Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 134 de 320.

17/12/2013 - Frente a frente

Frente a frente, face a face, cara a cara... Frente a frente, palmas nas palmas, olhos nos olhos, boca na boca... Frente a frente como se não houvesse lado ou costas, só frente. Frente a frente com o tempo, com o momento, com o sentimento. Frente a frente, espelhos e profecias. Frente a frente, ação e reação. Frente a frente, anjos e demônios. Frente a frente, respiração e inspiração. Frente a frente, linhas e destinos. Frente a frente sem espaço para sombras. Frente a frente, hojes e amanhãs. Frente a frente, botões e casas. Frente a frente, sonho e fantasia. Frente a frente, duas metades. ...
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20/05/2013 - Friagem

O galo, nos amanheceres gelados, chega a cantar rouco. A cama repleta de cobertas fica ainda mais difícil de ser deixada em manhãs assim. Até os pássaros, que gostam de refestelar o clareamento dos céus, demoram mais a sair dos ninhos. O estômago pede por bebidas e comidas quentes. Os pratos precisam levantar fumaça para agradar os olhos. As roupas pesadas ganham a moda das ruas e, até, dos quartos. As fogueiras de São João são como estrelas caipiras no chão.

O vento, em tons de inverno, corta os ares de outono levando os mais carentes a pedir colo. Os restaurantes ganham em charme e requinte. As palavras ficam mais intimistas. É travada uma verdadeira guerra contra o chuveiro, que insiste em não esquentar o desejado. O calor humano torna-se a principal pedida gerando uma epidemia de namoros. O coração tenta se agasalhar como pode. A friagem, em feitio de noiva, segue por dias e noites afora com um buque de flores de São João.


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10/08/2015 - Frutaria

Morango com tango. Manga que sangra. Kiwi de bem-te-vi. Carambola que embola. Uva de chuva. Goiaba com abracadabra. Uvaia de saia. Laranja de franja. Caju sem frufru. Graviola da viola. Pera na ladeira. Maçã do amanhã. Tamarindo que lindo. Lima com rima. Tangerina de menina. Cupuaçu Hindu. Romã do Vietnã. Cereja quem beija. Amora que chora. Melão em procissão. Melancia que mia. Abacaxi que ri. Ingá que assovia.


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26/03/2010 - Frutas, flores ou cera

Bodas de frutas, flores ou cera. Quatro anos degustando os sabores de sua carne e alma frutificadas. Quatro anos perfumando-me na aquarela de suas flores mil. Quatro anos amando-te com a mesma fé que escorre da cera de uma vela em chama aos pés do altar. Quatro anos de muito gosto, cor e fogo. Quatro anos de muito apetite, delicadeza e luz. Quatro anos de muito amadurecimento, plantio e crença. Crença no improvável, no impossível, no interior das coisas.

Foram poéticas tão caudalosas como manga rosa. Foram beijos de flores carnívoras. Foram romantismos se desenvolvendo a luz de velas. Foram momentos doces como a última jabuticaba de uma árvore negra. Foram instantes de plena primavera. Foram noites vivendo o prazer face à penumbra de dois corpos e mil anjos. Foram romances de estação, afrodisíacos e, quiçá, importados. Foram saudades sempre-vivas. Foram mel, zangões, rainhas e cera. ...
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26/01/2016 - Frutos da insaciedade

Um só amor não basta à mulher que carrega o coração oco no peito. E vai tentando ter árvores cada vez mais altas e vistosas, floridas e carregadas de fruto, mas caindo sempre pelo machado da ilusão vê em sem meio a tocos. As paixões que vai buscando a todo custo se alastram feito queimada devorando tudo, devastando seu mundo. Ela mesma, na sua insaciedade, consome todo e qualquer sonho. É árvore, mas também é a formiga, o formigueiro, que corta suas folhas. É árvore, mas também é a broca que fere o seu tronco e, sem que ninguém perceba, mata o seu cerne. É árvore, mas também é a mosca que apodrece seus frutos, o vento que derruba suas flores, a enxurrada que desterra suas raízes. Podia ter uma arvorezinha linda e firme, mas quer ter várias árvores em um só tronco, mais frutos do que suportam seus galhos, flores tantas e complexas que um só pássaro não consegue fecundar. E com isso acaba se extinguindo antes de se perpetuar. ...
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26/10/2010 - Fuga a dois

Vamos, vamos, apresse-se, o tempo não irá nos esperar por muito tempo. Vamos tomar rumo, ganhar prumo, conjugar sumo na primeira pessoal do plural. Vamos pegar a primeira estrada que vier, independentemente de onde ela der. Vamos pegar carona na vassoura da bruxa, na cauda do cometa, na barbatana do tubarão. Vamos roubar o cavalo do príncipe, o cadilac do rei, o 14 bis de Dumont. Mas vamos, vamos embora que é hora de ir. Vamos fugir, partir, fluir pelas estradas alaranjadas.

