Daniel Campos

Prosas

Ou exibir apenas títulos iniciados por:

A  B  C  D  E  F  G  H  I  J  K  L  M  N  O  P  Q  R  S  T  U  V  W  X  Y  Z  todos

Ordernar por: mais novos  

Encontrados 3193 textos. Exibindo página 278 de 320.

31/08/2008 - Sorrio

No silêncio dos homens, no ventre da mata fechada, no brotar de um destino, sou nascente, sou rio. E querendo descobrir novos mundos, novos caminhos, novos povos, escorro corrente nas águas da minha cabeceira. Não podendo ficar parado, corro por entre montanhas, colinas, chapadas, florestas... Sou tocado pelas folhas das árvores que caem sobre minhas costas, pela língua dos animais que me tomam para si e pelas mãos humanas que me levam para longe, para longe de mim.

Do casamento do leito com a minha vazão, vão nascendo peixes, plantas, algas... Eu que era transparente quando nasci, vou correndo azulado, esverdeado, enlameado por uma estrada sinuosa. O meu correr guarda os mistérios do boto, o canto da iara e a vitória mais régia que já existiu. As crianças vêm brincar em mim, com suas bolas e bóias coloridas. Enquanto os homens me bebem vou apreendendo os costumes de cada povoado por onde passo. Sei falar muitas línguas, sei de muitas histórias, sei de muitos amores....
continuar a ler


Comentários (1)

30/08/2008 - Sol negro

As crianças, diante de uma caixa com lápis-de-cor sortida, pintam o sol de amarelo, de vermelho, de laranja. No entanto, um menino, não muito distante daqui, só colore o astro-rei com o lápis preto. Ao lado de casinhas com telhados avermelhados, de árvores verdes, de céus azuis, o sol é negro. E isso vale para todos seus desenhos. Sem exceção! Mas por quê? Será que ele não enxerga direto? Será que ele tinha algum tipo de daltonismo? Será que ele não regulava bem da cachola?

Acreditava-se que ele tinha guardado nos porões do seu inconsciente a imagem de um eclipse solar. E os pais acreditavam que o alinhamento entre terra, lua e sol era o responsável por aquele sol da escuridão. Se bem que a avó, cega de religião, não gostava nada daqueles desenhos e vivia a dizer que o menino era das trevas. Afinal, onde já se viu pintar o sol de preto. Um símbolo de luz não poderia ser tomado pela escuridão. Sem se conformar com a situação, a velha já havia dado uns bons beliscões no neto por causa disso. ...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

29/08/2008 - Amor caymminiano

Velho Caymmi, capitão do mar, nem bem se passaram dez dias de sua passagem para o plano espiritual e seu coração já voltou a bater com força total novamente. Isso porque dona Stella Maris já foi ao seu encontro. Por aqui, dizem que sua morte foi antecipada em razão dos problemas de saúde enfrentados por sua bem amada, que nem pode ir ao seu enterro porque estava em coma. Ah! Só mesmo o amor caymminiano para fazer da morte uma aventura romântica.

Ela deixou de respirar por você, Caymmi! Não é toda mulher que faz um sacrifício desses em nome do amor. Vocês que se conheceram em um programa de calouros na antiga Rádio Nacional, agora vão poder cantar eternidade afora. A mineira dona Adelaide, que adotou Stella Maris como nome artístico, foi amor de vida inteira. O casamento chegou aos 68 anos. Fato raríssimo nos dias de hoje. Digno de se aplaudir de pé por uns 15 minutos e ainda pedir bis. Penso na surpresa que foi reencontrar o grande amor para você que já cantava por entre os anjos-pescadores: "ai sodade, ai sodade, ai sodade matadeira"......
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

28/08/2008 - Fim de agosto

Agosto se despede. O mês do agouro, da seca, da loucura se despede nos braços dessa ventania desvairada que lhe é característica. Os ventos de agosto não trazem chuva. Os ventos de agosto não trazem sementes. Os ventos de agosto não trazem bons presságios. Ao contrário, trazem gemidos, arrastar de correntes, portas e janelas que batem sem parar. Há certa tristeza no ar neste mês que nos aproxima do final do ano. Há muito futuro e muito passado, enquanto o tempo presente é tragado por um clima de opulência. Pudera, este mês foi batizado em homenagem ao primeiro imperador romano, César Augusto, que lutou cruelmente pelo poder. Sem escrúpulos e autoritário, agosto, assim como quem lhe deu nome, segue seus dias de guerra. ...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

