Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 133 de 320.

25/04/2012 - Fome de sonhar

Independentemente se é dia ou noite lá fora, se meus olhos seguem fechados ou abertos, hoje eu quero ter sonhos fritos e fofos. Sonhos fartos. Sonhos de farinha de trigo, ovos e água. Sonhos recheados de lirismo e aventura. Sonhos que dispensam até mesmo fermento para crescer. Sonhos de bem querer. Sonhos ocos e leves capazes de voar alto nos céus do desejo e da imaginação. Sonhos que se lambuzam na frigideira. Sonhos disputados por homens, cachorros e moscas. Sonhos devorados sem culpa. Sonhos polvilhados com açúcar e canela. Sonhos de fazer gritar e suspirar. Sonhos nus. Sonhos de chocolate, de goiabada, de creme de baunilha, de doce de leite. Sonhos mordidos. Sonhos apalpados e engolidos....
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25/05/2014 - Fome de você

Eu tenho fome de você. Difícil controlar a vontade de lhe morder. Impossível me convencer de que é preciso não, não lhe querer comer mais e mais. Comer com os olhos, com a boca, com as mãos, com os pensamentos e as ações. Sou faminto do que faz, desfaz e refaz você a todo momento. Fome do seu corpo, das suas prosas, da sua loucura, das suas rosas, do seu sopro, da sua doçura. Você atiça meu eu selvagem, meu deus primitivo. Você me escancara o apetite sendo um convite aberto e misterioso ao canibalismo, ao antropofagismo, ao tropicalismo de amor e sexo. Sua língua é poesia que me alimenta. Sua beleza dá fome em todas as minhas células, principalmente nas coronárias e neurais. Sua existência (e o que falar da sua presença?) redimensiona crescentemente o meu metabolismo. Há uma queima generalizada de sentimento consumindo lembranças e liberando sonhos. Declaro-me faminto de tudo o que compõe você, seja palpável ou não. Deliro com com seus sabores, com seus contrastes, com suas cores. Tenho fome de seus olhares, de seus luares, de seus lugares... Fome olfativa, ótica, tátil... Queria ser esfinge para que errasse todas as minhas charadas e eu pudesse lhe devorar misticamente. Quero ter você entre meus dentes. Quero colheradas e mais colheradas de você. Espero, de coração inteiro, provar cada um de seus segredos e temperos. Tenho gosto, muito gosto, de sentir a fundo o seu gosto. E sua ausência faz a saudade extrapolar os limites do abstrato e se transformar numa sensação fisiológica de fome, ai, de fome de você.


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12/02/2010 - Fome, fome, fome

A fome me consome. Fome de um tempo que acabou de acabar. Fome de um sonho que sumiu das prateleiras. Fome de uma vontade nunca saciada. Fome de um sol comendo a madrugada. Fome de um cheiro que não se encontra por aqui. Fome de alguém que decidiu partir. Fome de um tempero raro e caro que foi embora do jarro. Fome de uma noite tranqüila de sono e amor. Fome da maçã do paraíso. Fome de uma constante inconstante. Fome que nunca dorme. Fome colorida e preta e branca. Fome tanta. Fome de uma sopa de letrinhas só com o alfabeto que forma seu nome. ...
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25/10/2009 - Fonte dos Desejos

Entre a Europa e a Groelândia, uma fonte jorra águas geladas no meio de uma dessas pracinhas pitorescas. Em meio a esse cenário de cinema-arte, uma menina, islandesa de nascimento e tradição, deposita seus sonhos interioranos naquela fonte erguida no centro da capital Reiquiavique. Trezes séculos já haviam transcorrido desde que os primeiros povos - os monges eremitas irlandeses - ocuparam aquelas terras pela primeira vez, mas Kata Petursdottir, castigada pelas coisas do coração, insiste em ser uma fonte de solidão. ...
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10/09/2012 - Fora do ar

