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Encontrados 31 textos de julho de 2011. Exibindo página 1 de 4.
31/07/2011 -
Ela domingo
Era domingo. Era só isso o que sabia. Nada mais. Era só a certeza de uma data, ou melhor, de um dia de uma semana que não lhe trouxe maiores lembranças. Não sabia quem era, somente que viveria mais um domingo. Talvez o último, talvez o melhor ou o pior também. Não se lembrava de segundas ou quintas, nem de quartas ou sábados, tampouco das terças, mas acordou com a certeza de que estava num domingo. Isso poderia ser um sinal ou um avanço, seja lá de sua sanidade ou se sua loucura.
Era dia de vestir sua melhor roupa e seguir aos almoços familiares, ao cinema, ao estádio de futebol, à igreja, à praça, à sorveteria, à casa do namorado... No entanto, ela só tinha pijamas no guarda-roupa. Dezenas deles. Seja lá quem fosse, vivia boa parte de seus dias na cama. Também não se lembrava de ter família, de seu filme preferido, de seu time, de sua religião, do endereço da praça, de seu sabor de sorvete, de ter alguém para beijar e dividir seus esquecimentos. ...
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30/07/2011 -
Elo perdido
Ainda no banheiro, sentada no vaso, sonhou. O momento era único. Não era todo dia em que fazia um teste de gravidez. Era preciso sonhar um tanto antes de ver o resultado. Se esperasse um menino queria que ele tivesse os olhos azuis daquele surfista com quem dividiu algumas ondas no último feriado. Ou ainda que nascesse com os cabelos ruivos daquele turista finlandês que trombou no metro sem querer e foi se envolvendo sem perceber. Ou ainda que tivesse as mãos grandes como às daquele goleiro que a agarrou subitamente como se agarrasse um chute à queima roupa, sem defesa. ...
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29/07/2011 -
E ela saiu pelas ruas...
Ela fez cara de má e saiu pelas ruas. Não deu bom dia, não falou o que queria, não fez pose nem fantasia. Caminhou apressada, sem dizer palavra alguma, esbarrou nas pessoas, desobedeceu às regras de convivência e fingiu que não escutou sua penitência. Estava disposta a ser anti, antisocial, anticivilização, antihumor... Parece não ter acordado azeda assim, mas, quem a via, tinha certeza de que ela possuía inúmeros motivos para dividir esse profundo azedume com o mundo.
Cara amarrada, sorriso trancado, punhos cerrados. Vestiu preto dos óculos aos sapatos. Não atendeu telefonemas, não discutiu seus dilemas, não comprou um livro de poemas. Sem querer saber de presente, passado ou futuro, vivia um tempo particular. Se pudesse, pegaria um ônibus espacial e passaria o dia em netuno ou plutão. Chutou um viralata, assustou criancinhas, pisou num mendigo. Não respirava, mordia o ar. Dos seus poros rescendia o perfume da falta de paciência, de inocência, de clemência. ...
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28/07/2011 -
Uma pintura a 300km/h
Há quem cresceu em meio às telas de Cézzanne, de Chagall, de Matisse, de Van Gogh... Já eu cresci me alimentando das pinturas de um artista que pintava cabeças. Quantas as vezes que chorei e vibrei e cantei diante de uma das obras, em especial, desse pintor pós-moderno. Sua obra que viajou o mundo e arrancou aplausos e despertou suspiros. Foi perseguida, combatida, invejada, cobiçada e coroada.
Obra cobiçada por pessoas de todas as idades e classes sociais, reproduzida em cadernos de escola, em muros, em jornais, em tatuagens. Eu fui um dos milhares que já compraram uma cópia dessa pintura e que já colocaram as mãos e posaram para as lentes ao lado de uma original. Tão conhecida quão MonaLisa, essa obra de arte faz parte de mim. Das minhas memórias, das minhas aventuras, das minhas histórias, das minhas paixões sem curas. ...
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27/07/2011 -
Passe amanhã
Hoje eu não tenho um texto para lhe dar. Passe amanhã, por favor, me perdoe. Hoje a inspiração me faltou. Problemas do dia a dia. Estresse. Fatiga. Correria. Não choveu e eu sempre escrevo melhor quando o dia dá em chuvoso. Acabou a bateria da minha fantasia. Também não tive ajuda espiritual. Meus guias devem estar ocupados com o caos do mundo. De ontem pra hoje, comigo não aconteceu nada desigual a ponto de valer uma crônica. Minhas personagens de contos saíram de férias.
