Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
26/08/2008 - O tempo é de pedra

A rua é de pedra. Os pássaros são de pedra. O sol é de pedra. E eu, pedreiro dos sentimentos, passo com meus passos de pedra deixando pegadas de pedra num passado petrificado. É como se o tempo se chamasse Medusa e andasse solto por ai, tão belo quão terrível. Além dos ponteiros e suas voltas, a cabeça do tempo está cheia de cobras e seus olhos são poços sem fundo. Entre o gênese e o apocalipse, as estátuas ainda doem a dor de um tempo. Olha aquele Pedro que vem lá... é de pedra. Olha aquela Pietra acolá... é de pedra. Olha aquela santa no altar... é de pedra. Pedra, pedra, pedra... Ah!!!!!!!! O mundo é de pedra e ninguém me contou nada sobre isso na escola, que também era de pedra e só eu que não sabia a dimensão dessa pedraria.

As macieiras de pedra exibem suas maçãs de pedra na boca petrificada do pecado de Eva. E para onde foi Adão? Será que foi para os olhos da Medusa que insiste em tirar o movimento do mundo. O carrossel de pedra tem os cavalinhos imóveis cavalgando por sorrisos infantis de pedra. O barco de pedra tem um marinheiro imóvel navegando pelo mar de pedra. O horizonte de pedra tem uma nuvem imóvel boiando no céu de pedra. E os moribundos vão se esfregando na sarjeta de pedra numa pobreza de pedra. E a mocinha do alto do arranha-céu de pedra acha tudo tão bonito e sorri um sorriso de pedra. Afinal, até no meio do caminho de Drummond tinha uma pedra. Nessa pedreira de vida, o caminhar vai empedrando nossos corpos e petrificando a ternura em nossos copos. Ah! Por favor, não beba dessa dose de pedra... não beba, por favor....

Ah! Deus das pedras, o coração, que medra lá fora, é de pedra. O medo, que pesa em nossos ombros, é de pedra. A esperança já se arrasta pelo chão, tão cansada de puxar as pedras dos sonhadores que já não mais alto vão. Ah! Senhora das pedrarias, precisamos correr deste tempo! Precisamos correr desses olhos! Precisamos ir em busca de um futuro em movimento! Será que a flor do amanhã nasce no meio das pedras? São tantos semeadores e sementes, mas Medusa tem presas pontiagudas e mãos de bronze. Independentemente de coração, quem olhar diretamente para o fundo dos olhos do tempo está fadado a virar pedra. O rubi já foi uma rainha. O ônix já foi um guerreiro. E as pedras da calçada já foram pessoas, sonhos, palavras...


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar