 -
Pintada de sol
Há anos seu corpo não vê tinta. Não me falo das tinturas de cabelo ou dos esmaltes das unhas. Também não me refiro aos batons cor de carne, tampouco aos pós e lápis que usa no rosto. Falo unicamente do sol. Há quanto tempo seu corpo não toma um banho de tinta solar? Está tão mais próxima da lua do que do astro rei nos últimos anos. Sua pele anda pálida, fria, sombria. Não que eu não admire os mistérios lunares e os corpos lunáticos, mas fico preocupado com essa sua falta de cor, com essa sua tendência ao transparente, ao nude, ao oculto, ao invisível......
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05/08/2011 -
Esperança, minha meia-irmã
A esperança tem o meu sangue. No entanto, o parentesco não nos mantém unidos. Nossa relação é relapsa. Ficamos semanas sem nos falar. Ultimamente só nos encontramos em aniversários e enterros de outros parentes como o sonho, a angústia, a incerteza, o destino. Embora ela adore me dar de comer, eu ando enjoado de suas promessas. Já teve um tempo em que esperei muito por ela. Até que me cansei de esperar a esperança esperançar.
Já vivi com ela um incesto sem limites e sem pudores. Eu e a esperança, amantes tórridos, vivendo em um mesmo corpo. Tive uma paixão doentia por ela. Só que ela me traiu com o tempo, quebrou minhas expectativas e me envenenou com doses de depressão. Depois dela, nunca mais fui o mesmo. Antes, deveras apaixonado, eu via a esperança nos outros e nas coisas que eu fazia. Hoje, estou cego. Perdi a confiança na vida que está por vir. ...
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04/08/2011 -
Sem defesa
Cansei de me defender. Assumo a covardia como estilo. Nunca fui um valente. Jamais briguei por mim ou por quem quer que seja. Sempre me escondi. Sempre me esquivei. Não me importei em cair tantas vezes. Cheguei até a me fingir de morto. Apanhei muito sem revidar. Não sou dado a gestos heróicos. Tornei-me insensível a injustiça particular e alheia. Se possível, passo invisível pelas confusões, pelos canhões, pelos arpões, pelos grilhões, pelos turbilhões...
Não defendo a minha vida, o meu casamento, os meus filhos, o meu cachorro. Não defendo os meus ideais, tampouco as minhas ideias. Não defendo a minha comida, a minha casa, o meu salário. Não defendo as luas que me cobrem, os deuses que me rogam, os desejos que me habitam Não defendo a cachaça que engulo, o suor que derramo, a boca que beijo. Não defendo minha cara amarrada, minha amada, minha ladra, minha jornada, minha invernada... ...
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03/08/2011 -
Inocente ilusão
Ele vivia num mundo surreal. No mundo da lua. No mundo da imaginação. No mundo das canções. Ele vivia num mundo de plumas e molas, capitão do seu colchão à vela. Navegava pelo quarto, enfrentava os pesadelos com pernas de pau e de um olho só. Volta e meia se apaixonava por uma sereia e acordava nu na areia.
Cavava seu jardim à procura de um tesouro perdido. Conversava com duendes, flertava com fadas, passeava em naves espaciais. Cavalgava em um unicórnio pelas florestas e se pegava montado em uma cadeira, pulando pela sala de jantar. Conversava com a lua, se dependurava nela, até que alguém lhe mandasse largar o lustre. ...
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