A minha cabeça falha. Meu humor anda no fio da navalha. Impossível tirar um texto da cartola, ou melhor, da memória. Nem as músicas foram capazes de me deixar à flor da pele. Nem os uísques conseguiram dar lucidez aos meus sentimentos. Como a bola de cristal de uma vidente charlatã minha alma não diz nada. E vem uma preguiça, um mal estar, um enjôo do obvio. Coisas físicas e temporais. Olho ruim. Inveja. Coisa feita. Fecharam meus caminhos e minha mãe-de-santo está de recesso. ...
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26/07/2011 -
Presente de aniversário
Um aquário? Um relicário? Um dromedário? Como lhe presentear neste aniversário? Um abecedário, um confessionário, um canário? Um balneário, um orquidário, um beijo panfletário? Um solitário, um dia sedentário, um amor coronário? O que quer de presente de aniversário? Um anedotário, um antiinflacionário, um documentário? Um sonho portuário, um buquê incendiário, um destino totalitário?
Se quiser eu inverto o horário, invento outro calendário, mudo por completo o itinerário, só para lhe presentear neste aniversário. Se bem quiser eu levo seus adversários ao calvário, escrevo o obituário de seus medos e transformo seus carmas em presidiários. Se mais quiser eu reúno seus partidários, seus operários, seus signatários e construo um brumário ou um santuário como presente de aniversário. ...
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25/07/2011 -
A moça da televisão
A moça da televisão faz cena, não faz almoço, não rói pescoço, não limpa o chão. Ela só quer saber de nada fazer, de muito querer, de todo poder. Ela é dondoca, passa no cinema e nem come pipoca. Vive de dieta, mas não recusa cachê para beber coca. Ela vai às compras e não carrega sacola, pisa no mendigo e não dá esmola. Ela não gosta de futebol, mas pro jogador do momento ela dá bola.
A moça da televisão ora está namorando ora ficando ora casando ora separando, num vai e vem do coração. Ela não sabe o que quer, na verdade abusa da sua natureza de mulher. Não planta uma semente sequer, mas gosta de receber flores. Não gosta de sofrer, mas adora encenar uma mocinha às voltas com suas dores. Só admite fotos do seu perfil direito, mas pra certa revista se mostrou de todo jeito. ...
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24/07/2011 -
Aceita esta vela...
Olhando o céu da janela, acendo-lhe esta vela, como quem apela por um destino menos cruel. Ó mãe, mãe de todo auxílio, tira de mim essa favela de sentimentos. Pega esta chama, que lhe ofereço, de bom grado, com todo apreço, e me afasta de uma vez dos maus pensamentos, da escuridão, do tormento. Ó mãe da estrela que cheira a jasmim, roga por mim, por minha lucidez. Livra-me das balas de festim, da sequidão carmim, da fúria do espadachim e do nanquim daqueles que querem escrever meu fim.
Acendo esta vela junto as três marias - Maria mãe, Maria rainha, Maria auxiliadora - buscando alento. Daqui, fico a ver seu manto de vento, colorido de azul, cobrindo boa parte do horizonte. Vejo a sua fronte, orvalhada, iluminando a estrada daqueles que se apegam a ti. Observo, pelo reflexo dos vidros da janela, o meu olhar de servo, em oração. Fico a imaginar os anjos lhe circundando, as virgens cantando e os santos se ajoelhando conforme vai passando. Passando e abraçando chamas, flores e preces. ...
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23/07/2011 -
Chatura
Não, não me pegue pela mão. Não, não desmanche a ilusão. Não, não perturbe meu coração. Não, não cutuque o leão. Não, não eu não tenho porão. Não, não me pode a imaginação. Não, não provoque a solidão. Não, não sufoque a minha respiração. Não, não mude o tom do seu batom.
Não, não me diga não. Não, não perca a condução. Não, não amole o sacristão. Não, não me rode feito pião. Não, não me leve de encontro ao chão. Não, não me espere no portão. Não, não se esqueça da nossa canção. Não, não vá para os lados da arrebentação. Não, não me tire o som do acordeom. ...
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22/07/2011 -
Ri
Ah! Esse seu sorriso largo é o meu afago. Trago seus risos pra dentro de mim. No meu lago particular. Drago seu sorriso dias afim. Vago por seus lábios sem fim. Sorriso sem preço, sem pago. Sorriso sem qualquer estrago. Quando desmancha o riso, caio gago aos seus pés. Coisas de homem e mulher. Coisas de mago e de quem se quer.
Ri com toda educação, com toda classe, com toda retidão e ri com a boca cheia longe da finesse. Ri deixando furos como uma blusa de lesie. Ri como deusa, como humana, como Lessie. Ri, não se esquece, ri, e não me fenece, ri, e me apetece, ri, e me enlouquece, ri, e me veste neste teu sorriso que me arranca o siso. ...
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