Daniel Campos

Prosas

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30/08/2014 - Maltagliati

Meu coração maltagliati por suas mãos. Todo mal cortado em italiano. Sem qualquer preocupação com a métrica, servido al dente à passione que há em sua boca. Retalha os retalhos do meu tenro coração corado e serve a si própria sem qualquer pudor. Chega à mesa sob um ótimo pesto de sentimento. Mangiare, mangiare, mangiare meu coração maltagliati por suas mãos. Meu coração, meu coração, meu coração em pequenos pedaços distintos por tamanho, forma e espessura numa fome sem cura. Meu coração, meu coração, meu coração maltagliati visitando sua boca numa simplicidade moderna à moda de Anita Malfatti.


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29/08/2014 - Arte do pretérito

Eu tenho um sonho antigo que você bem que poderia sonhar comigo. Eu tenho três quartas de terra num coração que sobe serra e do amor não se aparta. Eu tenho um céu de asa-delta que bem cabe essa sua curvatura de atleta. Eu tenho duas colinas exclusivas pras bandas do sonhador ideais pras suas pernas meninas e lascivas. Eu tenho uns trezentos vagalumes que são capazes de iluminar sua cama entre a luz e o perfume das damas da noite. Eu tenho direito a efeitos especiais, de neblinas às cortinas de fogaréu, perfeitos para casais. Eu tenho acertos e enganos que podem ser encarados à vista ou parcelados em milhares de planos. Eu tenho um pé de fantasia que dá de comer noite e dia em frutos de poesia. Eu tenho um mistério que nos leva ao futuro do presente mesmo sendo partes da arte do pretérito.


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28/08/2014 - Quem é essa?

Que mulher é essa que a todo instante me quer a caminhar na prancha de encontro ao mar alto dos tubarões que a todos tomam de assalto? Que menina é essa que constrói Muralhas da China entre o seu e o meu peito num profundo desrespeito ao amor sentido e não vivido? Que garota é essa que insiste numa outra realidade como se não fosse sujeita à saudade? Que criatura é essa que caminha em minha direção e me culpa como quem me multa por estar na contramão dos nossos destinos? Que beldade é essa que me leva a todo instante a querer ficar e a mudar de cidade numa calamidade de vontades? Que pessoa é essa que pensa que meu coração é o espaço mais à toa deste planeta ora lhe fazendo careta ora lhe vendo de luneta? Que fêmea é essa que reluta para separar os corpos de suas almas gêmeas?


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27/08/2014 - A primeira de muitas quartas sem Dona Ofélia

Quarta-feira. Justamente no dia em que a senhora se sentava sempre no terceiro banco da direita da igreja com sua garrafinha de água e seu leque para acompanhar a Novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Hoje, os sinos da Matriz de São José estão se dobrando mais tristes. Dificilmente a gente se encontrava às quartas-feiras, justamente porque era o dia dedicado pela senhora à prática de um dos compromissos mais importantes que tinha com sua fé. Gostava de chegar cedo à igreja para participar da reza dos mistérios do terço. Perdi a conta de quantas vezes vi aquele terço de caroços de azeitona enrolados na sua mão. Quando criança, a senhora me benzia passando o terço três vezes pelo meu corpo. Desajeitado como sou, o terço volta e meia enroscava em meus pés. Fui crescendo, crescendo, crescendo até que fcou impossível eu passar dentro do seu terço. Mas a senhora continuou me benzendo pessoalmente ou à distância até que eu mesmo desse conta de lidar com minhas energias. A católica que acreditava em vida após a morte e reencarnação ficou orgulhosa deste neto aqui ter encontrado seu caminho espiritual e ter começado a trabalhar espiritualmente para o bem dos outros como ela sempre o fez. Desde seu AVC no finalzinho da última semana tenho procurado retribuir toda a dedicação que sempre teve para comigo, manipulando energias para que pudesse continuar sua jornada em busca da evolução do espírito. Dediquei e dedico muitas preces e mantras em favor da iluminação de seus caminhos. Não é fácil se desapegar da matéria, como conversei mentalmente com a senhora nesta última madrugada, mas é necessário ter a consciência de que a missão foi cumprida dando continuidade a nossa caminhada em outros planos. Por mais difícil é preciso praticar o desapego seja com nosso corpo físico seja com pessoas que amamos para podermos seguir o que nos é confiado. Não foi por acaso que nossas últimas conversas foram marcadas pelo assunto “morte”. E agradeço muito de a senhora, minha vó, ter confiado a mim parte da sua preparação para passar por esse desencarne. Foram longas e ricas conversas. E foi uma honra poder aconselhar quem passou a vida dando conselhos. Para além das cores e sabores que vivi com a senhora, guardo comigo esse mundo espiritual que dividimos de forma muito bonita nos últimos tempos. A felicidade de me ver encontrado e fortalecido espiritualmente me fez muito bem. Afinal, sempre admirei muito a sensibilidade que a senhora sempre demonstrou em diversos campos da vida, principalmente em relação à arte. Seja a arte de cozinhar, de bordar, de plantar, de viver a literatura, em especial a minha poesia, e de encarar e praticar a fé. Estou de luto sim, mas hoje não visto preto. Visto branco. Afinal, para além do choro da nossa separação neste plano físico, celebro a beleza de uma passagem sem sofrimento como a senhora sempre desejou. Nada de ficar numa cama, de dar trabalho a ninguém, de perder sua independência. A senhora, dentro de sua simplicidade, sempre foi uma mulher à frente do seu tempo. Está certo que a vida nunca lhe deu muitas oportunidades de a senhora realizar seus sonhos, mas seu modo de pensar e agir foram coerentes com sua natureza sonhadora. Nunca vou me esquecer das suas mãos envolvidas por aquele terço que hoje provavelmente estará mais uma vez junto delas, só que já sem vida, em sua despedida. E por falar em mãos, de mãos espalmadas ao tempo, envio a energia deste que por muitas vezes foi mais que neto, foi filho, em agradecimento e auxílio à jornada de seu espírito. Nem nesta nem em outras quartas vamos mais nos encontrar fisicamente, mas tanto eu quanto a senhora sabemos que há outras formas de continuarmos juntos. E como a senhora já se despedia de mim ao telefone: Salve Deus!


