09/11/2008 - Clemência, Clementina
As estrelas suavam de calor. O escuro da noite pesava. A falta de vento asfixiava, cometendo tentativa de homicídio. Depois de Roberto Carlos, Milton Nascimento e Gonzaguinha, chegou Clementina na roda dos meus ouvidos. Há tempos ninguém ouvia falar dela. Mas ela chegou. Foram chamá-la e agora, estava aqui, em renda e voz. Era por volta de onze horas e trinta minutos da noite quando aquela África dos morros cariocas desceu, subiu e entrou em casa com sua voz forte e negra:
?Eu não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu sou da bahia
Marinheiro só
De são salvador?
Eu, marinheiro dos mares da insônia, levava meu barco conforme o andor. O relógio avançava no calor e aquela música mexia com meus sentidos. A mulher que trabalhou uma vida como empregada doméstica e que começou a carreira artística depois dos sessenta anos, impressionava. Sua voz tinha séculos e séculos. Sua voz tinha um folclore que não cabe em padrão de estética algum. Clementina é o avesso de tudo, e aí está a beleza de seu canto. Será que eu dormi e esqueci de acordar?
?Tava dormindo
acordei aborrecido pensando ai
se meu sonho fosse certo
eu não andava avariado
nem andava fora de hora pelos caminhos?
A noite corria. O sono fugia. O calor bramia. E tudo era uma imensa boemia poética ao som daquela vozerio. Cadê a roda de samba, cadê? Cadê o vestido rendado, cadê? Cadê o tamborim, cadê? Cadê a lua pastorinha, cadê? Ao menos naquela noite, tudo desaparecera. Ficara só a voz de Clementina girando, girando, girando como num circo de marimbondos:
?Circo Marimbondo
Circo Marambaia
Eu cheguei de longe
Não me atrapaia
Vê se não me amola
Larga a minha saia?
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