Daniel Campos

Prosas

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24/05/2011 - Cinza céu

O tom cinza do dia parece pesar no céu. Um peso tão grande que nem o vento, que ricocheteia cortando as nuvens em milhões de pedaços, consegue arrastá-lo para longe. O céu, do amanhecer ao anoitecer, é borrado, como que sujo de inverno. É como se um deus das trevas passasse pelo celestial arrastando um manto espesso e turvo. Um céu que intimida o vôo dos pássaros, dos aviões e dos balões.

Só não é capaz de intimidar meus olhos, que voam querendo descobrir o que há por trás daquele cinza todo. No entanto, na maioria das vezes, meus olhos campestres acabam absorvidos por aquela cor fria e úmida. Não é à toa que nessa época meus olhos tremem mais do que de costume e, até mesmo, surgem com manchas de mofo. O mofo da melancolia. Em dias assim, a poesia surge pálida e quer ficar embaixo das cobertas. ...
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11/09/2015 - Ciranda de lavanda

Ciranda, pequena, cai na minha roda e não se apequena, gira daqui, mira dali, e acerta meu peito com seus olhos flechados de lira. Anda como quem dança. Alcança o céu como criança. Filha de Luanda, de Ruanda, de Uganda, de Aruanda. Dona dos ventos que movem os moinhos da Holanda. Afina o meu coração no ritmo da sua banda. Danda, samba, ganda, ciranda no barracão dos meus olhos que forram o seu chão. Ciranda, dando de banda pra solidão. Manda seu passo, indica seu paradeiro, pontilha meu caminho com seu destino por inteiro. Abranda a minha vida com sua ciranda e deixa-me flertar com você da minha varanda. Ciranda e faz propaganda de que como anda pelo meu corpo num sopro de lavanda.


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10/07/2012 - Clarabela apaixonada

Por mais que o agapornis seja a ave do amor, difícil acreditar que uma delas um dia chegaria a fugir da gaiola abandonando seu parceiro para viver uma paixão com um bem-te-vi. Pois aconteceu. Nem mesmo no mundo animal o amor tem limite ou alguma razão. Clarabela, uma agapornis amarela das bochechas avermelhadas, abandou seu esposo Duque e ganhou os céus na companhia de um bem-te-vi, que malandramente já a cortejava pelas grades da gaiola.

Livre do cercado, voou, com toda pressa de amar, pelo cerrado, pelas galhas secas dos ipês e pelo floreio dos hibiscos e manacás. Voou e se arriscou pelos telhados de barro, pelos olhos famintos dos gatos e pelos fios carregados de energia. Voou, ou melhor, dançou ao som de tantos e tantos bem-te-vis. Voou e se rasgou de loucura, de prazer e de aventura naquele céu de organdi. Voou e, esbanjando garbo e elegância, ainda ganhou flores de um colibri....
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08/11/2012 - Clareia Clara

Clara clareia minha estrada na força de Ogum com Oxum. Clara guerreira, incendeia minha vida com a luz dos orixás. Canta Clara, canta sabiá mineira. Canta seu sincretismo, Clara católica, Clara kardecista, Clara umbandista. Clareia Santa Clara meu caminho e alumeia meu destino. Clara me deixa sentir suas energias espirituais em todo lugar que eu pisar. Clara, saudade ancestral. Clara, entidade maternal. Clara, identidade zodiacal.

Eu quero as guias de Clara. Eu quero bater cabeça para Clara. Eu quero marcar o ponto de Clara. Mãe de ouro, Santa Clara mareia no meu choro. Do alto do teu balançado, balança na minha vida. Da roda do teu gingando, rodeia com sua saia, rodeia. Clara canta com sua aura tanta e espanta tudo de ruim que me volteia. Clara canta e se agiganta nas praias, nas ladeiras, nas matas, nas pedreiras, nas cachoeiras. Clara clareia-me com sua fogueira.


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11/08/2011 - Claros Montes Claros

Claros Montes os olhos teus tão transparentes quão inocentes diante dos meus. Montes Claros de um azul além-tejo, de um sol sertanejo, de um coração lugarejo, de um beijo, de um lampejo, de um desejo... Claros Montes, ilhas sem mar, pedras de luas caídas ou fêmeas mastodontes erguidas ao fundo das ruas. Montes Claros dos cavaleiros, dos doceiros, dos cancioneiros de Minas. Minas das meninas dos Claros Montes, que apontam como seios perdidos no horizonte.