Amanheci fora do ar. Totalmente fora do ar. Desde então, canal algum consegue sinal. Estou sem acesso a qualquer texto ou imagem. Ferramenta de busca alguma consegue encontrar coisa alguma que esteja na minha memória. Vírus, hacker, tempestade ou qualquer outro objeto causador dessa pane agiu durante o meu sono. Ao dormir ainda tinha todos os meus comandos em perfeito estado. Agora, fora do ar, deixei de funcionar. Aliás, deixei de ser eu. Não consigo encontrar minha identidade. Sou só presente. Expectativas e passados estão perdidos. A esperança é de que tudo isso seja temporário. ...
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15/03/2016 - Foram me chamar

Foram me chamar pra roda de samba, mas o couro do meu tamborim rasgou. Foram me chamar pra seresta, mas das sete cordas do meu violão uma arrebentou. Foram me chamar pra lavagem da escadaria da Senhora das Guias, mas, fia, com todo respeito, não estou num bom dia. Foram me chamar para pescar, mas meu coração já estava fisgado num anzol bem amarrado. Foram me chamar para o festejo, mas cadê meu realejo? Foram me chamar para assistir os fogos de artifício, mas prefiro as luzes que vejo explodindo no fundo dos meus olhos de hospício. Foram me chamar para raspar o tacho, mas minha colher a correnteza levou rio abaixo. Foram me chamar para dar colo e daí santo nenhum me segura, rezo à loucura e logo me embolo.


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20/01/2016 - Força maior

Não vendo mais champanhe em seu copo ela saiu bebendo estrelas. Tropeçou em paralelepípedos portugueses achando que se enroscava nas pernas de Fernando Pessoa. Trocou versos com a noite escura e saiu pela lua como se nela pudesse vê-la. Andou, girou, cantou e amou bêbados, mendigos e prostitutas como se amasse os seus. E ao olhar para o mar de ressaca viu o reflexo de Deus no seu rosto marcado de tanto apanhar, e se dar e se machucar por acreditar no outro. Foi, sem querer, entrando num conto solto e sem final, entre a realidade e o surreal. Quando o sol deus as caras ela estava sem salto, sem vestido, no asfalto, despida e desprovida de qualquer lembrança. Era apenas uma criança crescida chorando e se buscando com gemidos ecoando em seus ouvidos.


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19/01/2013 - Fornalha

O coração, como uma fornalha, vai queimando dia após dia tudo o que sou, o que espero, o que fui, o que sinto, o que quero. Meu coração queima o que minto, o que finjo, o que escondo com a mesma veracidade com que minha realidade é queimada. Nesse forno, queimo minha obra, minhas cobras e lagartos, minhas sobras. Os sonhos vividos ou não alimentam as labaredas. Ora essa queimação resulta num calor sem precedentes que extrapola os graus Celsius ora traz um frio latente. Ora transformo-me nessa fornalha, sendo engolido por ela, ora ela é apenas uma fogueira adolescente num campo deserto do meu eu....
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Fósseis de verão

Caminhões caçamba se enfileiravam nos desfiladeiros da construção. Ou melhor, da desconstrução. A terra, vermelha, batida, úmida pelo suor do centro da terra ou pela promessa de chuva. Duas escavadeiras espichavam seus braços longos e amarelos e quase se abraçavam. Em uma delas, uma concha. Em outra, uma broca. Ao redor delas, trabalhadores com chapéus alaranjados se movimentavam como formigas. E naquele labirinto de trilhas que rodeava o que ainda restava de concreto armado, caminhava desarmada uma menina. ...
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Fotografia de conhaque

Um leve toque na campainha. Parece não haver ninguém em casa. O olhar se confunde nos riscos do relógio. Suspiros. A campainha soa novamente. O som percorre cada milímetro da vida que adormece lá dentro e não traz resposta alguma. As mãos pensam em bater na porta, mas desistem na metade do caminho. Mais uma vez, os ponteiros e os riscos do relógio. Mais suspiros.

Balança a cabeça em sinal de desconsolo. Sem mais esperas, pega a chave no bolso. Disfarça. Um sorriso fechado. Um cumprimento tímido ao casal do apartamento da frente. Um casal que segue de mãos dadas. Por um instante, o olhar acompanha os enamorados, noutro se enche da areia daquele imenso deserto. Um deserto solitário, sem camelos ou odaliscas. Sem querer, assusta-se com os próprios pensamentos e os olhares se perdem no corredor vazio. ...
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