Daniel Campos

Prosas

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11/03/2010 - As mulheres de Atenas, agora são de Esparta

“Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
(...)
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas, cadenas (...)”

Chico Buarque que me perdoe, mas as mulheres de Atenas agora são de Esparta.

Anos e anos de luta pela autonomia feminina corroeram a era das mulheres educadas para serem dóceis e reclusas ao mundo doméstico.

Hoje, as mulheres precisam, sobretudo, viver entre a espada e o escudo. ...
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09/03/2010 - As mulheres de hoje e sempre

Ontem as mulheres receberam carícias dobradas, bombons recheados, flores e outros mimos. Ontem as mulheres receberam discursos, sessões legislativas, inaugurações e outras menções não menos honrosas. Ontem as mulheres receberam espaço redimensionado na televisão, na rádio, na internet, nas páginas dos jornais. Ontem as mulheres receberam promessas e outras peças publicitárias das mais variadas bocas e mãos. Ontem as mulheres receberam elogios e rios de gentilezas...

Hoje, passado o dia oficial delas, tudo volta ao normal e, sendo assim, ao contrário de ganhar, perdem; ao contrário de receber, dão; ao contrário dos aplausos, o silêncio cúmplice do descaso. Hoje são pouquíssimos os que escutam o grito de uma infinidade de mulheres sendo violentadas, física e moralmente, em seu direito de ser mulher. Hoje são raríssimos os que compram alguma briga em defesa de mães, filhas, esposas, amantes com o mesmo empenho de ontem......
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15/04/2010 - As pedaladas de Hélio

Por aquela estrada estreita, divisa tênue entre a arquitetura da cidade e as histórias do campo, Hélio pedala sua bicicleta. Pelas curvas e ladeiras, leva sua marmita, suas ferramentas, seus sonhos. O chinelo de dedo rodando no pedal mantém em órbita um mundo encantando ou o que sobrou dele. Hélio é o último dos três guardiões das terras que um dia formaram a lendária fazenda de José Barbosa. Luiz, seu cunhado, sempre preferiu as estradas às plantações. Morreu num acidente de caminhão. Líbio, outro irmão de sua esposa Floripes, também pegou sua estrada. O homem que muitas vezes levou a bicicleta de Hélio de carona em sua perua tomou outros rumos. ...
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10/05/2011 - As pílulas de minha avó

Hoje, em especial, se minha avó estivesse aqui, com um riso meio que tímido meio que inseguro nos lábios, traria algumas pílulas na mão. Não me refiro às pílulas de farmácia tradicional ou de manipulação, tampouco pílulas coloridas, sintéticas ou efervescentes, porém, pílulas de papel. Não eram pílulas receitadas por um médico ou, por um farmacêutico ou por um desses programas de televisão. Eram pílulas mágicas, segundo ela. Não tinham bula ou maiores inscrições. Só existia uma indicação: era preciso tomar com fé e confiança. E serviam pra quê? Pra absolutamente tudo, tanto para as dores do corpo quanto para as da alma. ...
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19/09/2014 - As tatuagens de agora

Como você foi se transformar nisso? Foi um declínio vertiginoso. Tudo se perdeu em tão pouco tempo. Mudou de papel, da princesa à bruxa má ainda no meio da história. Fiquei sem entender e passei a conjugar o verbo sofrer em todos os tempos quando depois que você havia me ensinado a escrever felicidade em caixa alta. O que houve? Como pode ter se transformado nessa criatura pouca? Se você fosse isso o que é hoje jamais teria me apaixonado. Teria lhe ignorado, pois é o que essa pessoa que se tornou merece. ...
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25/11/2011 - Assaltos, roubos, furtos e expropriações