Montes Claros... Será que é lá naquelas corcovas que mora Nossa Senhora do Amparo ou Nosso Senhor das Trovas? Montes Claros dos faros dos capitães do mato que caçam pães de queijo, pães de goiabada, pães de Romeu, pães de Julieta... Montes Claros do suor escorrendo como chuvisco de sal pelos trens do seu corpo inconsciente. Sentimentos torrentes desaguando em seu corpo monteclarense feito cheia de São Francisco. Montes Claros, candelária das Gerais, que fica de namorisco com Januária. ...
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09/11/2008 - Clemência, Clementina

As estrelas suavam de calor. O escuro da noite pesava. A falta de vento asfixiava, cometendo tentativa de homicídio. Depois de Roberto Carlos, Milton Nascimento e Gonzaguinha, chegou Clementina na roda dos meus ouvidos. Há tempos ninguém ouvia falar dela. Mas ela chegou. Foram chamá-la e agora, estava aqui, em renda e voz. Era por volta de onze horas e trinta minutos da noite quando aquela África dos morros cariocas desceu, subiu e entrou em casa com sua voz forte e negra:

?Eu não sou daqui ...
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26/01/2011 - Clonar ou não clonar?

O clone humano só valeria à pena se os cientistas por meio das teclas de piano fizessem nascer um novo tom, maestro Jobim. Se com o DNA asfáltico do autódromo Interlagos, mais precisamente do S do Senna, acelerassem um novo Ayrton. Se de um copo de uísque trouxessem novamente ao mundo, com a benção dos orixás, Vinicius de Moraes. Se com uma pimentinha reavivassem por mais uma vez o canto de Elis Regina.

Os médicos poderiam pegar palavras, em genes de versos e prosas, e fazer novos nerudas, drummonds, pessoas, guimarães. Poderiam apanhar rosas que não falam e florescer outros cartolas. Poderiam isolar células de solidariedade e dar à luz a betinhos, uma série deles. Poderiam juntar marios e lagos e reproduzir Mario Lago. Poderiam fazer uso da mais pura matéria teatral palco afora e dar um bis de Paulo Autran, Raul Cortez, Paulo Gracindo......
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31/03/2013 - Coelho em crise

Em crise, o coelho procurou a preguiça, mas ela demorava demais para fazer ovos. A onça não entregava os ovos. O morcego fazia ovos de ponta cabeça. A baleia fazia ovos grandes demais. O cachorro enterrava os ovos. O rato roubava seus próprios ovos. O gato brincava com os ovos como novelos de lã. Os cangurus colocavam seus ovos para pular. O mico-leão-dourado só fazia ovos com sabor de banana. Os ovos de rena confundiam páscoa com natal. As ovelhas faziam ovo de pelúcia. A mulher fazia ovos sentimentais demais....
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01/11/2010 - Coelhos, verdadeiramente, coelhos

Ao contrário de confeiteiros, exímios produtores de ovos de Páscoa, Leleco e Pitoco se mostraram verdadeiros construtores. Pelo quintal, buracos e mais buracos foram abertos numa engenhosidade de causar espanto. Podiam muito bem trabalhar na expansão da malha metroviária, mas ainda não tinham idade para isso. Ao contrário de comerem cenoura e ração, preferiam comer flores, caixas de papelão e, até mesmo, o milho das galinhas. Roíam o dia todo com aqueles dentes de Mônica.

Ao contrário de ficarem em cercadinhos, gostavam mesmo de correr terreiro. Dispensavam o telhado por uma boa chuva, trocavam o dia pela noite, equilibravam-se em poleiros como se fossem circenses. Ao contrário de se acuarem dentro de seus buracos, provocavam os cachorros e enfrentavam os galos. Ao contrário de carinhos e bajulações, escolheram viver como bichos do mato. Fugiam das nossas mãos com pulos e dribles de deixar qualquer locutor de futebol maravilhado, sem fala. ...
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24/03/2016 - Coisa da roça

Os ninhos vazios, nada de ovo, a galinhada de quaresma. Época de semeadura, de aproveitar as águas de março. O vento sopra triste, balançando as folhas de outono num ar frio, anuviado de semana santa. O velho lavrador vai remexendo a terra como nas chagas de Cristo, tirando flor de espinho. A senhorinha de cabelos de algodão se apega com o terço ao tempo em que mexe panelas e bordados. A passarada vai diminuindo a cantoria em respeito à morte do filho do criador. Pelo brejo, os coelhos vão pulando, fugindo das bocas dos cachorros, esbaldando-se com as ramas verdinhas, mas nem sinal de ovos de chocolate por aquelas tocas. A água da mina brota mais fria, como se a terra todo estivesse mais uma vez doída por terem, há milênios, aberto sua carne e plantado uma cruz. O cheiro da vela, as cantigas das procissões e o roxeado das quaresmeiras vão tomando de conta do quadro da roça. O velho lavrador olha para o fundão do horizonte, perdendo seus olhares lá pros confins do roçado, pelo céu riscado de rabo de galo, sabendo, mais uma vez, que o tempo vai desabar sobre os homens.


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