Daniel Campos

Texto do dia

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Encontrados 63 textos de janeiro de 2015. Exibindo página 3 de 7.

22/01/2015 - História dividida

Chora, chora por tudo o que valeu à pena. Chora, chora por ser assim, carne de poema. Chora, chora por amar demais. Chora, chora pelo aparecimento de um “mas”. Chora, chora pelos erros que não teve como consertar. Chora, chora pelos obstáculos que não teve forças para superar. Chora, chora por ter se dedicado mais e mais não sendo o suficiente. Chora, chora sua face mais ausente. Chora, chora a metade que se perdeu. Chora, chora por tudo que feneceu. Chora, chora pelas horas mais lindas das nossas vidas. Chora, chora pela criação da despedida. Chora, chora pela filha que não teve tempo de nascer. Chora, chora porque amor grande, amor poeta, tem que sofrer. Chora, chora o vazio que passa por nós na violência de um rio. Chora, chora o frio da falta do corpo alheio. Chora, chora me lembrando em seu seio. Chora, chora pelos cacos que ficaram. Chora, chora pelas bênçãos que nos devotaram. Chora, chora todo carinho derramado. Chora, chora e declara luto ao passado. Chora, chora não querendo ser mais de ninguém. Chora, chora sem saber se ainda é alguém. Chora, chora essa história dividida. Chora, chora sem querer saber de sono ou de comida. Chora, chora pelo fim do encanto. Chora, chora nas barras de qualquer manto. Chora, chora queimando como vela. Chora, chora sem coragem de olhar se há futuro pela janela. Chora, chora o apocalipse de um tempo. Chora, chora pelo eclipse que houve em nosso sentimento. Chora, chora a saudade de um perfume. Chora, chora sem entender o próprio ciúme. Chora, chora sobre fotografias. Chora, chora pelas rasgadas fantasias. Chora, chora por tudo o que fez sem ou por querer. Chora, chora porque ainda há de muito doer. Chora, chora pelos tempos que não voltam. Chora, chora pelos arrependimentos que não soltam. Chora, chora pela falta de estrada para continuar. Chora, chora porque o amor mais dia menos dia tem que chorar. Chora, chora ainda sentindo seu corpo no amado e desejado corpo. Chora, chora em meio ao torpor. Chora, chora sem guardar rancor de si ou de quem quer que seja. Chora, chora por mais que não mais se veja. Chora pelo destino interrompido. Chora um choro que ora é grito ora é silêncio ora é gemido. Chora, chora em soluços até ficar sem ar. Chora, chora como se a alma, a própria alma, fosse derramar. Chora, chora pelo que se quebrou, pelo que secou, pelo que ficou, pelo que o tempo carregou, pelo que um erro que custou. Chora, chora pelo conto de fadas que escapou das suas mãos. Chora, chora por perdão. Chora, chora tentando se perdoar. Chora, chora porque o mundo não pode parar. Chora, chora esperando quem não vai voltar. Chora, chora tentando entender o que não entendimento. Chora, chora pelo labirinto do tormento. Chora, chora sangue, suor e coração. Chora, chora diante desse muro gigante e alucinante chamado não. Chora, chora de dentro pra fora, de fora pra dentro, dos lados, de cima abaixo, de baixo pra cima. Chora, chora a mudança do clima. Chora, chora pelo que ficou para sempre preso no futuro. Chora, chora o não haver mais um lugar seguro. Chora, chora e pensa e faz e repensa uma besteira. Chora, chora a impossibilidade de uma história inteira. Chora, chora nas garras e nos dentes da solidão. Chora, chora num choro-canção fazendo da dor o seu refrão. Chora, chora de se jogar ao deleite. Chora, chora pelo derramado leite. Chora, chora por descobrir um ponto final no infinito. Chora, chora um choro contrito. Chora, chora fazendo do que não foi o seu muro de lamentação. Chora, chora pelo nascimento da morte no leito da divisão. ...
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21/01/2015 - Se fosse diferente

