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Encontrados 32 textos de março de 2011. Exibindo página 3 de 4.
11/03/2011 -
Da janela
Da janela eu vejo a favela e seus barracos multicoloridos se abraçando, se misturando, se acasalando no clarão do sol na escuridão da lua que anda torta no céu feito anzol. Da janela eu ouço polícia e bandido trocando tiros, um menino empinando pipa com cerol, uma mulher gritando, uma criança chorando e um violino conversando em si bemol. Da janela eu torço por aquela cesta de basquetebol no fim do jogo e pelo final feliz da fotonovela com olhos entre a insônia e o rupinol.
Da janela eu a vejo, ela, a jogadora de handebol, toda bela, enrolada no lençol, iluminada por uma arandela. Da janela eu sinto seu hálito de mentol com canela se perdendo entre as nuvens de um anjo sentinela. Da janela eu ouço o ar, cântico de rouxinol, se movimentado debaixo de suas costelas. Da janela eu grito: cuidado com o farol, com o colesterol, com a esparrela. Da janela eu a tenho como uma tela de aquarela retratando o mergulho do girassol no atol. ...
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Comentários (1)
10/03/2011 -
O bem de um romance
Para quem vive sob pressão e enfrenta constantes bloqueios físicos e inspirativos em seu dia a dia, nada melhor do que se aventurar por um novo romance. Um livro inédito, com personagens convidativos à descoberta, é capaz de operar milagres em organismos em crise. Cada página deve ser lida com profunda ousadia e com um leve temor. Ousadia no quesito envolvimento, isto é, o quanto você se doa à história. Já o temor, em doses sutis, se refere à sensação de se perder da realidade, que deve estar sempre presente, mantendo vivo seu elo com o cotidiano....
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09/03/2011 -
A velha do cinzeiro
Eulália, moça magra e de muito desembesto, carrega a filha no colo pisando largo num caminho de pedregulhos cercado por espadas de São Jorge e de Nossa Senhora. Essa última, ao contrário da outra, tem uma moldura amarela. A pequena Talita, que nasceu amorenada, tava pálida, meio esverdeada de dor, de quebranto, de susto. Falavam que ela sofria de bucho virado, de olho gordo, de mau jeito. A mãe não acreditava nessas coisas, mas de tanto ouvir conversa alheia, acabou por amarrar uma fitinha vermelha no braço da menina e alfinetar uma medalhinha de São José na roupa da pequena. Se o problema não tivesse tão adiantado essas medidas podiam ter resolvido a questão. Mas... A menina chorava sem parar, posição alguma estava boa o suficiente. Chorava de perder o fôlego. Tava inquieta, ranheta, mole e quente. A febre não cessava com compressas e antitérmicos. Deixou de lado as bonecas, os iogurtes preferidos e uma manta com cheirinho de morango que ganhou de um tia. Veio junto com um urso cor de rosa que dormia junto dela no berço. ...
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08/03/2011 -
Gaia e suas mulheres
Todo artista tem em sua alma uma espécie de útero. Foi assim que essa fonte de energia chamada Deus deu a luz ao mundo. A humanidade chegou aonde chegou por conta do pecado original, envolvendo duas simbologias femininas: a maçã e a serpente. Temos em nossas veias o sangue de Eva. Jesus só foi Cristo graças ao milagre de Maria, Nossa Senhora, que é una e ao mesmo tempo centenas de invocações e rostos.
A civilização perdeu a cabeça com Joana D’Arc. Imperadores e escravos da paixão viraram pedra diante dos olhos de Cleópatra. Os amantes passaram a amar em francês com Edith Piaf. Os deuses do Olímpo se destruíram pela beleza de Afrodite. Quantos homens se curvaram a uma Margaret de ferro? Quantos não sonharam em dançar com Margot Fontain? Quantos corações foram revirados pelos gestos de madre Tereza de Calcutá? Quantos os órfãos da princesa Diana, de Evita Perón, de Elis Regina?...
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07/03/2011 -
Lança perfume
A mulher amada, dentro ou fora do carnaval, nos blocos ou nos bailes, nas ruas ou na cama, no sonho ou na realidade, na folia ou na tristeza, lança perfume. Seja nos momentos de conquista, de lazer, de trabalho ou de reflexão, a mulher amada lança perfume de forma sutil ou avassaladora.
