Daniel Campos

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27/08/2014 - A primeira de muitas quartas sem Dona Ofélia

Quarta-feira. Justamente no dia em que a senhora se sentava sempre no terceiro banco da direita da igreja com sua garrafinha de água e seu leque para acompanhar a Novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Hoje, os sinos da Matriz de São José estão se dobrando mais tristes. Dificilmente a gente se encontrava às quartas-feiras, justamente porque era o dia dedicado pela senhora à prática de um dos compromissos mais importantes que tinha com sua fé. Gostava de chegar cedo à igreja para participar da reza dos mistérios do terço. Perdi a conta de quantas vezes vi aquele terço de caroços de azeitona enrolados na sua mão. Quando criança, a senhora me benzia passando o terço três vezes pelo meu corpo. Desajeitado como sou, o terço volta e meia enroscava em meus pés. Fui crescendo, crescendo, crescendo até que fcou impossível eu passar dentro do seu terço. Mas a senhora continuou me benzendo pessoalmente ou à distância até que eu mesmo desse conta de lidar com minhas energias. A católica que acreditava em vida após a morte e reencarnação ficou orgulhosa deste neto aqui ter encontrado seu caminho espiritual e ter começado a trabalhar espiritualmente para o bem dos outros como ela sempre o fez. Desde seu AVC no finalzinho da última semana tenho procurado retribuir toda a dedicação que sempre teve para comigo, manipulando energias para que pudesse continuar sua jornada em busca da evolução do espírito. Dediquei e dedico muitas preces e mantras em favor da iluminação de seus caminhos. Não é fácil se desapegar da matéria, como conversei mentalmente com a senhora nesta última madrugada, mas é necessário ter a consciência de que a missão foi cumprida dando continuidade a nossa caminhada em outros planos. Por mais difícil é preciso praticar o desapego seja com nosso corpo físico seja com pessoas que amamos para podermos seguir o que nos é confiado. Não foi por acaso que nossas últimas conversas foram marcadas pelo assunto “morte”. E agradeço muito de a senhora, minha vó, ter confiado a mim parte da sua preparação para passar por esse desencarne. Foram longas e ricas conversas. E foi uma honra poder aconselhar quem passou a vida dando conselhos. Para além das cores e sabores que vivi com a senhora, guardo comigo esse mundo espiritual que dividimos de forma muito bonita nos últimos tempos. A felicidade de me ver encontrado e fortalecido espiritualmente me fez muito bem. Afinal, sempre admirei muito a sensibilidade que a senhora sempre demonstrou em diversos campos da vida, principalmente em relação à arte. Seja a arte de cozinhar, de bordar, de plantar, de viver a literatura, em especial a minha poesia, e de encarar e praticar a fé. Estou de luto sim, mas hoje não visto preto. Visto branco. Afinal, para além do choro da nossa separação neste plano físico, celebro a beleza de uma passagem sem sofrimento como a senhora sempre desejou. Nada de ficar numa cama, de dar trabalho a ninguém, de perder sua independência. A senhora, dentro de sua simplicidade, sempre foi uma mulher à frente do seu tempo. Está certo que a vida nunca lhe deu muitas oportunidades de a senhora realizar seus sonhos, mas seu modo de pensar e agir foram coerentes com sua natureza sonhadora. Nunca vou me esquecer das suas mãos envolvidas por aquele terço que hoje provavelmente estará mais uma vez junto delas, só que já sem vida, em sua despedida. E por falar em mãos, de mãos espalmadas ao tempo, envio a energia deste que por muitas vezes foi mais que neto, foi filho, em agradecimento e auxílio à jornada de seu espírito. Nem nesta nem em outras quartas vamos mais nos encontrar fisicamente, mas tanto eu quanto a senhora sabemos que há outras formas de continuarmos juntos. E como a senhora já se despedia de mim ao telefone: Salve Deus!

Observação do autor: Homenagem a minha avó Ofélia Aparecida Ratz de Campos, que faleceu no dia de hoje.


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