Se as pedras não fossem pedras seriam nuvens. Se o tempo se contaminasse morreria de ferrugem. Se os homens fossem rios não andariam em círculos. Se a morte não fosse cega veria que a dor é mais velha que ela. Se as luzes da noite fossem sensatas se apagariam para o espetáculo da lua. Se o rei fosse nobre abdicaria do próprio trono. Se as árvores falassem, haveria bem mais verde de pé. Se Deus se apaixonasse o mundo já teria sido ofertado. Se o coração fosse nuclear estaríamos todos mortos, porque explosões acontecem a todo instante. ...
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21/01/2015 - Fé salgada

Veleiros de sal
Queimando pelo mar
Como velas d’água
As estrelas são senhoras
Nossas
E os pescadores
Fieis
Buscando cura
E louvores
Para seus amores
Penhores
De um novo tempo
Que cruzam o oceano
Ao plano
Do vento


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20/01/2015 - De volta pro corpo

Com frio, mas muito frio a ponto de tremer, encolhi-me num canto debaixo de uma espécie de cobertura acinzentada esperando por ajuda. Não me lembrava da razão daquele frio, daquele cansaço, daquela falta de equilíbrio. Eu não estava bem, ficando à mercê de calafrios e enorme dificuldade de parar em pé. Parecia ter febre. A dor podia se assemelhar, mas era diferente do que qualquer dor física. Cheguei até aquele local de atendimento e esperei quieto a minha vez, pois havia muitos antes de mim. Quando uma moça de cabelos castanhos escuros ondulados com rosto de menina foi falar com a velha senhora eu me aproximei um pouco mais, pois em seguida seria a minha vez. A moça desandou a falar, a falar, a falar buscando conforto naquela consulta que parecia não ter mais fim. Tinha muito a contar enquanto a velha senhora só ouvia. Com aquele frio profundo, procurei pelo sol, indo para o campo esquerdo de onde se dava aquele atendimento. Foi então que a senhora me olhou e pediu para eu não ir embora. Disse então que queria apenas um pouco de sol e ela me pediu para sentar na ponta de um imenso banco de concreto, sem encosto, onde um pouco mais a direita ela conversava com aquela moça. Eu me sentei bem na ponta. Imediatamente à frente de onde estava havia um espaço vazio e mais à direita a cobertura onde esperavam a sua hora. Nas costas daquele banco, um buraco que eu não conseguia ver o fundo. Fiquei ali me alimentando daquela luz bendita que era diferente de qualquer sol já provado. Os raios solares eram mais amenos. Não demorou muito para que a menina se despedisse e tomasse seu caminho, embora não conseguisse ver o rumo tomado por aquelas pessoas pós-atendimento. Era como se desaparecessem. Foi então que chegou a minha hora. Eu me levantei, ainda bastante fraco, como que ferido pelas sombras, e fui ter com aquela senhora. Em sua frente, baixei a cabeça com as duas mãos unidas em meu peito, em sinal de reverência. Ela sorriu e tudo se fez luz. Ela vestia rosa, uma espécie de túnica rosa viva, tinha cabelos longos e negros, um rosto de várias idades. Ao seu lado direito, sobre o banco, duas muletas. Ela se revelou aos meus olhos como uma figura frágil, mas de tamanha força e vitalidade. Com palavras simples falou que faria uma coisa que ia me melhorar, como melhorou aquela outra moça que chegara primeiro. Colocou uma mão nas minhas costas e fui meio que sugado para trás. Ela me amparou com a outra mão também e a impressão era de que os dois cairiam de costas naquela espécie de precipício. Era como se ela tirasse algo de mim. Senti uma energia surpreendente e ao mesmo tempo em que me senti puxado me peguei adentrando numa mistura de tempo e espaço. Apaguei e acordei suado em minha cama ainda com a lembrança nítida daquela senhora que havia me feito voltar até meu corpo após restabelecer minhas forças.


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20/01/2015 - Lobo e homem

Meu corpo no seu encorpo nu
Meu copo no seu loco blue
Minha vida com suas feridas
Marcas não de morte ou nascença
Mas marcas da sua forte presença
Que quando perto de mim
Algo baixinho entoa assim
Não some, não some
O amor que me toma
Não tem doma
Faz-me metade homem
Metade lobo
Uivando à lua
A causa da minha fome


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19/01/2015 - Quando em meus braços

Quando em meus braços, faço-me porto completo, ancoradouro dos seus sonhos que estendem suas velas coloridas como veleiros aos meus olhos. Quando em meus braços, sou céu aberto à disposição de suas estrelas e pássaros. Quando em meus braços, esqueço-me de mim e passo a vivê-la por inteira. Quando em meus braços sou amor para uma vida inteira. Quando em meus braços respiro suas ansiedades e saudades como marinheiro, que sabe a chegada de bom ou mau tempo pelo cheiro. Quando em meus braços sou ponte intimamente ligada ao seu íntimo e indescritível universo.


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19/01/2015 - Coração de lata

Meu coração de lata
Vai apitando pelos trilhos
Estrada afora
Dizendo pro mundo
Que já vai embora
Vai como sucata
Amassado, enferrujado
Tomado pelo falta
Do que carregam seus vagões
Lenha, lenha, lenha
Alimenta suas caldeiras
Seus caldeirões
E vai subindo pela serra
Indomado
Pulsando pelos dormentes
Inocente
Do caminho que acerta e erra
Como qualquer menino
De trinta e poucos anos...
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18/01/2015 - Diversa e adversa

Ela se olha no espelho como que buscando encontrar a mistura entre menina e mulher que dá o tom de seus conflitos internos. Naqueles olhos espelhados, o paraíso e o inferno, não há espaço para purgatório, pois ela está sempre entre dois extremos. Não tem como acalmá-la, domá-la, dominá-la, pois ao mesmo tempo em que é soberana ao atacar é tão frágil a ponto de desarmar os mais hábeis e tinhosos. No confronto do espelho, tenta juntar a princesa com a plebeia, a sonhadora e a operária, a guerreira e a bailarina. O fogo e o gelo constantemente se chocam produzindo as reações mais diversas e adversas. Ela se junta e se desmancha em frequência, numa opulência de cristal. Açúcar e sal na mesma lâmina que oscila entre o reflexo e o nexo. Assim é aquela menina que se espelha mulher no espelho que se faz menina. ...
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18/01/2015 - O lastro do tempo

Por onde passo, eu, o tempo, deixo um rastro
Do que podia ter sido e não foi
Entre o que fica e o que segue há um lastro
Muito tênue entre as dimensões
Temporais repletas de senões
Eu não tenho começo, meio ou fim
Mas tudo o que toco, provoco
Um temporal inteiro ou um lapso
Na vida, no sonho, na luta
De uma Iolanda ou de um Serafim
Por onde passo
Entorto até corações de aço
Transformo vinganças em festim
Dou enjoos, ânsias até nos marinheiros...
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17/01/2015 - Sua metade

Eu tenho seu corpo perfeito e nítido entranhado em minhas retinas, assim como sua voz segue presa aos meus ouvidos. Guardo mesmo sem querer cada um dos seus gemidos, os de sofrimento e os mais comovidos de prazer. Não sei se é justo ou não, porém, mesmo ainda viva, sua silhueta ficou para mim, em mim e por mim. Tenho o cálice da sua boca derramando em meus lábios até o presente momento. Pelos labirintos das minhas narinas brincam seus cheiros encantados. Tenho suas costas tatuadas pela imagem do seu rosto aflito e sofrido pelo fato de eu lhe ter dado as costas. Suas lágrimas ainda ardem em mim. E a culpa pelo que não fiz é a pior das minhas tormentas. Minhas mãos teimam em buscar suas músicas, seus cabelos, seus cuidados... Eu nasço sempre que uma lembrança sua vem à tona; e são tantas, mais que tantas a ponto de ter me transformado em uma maternidade ambulante. A saudade invade meus quartos enquanto eu, eternamente partido, assumo-me metade, a sua metade...


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