Daniel Campos

Prosas

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04/11/2014 - Fez-se o vagalume!

O pássaro deus me contou que tudo se consternou quando a menina se vendo sozinha chorou. E a terra se abriu e o céu rugiu e o fogo frigiu com tão doído pranto. Os altos comandantes estelares rendidos ao encanto da pobre menina ofereceram uma chuva de estrelas e uma combinação ruiva de flores nascidas em cometas. E teve até anjo fazendo careta diante de tanta corneta que ecoou pra levar consolo à menina que de sozinha chorou. Seu choro suplicou aos píncaros do infinito e chegou bonito aos ouvidos do criador. E foi então que deus criou dos olhos daquela menina cega de solidão um pequenino coração de luz com asas para guiar os cegamente apaixonados. Fez-se o vagalume. ...
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12/08/2013 - Fica sem perder o ponto

Se não sabe se vai ou se volta, fica. Se não sabe se desce ou sobe, fica. Se não sabe se beija ou se bate, fica. Se não sabe se grita ou cala, fica. Se não sabe se avança ou regressa, fica. Se não sabe se ataca ou defende, fica. Se não sabe se prende ou liberta, fica. Se não sabe se acredita ou nega, fica. Se não sabe se sim ou não, fica. Se não sabe se casa ou separa, fica. Se não sabe se baila ou para, fica. Se não sabe se roda ou gira, fica.

Se não sabe se deita ou levanta, fica. Se não sabe se pede ou manda, fica. Se não sabe se esquenta ou esfria, fica. Se não sabe se dorme ou acorda, fica. Se não sabe se inédita ou reprise, fica. Se não sabe se assim ou assado, fica. Se não sabe se concorda ou aceita, fica. Se não sabe se pula ou se corre, fica. Se não sabe se brinca ou fala sério, fica. Se não sabe se nada ou se tudo, fica. Se não sabe se certo ou errado, fica....
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20/07/2013 - Ficância

Fica para sempre ao meu lado um pouco mais. E que o que for vivido nesse conjunto de estar junto se intensifique e se multiplique mais e mais. E que, no mais, o ficar perto seja entendido e praticado como muito perto. Fica porque ficar é uma forma de abdicar da cólera da separação que soluça lá fora sem pedir perdão. Fica aqui, por favor, fica aqui porque tudo mais é solidão e suas conseqüências. Fica, por mais que eu peça para ir embora, fica. Fica como se não houvesse outra opção além de ficar e ficar e ficar. ...
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01/08/2012 - Fidelidade alada

Lá no morro da ilusão, detrás do vale da imaginação, vive o pássaro-cachorro, uma espécie rara, fruto do amor impossível entre duas espécies de animais ou de um momento de zombaria de um deus cansado do óbvio. Cabeça de cachorro, corpo de pássaro, alma de criança. Mutação. Aberração. Ilusão. Seu latido é cantado. Come pratadas de néctar. Cachorro azul. Pássaro de coleira. Cachorro nas nuvens. Pássaro com focinho. Cachorro que abana as asas. E depois de um longo voo, com direito à cambalhota, pousa nos dedos da mão. ...
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24/12/2009 - Filho do seu auxílio

Quando eu lhe vi pela primeira vez, não tive dúvidas: cai aos seus pés. Foi como se depois de tanto caminhar eu encontrasse conforto para aliviar o peso do mundo que acumulei ao longo dos anos. Foi mágico. Só nós dois e uma igreja sem paredes, ladeada por um céu tão infinito quão azul. E eu lhe vi vestida desse mesmo azul com tons de vermelho. E eu lhe vi tão perto como nunca dantes havia visto em lugar ou tempo algum.

