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Encontrados 45 textos. Exibindo página 4 de 5.
25/12/2010 -
Inspiração de Natal
Uma das maiores alegrias de minha avó era colocar os cartões que recebia de parentes, amigos, lojas e vizinhos em sua árvore de Natal. Era uma prova de que era lembrada, amada, agraciada por um universo de pessoas. E ela se sentia feliz em poder reunir corações que andavam distantes nas mesmas galhas de sua árvore branca como neve. A cada cartão recebido, um novo sorriso estampado em seu rosto.
Havia anos em que os cartões eram muitos e não cabiam nas galhas, ficando aos pés da árvore. E os cartões eram grandes e pequenos; coloridos e preto e branco; industriais e artesanais. Independentemente de tamanho, formato, tipo ou assinatura, ela tinha um carinho especial por todos eles. E mesmo com seu pouco estudo, punha-se a ler e a reler os votos daqueles que lhe felicitavam por dias a fio. ...
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03/10/2010 -
Inferno de Dante
Vamos colocar mais água no feijão, afinal, hoje é dia de eleição. E em dias como hoje tem sempre uma boca a mais para comer um pouco da gente, da vida da gente. É tanto candidato querendo tirar o nosso pão e nos deixar só com duas ou três migalhas na mão. Sai pra lá corrupião. Eu renego essa sua prosa barata, seu doutor cramulhão. Hoje tem sempre alguém tentando comprar a sua ideologia, tentando lhe empurrar uma velha fantasia, tentando selar um pacto em troca de alegria.
Hoje é dia de eleição. Hoje um novo tempo pode vingar ou ser sepultado nas próprias urnas, eletrônicas ou não. Hoje alguém vai querer lhe dar um lote, uma cesta-básica, uma dentadura. Cuidado com as promessas, com a ilusão, com as máscaras e com o excesso de compaixão alheia. Hoje é um dia perigoso. As bruxas e os monstros estão soltos. Vale à pena rezar um mistério glorioso pedindo pra ser iluminado e pra não cair em tentação. Pois o demônio, em dias assim, mora ao lado. ...
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20/03/2010 -
Imperador Liberato, o revoltoso
Meu avô morreu no mesmo dia em que há mais de dois mil anos morria o imperador romano Júlio Cesar – 15 de março. Coincidência ou não, Líbio, como era chamado pelos amigos, foi o nome de outro imperador romano (Líbio Severo). Mesmo não tendo acumulado a fortuna dos imperadores e nascido bem distante das terras do império romano, meu avô sempre foi tratado como uma espécie de imperador. Sua coroa era um chapéu de palha. Sua espada, uma enxada de duas libras.
Sentava na cabeceira de qualquer mesa. Na sala, tinha lugar cativo para assistir televisão. Tinha direito a duas poltronas, uma com direito a almofadas macias para acomodar suas costas e outra para ele esticar os pés. Seu trator era um Ford Major importado da Inglaterra. Não conheci ninguém que o tivesse vencido em uma disputa de braço de ferro. De uma forma ou de outra, ele sempre pôs medo em quem cruzasse seu caminho. Como nasceu no ano da Revolução (1932), ganhou o apelido de revoltoso. E fez valer esse apelido aterrorizando, no bom sentido, o mundo ao seu redor. ...
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07/10/2008 -
Imaginando o frescor
Pés caminhando pela grama orvalhada. Um cubo de gelo derretendo no ardor de uma língua acalorada. A lua submergindo na piscina. Uma brisa altaneira invadindo os olhos secos. Namorados tomando banho de mangueira no fundo do quintal. Cabelos esvoaçando diante das pás do ventilador. O mar indo e vindo. Uma mulher passando de vestido curto. O mendigo se banhando no chafariz da praça. O vento da estrada invadindo a viseira do motociclista. Um rosto peralta se manchando no frio do sorvete. O meteorologista indicando uma frente fria. ...
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19/02/2008 -
IPTU x IMAP
Se deus criou o mundo, o demônio criou o IPTU. Será que há mais de quinhentos anos, índio pagava IPTU da oca pro cacique? Já pensou? Toc toc. Sr. Cauré, estou aqui em nome da secretaria especial de tributos da tribo para medir aquele puxadinho que foi feito semana passada. A nova área construída será acrescida no valor do seu Imposto Predial e Territorial Urbano. Lembre-se: pagando seu imposto em dia você contribui para as melhorias da nossa aldeia. Ou seria para garantir o bem-estar do cacique, que desvia tais verbas para sua promoção pessoal?...
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I like chopin
Sob o efeito de um meteoro, as árvores ficaram de lado e nem se atreveram, por medo ou vergonha, a jogarem suas sementes na clareira. Medo de um outro terremoto. Vergonha de serem expulsas por um pedaço de pedra. Sementes de conquista. Conquista de espaço e de tempo, sementes que alastravam clones daquelas árvores e sementes que faziam com que aquelas árvores se perpetuassem a cada broto.