Vamos, vamos, cuidado, não se esqueça de nada e nem traga coisas demais. Vamos simplesmente com a bagagem necessária, no caso, eu e você, você e eu. Vamos sem se despedir de nada ou ninguém. Vamos, vamos além. Vamos que nosso tempo é curto pro tempo que a gente tem. Vamos rumar na canoa do índio, no helicóptero do deputado, na garupa do tropeiro. Vamos andar no monociclo do palhaço, no balão colorido, na nave espacial do extraterrestre que pousou no quintal. ...
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14/09/2011 - Fugas de pesadelo

Ela acordou de um pesadelo real ou imaginário. Às vezes quanto mais absurdo o espanto mais palpável o medo vivido durante o sono. Seja o que fosse, perdeu o sono e ficou pensando naquilo que tanto a assustara. Seus olhos secaram como que inteiramente tomada por uma estiagem particular. Não quis ler, tomar um chá, engolir um remédio, fazer um telefonema, ligar a televisão... Ela não gritou, não suou, não tossiu, apenas ficou paralisada no seu canto da cama como que enfeitiçada por uma espécie de presságio maléfico, inevitável e tão concreto quão sua insônia. ...
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25/01/2016 - Fugindo do ancoradouro

Outro navio chegou, aportou no porto das seis, e ela não chegou, não chegou outra vez. Ela ainda baila pelas águas e se a maré descer pode ser que ela chegue quando as mágoas baixarem. Pode ou não acreditarem, mas ela virá. Por enquanto não veio, mas o mar ainda está cheio e pode ser que será que quando menos se esperar ela estará entre nós fazendo pós em apaixonamento. Encantará de cabelos ao vento, de peito aberto e sorriso incerto. Aportará com olhos de maresia, viagens e paisagens a contar, e uma alegria difícil de disfarçar. Só que depois de tanto tempo pelas ondas, balançado para lá e para cá, descobrindo novos mundos e que o oceano não tem fundo, ela nunca mais se prenderá. Será como brisa que bate e alisa, que chega e desliza para longe. Terá tanto a dizer e ao mesmo tempo um silêncio de monge. Sinto esclarecer, mas quem chegar como âncora, ela despistará e no primeiro sopro suas velas há de inflar e tocar para o mar.


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06/06/2012 - Funcionalidades...

Pássaro que não voa. Viola que não canta. Trem que não apita. Boca que não beija. Bruxa que não pragueja. Telefone que não toca. Sol que não acende. Mar que não quebra. Fruta que não amadurece. Faca que não corta. Planta que não cresce. Fofoca que não se espalha. Segredo que não se esconde. Cachorro que não morde. Fé que não consola. Vela que não queima. Paixão que não dói. Promessa que não se cumpre. Porteira que não se rompe. Caminho que não caminha.

Árvore que não dá sombra. Comida que não enche. Cavalo que não pula. Lápis que não escreve. Noiva que não atrasa. Janela que não espia. Dobradiça que não dobra. Sino que não bate. Coberta que não esquenta. Café que não cheira. Mundo que não gira. Avião que não decola. Cheque que não cai. Primavera que não floresce. Livro que não termina. Relógio que não se movimenta. Ponte que não volta. Perfume que não cheira. Começo que não recomeça. Amor que não sofre. ...
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18/11/2013 - Furo

O rato fura o queijo enquanto a língua fura o beijo enquanto o gato fura o lençol enquanto o espinho fura o sapato enquanto o bandido fura a mocinha enquanto a catinga fura a rainha enquanto o farol fura a escuridão enquanto o vinho fura a lucidez enquanto a oncinha fura o arrependido enquanto o desafinado fura a canção enquanto o tarado fura a nudez enquanto o querubim fura a nuvem enquanto o berro fura a quietude enquanto a ferrugem fura o ferro enquanto o rude fura o jardim enquanto o relâmpago fura o céu enquanto o âmago fura o raso enquanto a raiz fura o vaso enquanto a escrita fura o papel enquanto o vigarista fura o véu enquanto o aceleramento fura a cadência enquanto a presa fura a inocência enquanto o sentimento fura o coração enquanto a ausência fura a estrada enquanto a estrela fura a madrugada enquanto o coral fura a embarcação enquanto o canivete fura o embornal enquanto o pivete fura o sinal enquanto o aço fura o peito enquanto o defeito fura a qualidade enquanto o passo fura a estrada enquanto o marcapasso fura a saudade enquanto o cachorro fora o lixo enquanto a fome fura o bicho enquanto o lobisomem fura a donzela enquanto o seresteiro fura a janela enquanto o prisioneiro fura a cela enquanto o dia fura a noite enquanto o açoite fura a fantasia enquanto a praga fura a maçã enquanto a descrença fura a chaga enquanto a doença fura a rã enquanto a solidão fura a consciência enquanto o cigarro fura o pulmão enquanto a maledicência fura a lã enquanto o pecado fura o barro enquanto o lado fura o outro lado.


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