Eu, mesmo sem saber falar como falam os anjos, falei. Na verdade, eu me entreguei de paixão enquanto a alma crescia a ponto de não caber dentro da carne. Sem suportar o fluxo de energia que me envolvia, desprendi-me de todas as amarras e lastros. Fechei os olhos e me deixei levar. Era sentimento e formigamento por todo corpo. De repente, dos olhos brotaram lágrimas e da boca, soluços. ...
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28/08/2008 - Fim de agosto

Agosto se despede. O mês do agouro, da seca, da loucura se despede nos braços dessa ventania desvairada que lhe é característica. Os ventos de agosto não trazem chuva. Os ventos de agosto não trazem sementes. Os ventos de agosto não trazem bons presságios. Ao contrário, trazem gemidos, arrastar de correntes, portas e janelas que batem sem parar. Há certa tristeza no ar neste mês que nos aproxima do final do ano. Há muito futuro e muito passado, enquanto o tempo presente é tragado por um clima de opulência. Pudera, este mês foi batizado em homenagem ao primeiro imperador romano, César Augusto, que lutou cruelmente pelo poder. Sem escrúpulos e autoritário, agosto, assim como quem lhe deu nome, segue seus dias de guerra. ...
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19/11/2014 - Final caprichado

Eu quero um final épico. Quero tudo o que me é de direito. Quero todos os olhos. Quero todos os aplausos. Quero todo o silêncio que puderem me dar. Quero um final apoteótico. Quero tudo o que não tive, e do que tive quero ainda mais. Quero o ápice, o auge, o apogeu. Quero todo sentimento, carga máxima mesmo. Quero uma enxurrada, uma tempestade, um tsunami de emoções. Quero o que há além dos limites. Quero toda licença poética. Quero os sentidos em carne viva. Quero doses e mais doses de fantasia, de sonho, de esperança. Quero fechar a conta em grande estilo. Quero quebrar as regras no tocante à imaginação. Quero adentrar as dimensões paralelas que já fazem parte mim. Quero meu tempo de ponta-cabeça. Quero ganhar na cartada final nem que for num blefe. Quero me lançar ao infinito perdidamente apaixonado.


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Fios do tempo

Os cabelos desfiados cobriam o sono do rosto. Um corte moderno e um sono antigo. Foram noites e noites quase sem dormir. Também os preparativos foram tantos. Desde a apresentação do último projeto, algumas despedidas, a lista de convidados, o estresse com o trabalho, com o tempo e até com o corte de cabelo. Tudo pronto em cima da hora. Também, o baile de formatura era a sua maior ambição desde que entrara para a faculdade. Era a realização plena. Estaria formada. Chega de provas, de listas de presença, de trocar o sono pelo estudo. Agora poderia dizer quando lhe perguntassem: sou advogada. ...
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21/06/2012 - Flecha de Oxóssi

Sou flecha disparada pelo arco de Oxóssi. Sou flecha cabocla. Sou flecha flechando destinos e corações. Sou flecha correndo pelos ventos de Iansã. Sou flecha atravessando as águas doces de Oxum. Sou flecha verde floresta. Sou flecha azul céu. Sou flecha que arde no fogo de Xangô. Sou flecha forjada na guerra de Ogum. Sou flecha à procura da caça. Sou flecha da fartura e da riqueza. Sou flecha voando entre árvores e espíritos ancestrais. Sou flecha da mata fechada. Sou flecha do rei de Kétu. Sou flecha do dono da Terra....
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16/12/2010 - Flerte nº 89

Você é perfeita, dos meus dias a eleita. Mona Lisa pós-moderna, batata da minha perna. É sublime sensação, lua de batom. Mania predileta, ilha deserta. Sabor dos sabores, deixa dos atores. Pelos de arrepios, corredeira dos rios. Bobagem dos apaixonados, desejo dos tarados. Juras de carne e osso, santa do pau oco. Jogo e brinquedo, sorte e medo. Luz que rompe, beleza que corrompe.


Você é poesia pequenina, estrela peregrina. Néctar do fruto, posse e usufruto. Promessa madura, doença sem cura. Paixão que estonteia, brisa que mareia. Reza do interior, lenda de amor. Vela que veleja, céu que troveja. Canção de ninar, clarão de âmbar. Doce de candura, fonte de loucura. Sentimento arredio, arrependimento tardio. Beleza oculta, magia absoluta. ...
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