Durante séculos ninguém pisou ali. Aliás, ninguém ousou pisar ali. Mas ousadia era uma palavra que não faltava no dicionário daquela que era ousada por natureza. E ela, para deixar as árvores boquiabertas, deitou em sua cama de lençol egípcio e amanheceu deitada naquela relva baixa que cobria aquela clareira amaldiçoada. Quando o sol deu vista aos olhos das árvores, elas não acreditaram. Tem alguém na clareira. Tem alguém na clareira. Tem alguém na clareira. Era essa a frase que ecoava pelas galhas das árvores como se fosse e voltasse pelo fio daquele telefone feito com duas latinhas. Telefone que se brinca quando criança. Mas ali parecia não haver nenhuma criança. E nem havia passado, o tempo era presente....
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Identidade secreta
Em um desenho futurista, três grandes argolas de ouro se entrelaçam em cada orelha. Designer norte-americano e filosofia oriental, lado a lado. Mas isso não é o mais importante para aquela mulher que gostava de esbanjar. Fosse por meio dos acessórios de shopping center, do carro de sangue alemão ou das fotos da última viagem transatlântica, ela, propositalmente, deixa-se à mostra. Não fazia por mal, mas gostava de chamar os holofotes para si.
As mulheres a odiavam. Amigas? Uma ou duas, no máximo. Os homens? Cafajestes e românticos, modistas e socialistas, figurões e plebeus eram unânimes no amor e no ódio que nutriam por ela. Amavam-na à primeira vista e a odiavam nas demais. Vivia com roupas de academia, o que a deixava ainda mais provocante. Vivia para o seu corpo e, nas horas vagas, passeava por lentes objetivas. Era modelo fotográfica. Outdoor, capas de revistas, interface de sites... Seu rosto de menina que cresceu comendo iogurte sempre aparecia ao lado de algum produto. Era um ótimo chamariz. ...
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Ilusão cortante
Silêncio. As palavras seguem as lágrimas que seguem as palavras num comboio sem hora para acabar. Os olhos se deitam no chão. O abraço dura uma vida. Aromas, texturas, cores passam apressados em nossas cabeças. O passado não acabou. O futuro não chegou. Ah! Tanto a dizer. E o silêncio é a melhor palavra. É proibido dizer adeus. Abraços, como uma ilha cercada pelo aceno da separação. E se houvesse música, haveria passos. Mas não havia som. E se houvesse seria bolero, tango. Diante da tristeza, melhor o silêncio. O mundo, em sinal de respeito, se calou. Não havia telefone, não havia pássaros, não havia carros, não havia crianças... ...
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In-Dependência ou morte
Ainda ecoam gritos de independência pelo ar. Tolos os que gritam independência ou morte! Mais do que defender a dependência, de todo coração, assumo-me dependente. Gritem ou esperneiem à vontade os historiadores, os cientistas, os políticos. A verdade é que eu sou infinitamente dependente do amor. Ah! A liberdade é coisa dos solitários. A individualidade é o locus dos que temem o ato de amar. O eu próprio é a antítese da coletividade, que é o alicerce da nossa existência.
Por tudo isso, o discurso da independência não passa de uma grande bobagem. Viver é uma eterna dependência. Precisamos disso e daquilo, daquele e daquela seja nas mínimas relações cotidianas ou nas mais complexas engrenagens da alma. Essa coisa de ir às ruas, de desfilar, de exibir o título de independente é a mais pura chacota. A dependência é um mal de raiz, cuja ruptura significa a própria morte. Assim, posicionar-se entre a independência e a morte é o mais equivocado dos atos. ...
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Ipê amarelo
Hoje o dia vai amanhecer como outros domingos. Cor de sol, perfume de pão, canto de galo, grito de criança, conversa na esquina... Mas o vento de agosto vai acentuar o que não tem nome, mas que se acostumou a se chamar de saudade. Ah! Como é triste o vento de agosto. Ah! Como dói o vento de agosto. Ah! Como grita o vento de agosto. Como é difícil estar longe quando se é tão perto.
Hoje, a lembrança fica ainda mais forte. Hoje, em tudo há um quê de falta. Falta um abraço, um beijo, um olhar... Mas nessas faltas, tudo se faz presença. Um sabor, um texto, um gesto... Dos detalhes mais simples faz-se o encontro. Hoje, vou ligar aquele radinho de pilha. Hoje, talvez eu faça carne moída. Detalhes... E são tantos encontros no espelho. As imagens se confundem. E é como se nos encontrássemos para além do espelho. Eis a beleza do sentimento. Ele existe para além do físico, do palpável, do concreto. ...
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