Dos poros da mulher amada emanam naturalmente fragrâncias relacionadas ao sentimento. Cheiro de amor, cheiro de raiva, cheiro de angústia, cheiro de saudade, cheiro de desejo, cheiro de diversão. Porém, em instantes de pura intensidade, a mulher amada não apenas emana, mas lança perfume. ...
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06/03/2011 -
Foliões deste e de outros mundos
Reza uma lenda que no carnaval os espíritos mais mundanos ganham permissão para sair do inferno. Na prática, é isso mesmo o que ocorre. Nesses dias de festa uma multidão de espíritos inferiores ganha às ruas ao lado de foliões encarnados. E não é deus ou o diabo quem concede essa alforria, mas a própria humanidade. O intercâmbio vibratório, feito a partir dos pensamentos de quem cai na folia, permite essa invasão umbralina. Graças à afinidade os espíritos das trevas se unem aos sambistas de plantão dando um tom de tragédia ao carnaval. ...
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05/03/2011 -
Dias de carne
Carnaval vem de carne e prazer. Durante a idade média, os dias de carnaval eram dias de prazer, de comer carne à vontade, já que na quaresma é preciso se abster dessa iguaria. No entanto, esses dias também são de muita carne humana. O corpo humano torna-se uma espécie de produto à venda, um objeto de desejo, um pedaço suculento de carne. É como se olhos, olfato, ouvidos e tato se rendesse ao paladar numa imensa e intensa antropofagia. E isso não é enredo de escola de samba.
Carne branca, preta, mulata. Carne louca. Carne nua. Carne de primeira, de segunda e até de quinta. Carne salgada e doce. Carne na cerveja, na cachaça, no vinho. Carne suada. Carne sangrando. Carne malpassada e ao ponto. Carne a la carte. Carne de boca em boca, de mão em mão. Carne de engorda. Carne seca. Carne nacional e estrangeira. Carne roubada. Carne proibida. Carne crua e temperada. Carne gordurosa. Carne em chamas. Carne no prato, na rua, na cama. Quartos de carne no quarto. ...
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04/03/2011 -
O reinado do momo
Alô, alô rei momo, o que sua alteza vai fazer com a alta da inflação? No seu reinado tem criança chorando de inanição! Que tal baixar um decreto baixando os juros? Aproveite para acabar com o horário de verão. Vamos tapar os buracos da avenida principal porque lá vem mais um bloco de carnaval.
Rei, rei, rei momo, a oposição está querendo melar a festa. Mande o arlequim colocar um fim em tanto escândalo e corrupção. E a chuva não para não. Ta chovendo serpentina e confete no povo que perdeu a casa, a família, a identidade. Rei momo, ò rei momo, sai do trono, pisa na lama que seu país ta em chama. ...
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03/03/2011 -
Sobrevivendo
De mãos amarradas e boca amordaçada. De palavras silenciadas e sonhos amputados. De olhos vendados e digitais apagadas. De identidades violadas e pensamentos negados. De desejos esquecidos e olhares banidos.
É assim que vou pela estrada afora, tropeçando em ideais e fugindo da autodestruição. Vou perseguido, caçado, procurado. Vou molestado, acuado, açoitado. Vou ferido, banido, entristecido. Vou mesmo em pé caído.
Já perdi a conta de quantos golpes sofri, de quantas maneiras sofri, de quantas vidas não vivi. Já perdi a noção das torturas, das repressões, dos calabocas que ganhei. Já perdi a voz, a força, o ânimo. Já perdi a oportunidade de perder. ...
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02/03/2011 -
O homem pó agora é cinzas
Estamos a uma semana de tudo virar cinzas. Deus disse que o homem retornaria ao pó, mas em virtude dos pecados ou de algum outro desvio, tem retornado à cinza. O homem feito de terra dá lugar ao homem feito de brasa. O homem que acende como uma pira e queima sua existência de forma intensa e rápida. O homem queima sorrisos e esperanças, prantos e bonança. Queima uma vida cheia de destinos e caminhos num simples riscar de fósforo.
São homens e mulheres ardendo de amor ou de dor, numa rima tão barata quão quente. São criaturas possuídas pelo fogo do querer mais, do saber mais, do ter mais. E esse incêndio é contagiante como fogo em um palheiro. Uma multidão queimando por dentro suas angústias e expectativas. Queimando a inquietude de existir. Queimando sob o sol de verão e sob os pensamentos de plantão. Queimando sangue, carne e coração. ...
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