27/08/2008 - Canto em morte

Ò alma ferida minha, trovador que sou, canto a minha morte no silêncio destas linhas. Basta de viver. Basta de apanhar. Basta de chorar. Basta de acreditar que depois do horizonte haverá um amanhã melhor. Que amanhã é este que nunca chega? Ah! O horizonte é só um risco perdido no longe do céu. E não há mais tempo para se esperar milagres! E independentemente se paraíso ou inferno, se anjo ou demônio, se coragem ou covardia, o que eu quero é partir. Partir para bem longe daqui. Que aqueles que me apedrejam sejam coroados em face da lápide de minha ausência. Afinal, eu nada serei senão o meu próprio adeus. Adeus! Adeus! Adeus! Ah! Deus, onde estás que não o vejo?...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

26/08/2008 - O tempo é de pedra

A rua é de pedra. Os pássaros são de pedra. O sol é de pedra. E eu, pedreiro dos sentimentos, passo com meus passos de pedra deixando pegadas de pedra num passado petrificado. É como se o tempo se chamasse Medusa e andasse solto por ai, tão belo quão terrível. Além dos ponteiros e suas voltas, a cabeça do tempo está cheia de cobras e seus olhos são poços sem fundo. Entre o gênese e o apocalipse, as estátuas ainda doem a dor de um tempo. Olha aquele Pedro que vem lá... é de pedra. Olha aquela Pietra acolá... é de pedra. Olha aquela santa no altar... é de pedra. Pedra, pedra, pedra... Ah!!!!!!!! O mundo é de pedra e ninguém me contou nada sobre isso na escola, que também era de pedra e só eu que não sabia a dimensão dessa pedraria. ...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

25/08/2008 - Lagarta e borboleta

Só nós dois e um poema, caindo pela tarde morena de um tempo sem fim. E o infinito tão bonito num jardim de rosas nem tão rosas assim vai chamando nossos passos, entrelaçando nossos laços. E eu me procuro e não me acho no escuro e então, no auge da paixão, me suicido em seus braços, decidido a prolongar o compasso da nossa canção para além da morte, para além da própria sorte, para além do mais forte sentimento. Ah! Lá vem o vento! Ah! Lá vem o vento! Ah! Lá vem o vento... E eu aqui entregue ao seu movimento! ...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

24/08/2008 - Um pirata sem mar

O menino entristecera de uma vez. O pai não sabia o que fazer. A mãe chorava pelos cantos todo o pranto que restava em seus olhos, já fundos. Já tinham recorrido ao clínico geral, ao terapeuta, ao psicólogo, ao cientista, ao padre, ao mágico do circo e ao morro em dia de carnaval. Mas o menino não sorria, só tinha os olhos lançados ao céu das cotovias. Não queria saber de estudar, de passear, de jogar, de conversar, de cochilar... Não nem mesmo namorar, embora seu comportamento fosse digno de um apaixonado de sentimento tão convicto quão aflito. E isso levava todos à loucura. Já diziam que ele ia definhar até morrer. ...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

23/08/2008 - Tutu à mineira

Hoje, vai ter tutu à mineira lá em casa. Ôô compadre, pode sorrir que eu já estou sentindo o cheiro daqui. Eu acho que o tacho está areado só esperando esquentar. Ô mulher, a colher de pau já está espreitando nos dois prosear. E o porco mesmo morto está rosnando para gritar. Antes de a lua apear na beira do rio, eu fui à feira comprar o feijão que o caboclo treteiro bateu no terreiro do seu João. E agora é só esperar minha sinhá mineira chegar pra festa começar. Ela tem feitiço nas mãos e um encanto no andar que a gente se apaixona só de olhar. E ela é toda uai, ara sô! Oncêtá meu amor? ...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

22/08/2008 - O homem que sabe das coisas

Ele sabe das coisas. Não sei como consegue, mas as rodelas de abacaxi que vende são fartas de açúcar a ponto de provocar um coma profundo em que as devora. Um verdadeiro néctar saído daquela casca espinhosa. E como boa abelha que sou, trato logo de me afogar ali. Olhando assim, ninguém daria nada por aquele homem de barba por fazer. Mas ele é doutor em fruta madura. Como alquimista das frutas, vai misturando seus perfumes e oferecendo fragrâncias afrodisíacas ao nosso estômago.

Além do abacaxi, morangos escandalosamente vermelhos, mamões pequeninos, fatias sem semente de melancia e carnudas mexericas se expõem em sua banca modesta, como estrelas de cinema. E embora tenha todo esse glamour, as rodelas de abacaxi são espetadas com dois ou três palitos de dente. E o caldo escorre pela boca, pela mão, açucarando a pele. Do outro lado do balcão, o vendedor faz tudo com a cara séria. É de poucos sorrisos. Talvez a vida não lhe seja fácil. Talvez tenha que se concentrar para não errar na dose. Talvez não goste de abacaxi. ...
continuar a ler


Comentar Seja o primeiro a comentar

Primeira   Anterior   276  277  278  279  280   Seguinte   Ultima