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26/08/2014 - Vida soprada

A vida é um sopro. Um sopro que habita um corpo. Um corpo que palpita todo. Um todo que gira-mundo. Um mundo que vira de ponta-cabeça. Uma cabeça que passa da conta. Uma conta que não fecha. Uma fechadura de mil combinações. Uma combinação de histórias. Uma história nem sempre de glória. Uma glória de ser feito de sonho. Um sonho de ser mais. Um mais que quer sempre mais. Um mais-que-perfeito amor. Um amor agrupado em moléculas. Uma molécula macroscópica de fantasia. Uma fantasia para ser vivida até o outro dia. Um dia com sangue nas veias. Uma veia poética por natureza. Uma natureza atlética sob medida. Uma medida que tem sempre um quê de despedida. Uma despedida que toma de conta de repente. Um repente que combina morte com sorte. Uma sorte de ser emoção e razão. Uma razão de ser além da matéria. Uma matéria que não se aprende na escola. Uma escola de sentimentos. Um sentimento de querer próximo. Um próximo que insiste em ficar distante. Um distante que se faz saudade. Uma saudade que nos faz pela metade. Uma metade que vive a procurar pelo sopro de sua outra metade.


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25/08/2014 - E agora, dona Ofélia?

E agora, dona Ofélia, quando é que eu vou comer bolinho de chuva daquele que só a senhora sabe fazer? Não deu tempo de aprender nem o doce nem o salgado. Recebi os bordados que fizera para eu guardar como lembrança, porém eu queria mais; Mais do que lembranças. Meus olhos nunca se esqueceram das suas mãos bailando pelo meio daquelas meadas de linha. Da última vez que nós nos encontramos eu não me fiz de rogado e comi meu bolo de aniversário adiantado, mas eu ainda esperava ter outras desculpas para comemorar com essa receita única. As flores de seu jardim já devem estar preocupadas, chorosas mesmo sem orvalho, todas carentes das suas mãos tão férteis. Aliás, a preocupação é geral. Os milharais estão desolados, pois o sonho de toda espiga de milho sempre foi acabar em suas mãos no ponto prefeito de um certo cural que ninguém faz igual. As mães sofrem com suas crianças cheias de quebranto sem saber se essas mãos vão voltar a pegar no terço para benzer. As bonecas que ganhavam roupinhas para serem vendidas em bazares beneficentes devem estar se sentindo nuas. Os botões andam desabotoados com a ideia de não contar mais com suas casinhas artesanais pelas camisas afora. Suas amigas da novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro devem estar se perguntando a razão disso ter acontecido justamente com a senhora. Assim como a preocupação , a perplexidade é lugar comum diante do acontecido. Será que por conta dos remédios a senhora não tomou ou não tomou a quantidade necessária de seu fecha-corpo na última Sexta-Feira Santa? O que aconteceu com sua luta incessante pela liberdade? Difícil de acreditar que aquela mulher que não queria depender de ninguém agora está sobre uma cama completamente dependente. E que história é essa de não falar mais? Para não trazer à tona a falta que vão sentir de suas histórias e aconselhamentos baseados numa sabedoria que une tempo ao sentimento, vou dizer de como será difícil lidar com o silêncio calando sua voz extremamente afinada graças a esses ouvidos apurados no piano. E uma das últimas coisas que ouvi de sua boca dias atrás foram perguntas de como é a vida após a morte... (Pausa) Esses dias chegou até aqui uma foto da senhora comendo um doce de abóbora feito para mim e agora vem com essa de não querer comer mais nada? Sonda? A senhora sempre fez questão de arrumar o próprio prato depois que todos já estavam comendo. Tudo se revirou da noite pro dia numa mudança brusca sem margem para entendimento. Mas a questão é a seguinte, dona Ofélia, como é que eu vou para aí se na hora de eu chegar não vai ter aquele abraço tão apertado quão demorado e na hora de me despedir a senhora não vai estar mais em pé no passeio acenando, acenando, acenando até o carro desaparecer de suas vistas, de suas vistas que ninguém sabe se ainda são capazes de enxergar para além de suas memórias.