Lamentável! Além dos políticos não apoiarem a poesia e a literatura brasileira, tem senador de fino trato, juiz que enche a boca para falar de justiça e deputado fanfarrão metendo a mão no texto alheio. É isso mesmo! O que tem de autoridade se apropriando indevidamente de linhas e versos de terceiros em seus discursos não é brincadeira. Aliás, é coisa muito grave. Afinal, além de cair de boca no dinheiro público essas criaturas devoram, sutil ou descaradamente, palavras que não escreveram, tampouco compraram (no caso delas estarem à venda). ...
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01/05/2014 - Assassinato de Senna: 20 anos de impunidade

O tempo passou com o pé embaixo. Aliás, vinte anos se passaram como vinte minutos. Para desespero dos conspiradores, a presença de Ayrton Senna ainda é nítida entre nós. Aliás, é como se ele estivesse vivo. Ninguém se esqueceu do herói de capacete e muitos ainda buscam respostas para explicar sua morte, ou melhor, seu assassinato. Os culpados diretos e indiretos, por atos ou omissões, estão livres, embora carreguem a sombra de uma história nunca revelada.

A Conspiração Tamburello, como eu chamo, com suas teias e nós, atiça, provoca, envolve. São muitos fatos, alguns nada concretos, que contribuíram para o desfecho que até hoje não teve um fecho. Muito foi encoberto. Muito foi desviado. Muito foi negado. Fatalidade? Prefiro acreditar em uma tragédia anunciada. E tenho vergonha do silêncio das autoridades brasileiras. Eu não consigo aceitar que tudo seja aceitável nesse episódio cheio de brechas. ...
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11/03/2008 - Assédio moral é imoral, ilegal e engorda

A escassez de emprego no mundo atual e, portanto, a necessidade de estar empregado faz com que o trabalhador seja obrigado a suportar situações diárias de constrangimento, de ofensa a sua dignidade, de discriminação ideológica, racial, social e sexual e, até, de tortura psicológica. Essa combinação de "humilhações", em doses homeopáticas, é o cimento para a arquitetura sombria do assédio moral. O que era um problema no trabalho, passou a ser questão de saúde pública.

No decorrer desta lenta tortura, surgem sintomas nada agradáveis: estresse, crises de choro, hipertensão arterial, perda de memória, dores generalizadas, insônia, distúrbios digestivos, falta de ar, ganho de peso e, sobretudo, depressão. Temendo perder o emprego, os trabalhadores se enclausuram dentro de uma bolha de frustração e medo, passando a sofrer de um sentimento de inutilidade. ...
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21/01/2010 - Assédios da saudade

Se a saudade chegar até você e, por acaso, perguntar por mim, ò meu bem veja bem o que vai dizer, perguntar ou responder. Não vale mentir nem fingir pensando que não vai sofrer. Se optar por se calar, ou por dizer “talvez”, “quem sabe”, “não sei” ou por lhe indicar uma estrada errada, saiba que seu gesto não lhe valerá de nada. Nada, amada, nada...

Se a saudade perguntar por mim, sincera e afetuosamente, prefiro que diga que eu não presto e que me odeia e que esse assunto lhe chateia do que fechar os olhos e a boca para a saudade. Diga que me mandou embora, que me pôs pra fora e não quer nem ouvir falar de mim. Fale que eu não sou nada do que pensou, que não se interessa por onde estou ou vou, mas fale. Por favor, amor, não se cale. ...
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03/06/2014 - Assim

O que será que você me dá que me deixa assim? Assim sem querer mais nada que não seja você. Assim sem saber se é melhor morrer ou viver para continuar com você. Assim mergulhado no mais fundo de mim. Assim coberto pelo deserto da sua ausência. Assim pedinte. Assim voador. Assim metade homem metade pássaro. O que será que você me dá que me deixa assim? Assim sem força para lutar contra você. Assim totalmente entregue. Assim perdido e achado em você. Assim descontente com tudo o que não venha de você. Assim à flor dos sonhos. Assim esperador. Assim desesperador. Assim com paciência nos braços de uma possível presença sua. Assim feito tatuagem nas costas do tempo que me leva você.


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