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24/08/2014 - Paixão não dá e passa

Essa história de que com o passar do tempo a paixão vai embora e o amor é o que fica não passa de uma grande mentira, posto que eu me apaixono por você nova e novamente várias vezes durante o meu dia.

Eu me reapaixono por você de tantas formas que é impossível acreditar nessa lorota de que a paixão vai embora, pois em mim, no que diz respeito a você, ela só faz conquistar mais e mais espaço a cada momento.

A paixão não envelhece, pois, como o fogo, renova-se por conta própria e se um dia ela deixa de arder, esfria ou não faísca mais é porque algo está errado, já que meu apaixonamento por você é moto-contínuo. ...
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23/08/2014 - Merthiolate

Você tem razão, brigamos com quem mais amamos porque sabemos que vamos contar com a plena compreensão desse alguém além de uma espécie de perdão ad aeternum. Mas é feio descontar nossos problemas em quem só é digna de nossos poemas. É súbito o arrependimento em não tratar bem quem só nos faz bem. O amor aguenta tudo, releva tudo, cura-se de tudo, mas não podemos nos esquecer de imediatamente nos arrepender, reconhecer que passamos da conta, e prometer nunca mais, nem sem querer, fazer quem mais amamos de um jeito ou de outro sofrer. Nós que amamos demais devemos ter cuidado para controlar o coração indomado que nos leva a atropelar a razão, a passar dos limites do bem e do mal, a cavalgar para além da melhor intenção do verbo enciumar. Nós que amamos demais não devemos descuidar jamais da humildade de voltar atrás e pedir desculpas, e assumir a saudade, como que passando merthiolate na realidade.


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22/08/2014 - Sequência

Eu sigo escantaeado. Eu vou sendo deixado de lado. Fizeram-me marginalizado. Estou fora do jogo. Estou expulso do sonho que sonhei pra mim. Prenderam-me a uma realidade infeliz. Fizeram-me perdedor. E eu nem posso tomar um porre. Não tenho o direito de colocar o pé no mundo. Quem me socorre me pede para continuar. E eu sigo mesmo com meu coração violentado. Eu vou sendo talvez pelos amores do passado castigado. Eu tento entender a mulher e me desentendo. Eu caminho e não aprendo. Quem quer escutar um louco? Quem quer ler um amor que não deu certo? Quem quer encher os olhos da tristeza alheia? Eu sigo e a vida me escamoteia. Eu vou sendo, dia a dia, mais abandonado. Fizeram-me poeta marginal da lua cheia. Uma espécie de assombração do amor que assusta e não é bem vinda em destino algum. E quando ainda aparece uma princesa para quebrar essa maldição, o chicote estrala num não e tudo dá errado. Eu sigo negado. Prossigo renegado. ...
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21/08/2014 - O que o futuro nos reserva

Um dia, daqui a poucos anos, haverá lugar para um arrependimento daqueles que tomam de conta de tudo, sem deixar espaço para nada senão ao verbo arrepender. E, de repente, sem resistir mais se invadirá de uma vontade avassaladora de refazer caminhos e voltar no tempo e no espaço. Pedidos de desculpa, de perdão, de recomeço tomarão conta do tablado da vida de duas pessoas que se distanciaram por vontade de uma. Tudo pode parecer ridículo e absurdo agora, mas o tempo vai passar e se encarregar de cumprir seus feitos dando encaminhamento a uma mudança de pensamento trazida por um sentimento que não pode ser banido a pedido da razão. Pode lutar o quanto for contra esse dia, mas ele chegará. E nessa chegada a verdade será restabelecida. Resta saber se nesse dia tudo se encaixará não passando de uma “barriga do destino”, que voltará a unir o que jamais se separou, ou se será um desses choros sobre o leite derramado, neste caso, sobre o leite que fizera derramar de olhos que antes da sentença de tarde demais amaram para além do próprio tempo.


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