Daniel Campos

O Castigador


2010 - Romance

Editora Auxiliadora

Resumo

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31/12/2011 - Capítulo 69

O Consolador

Malena se remexe na cama. Alonga os braços. Diz palavras inintendíveis. Sebastian se assusta, quer voltar para o corpo. Jhaver estende a mão, acalma Malena e traz Sebastian de volta para as proximidades de sua poltrona.

- Pode ficar calmo. Ela está bem. E eu ainda não terminei. Nossa conversa já chamou atenção de quem não devia. Ainda estamos seguros, mas temos pouco tempo.

- Como você escreveu no livro em que sou personagem principal, depois de séculos reinando como Castigador, decidi optar por outro caminho. Um caminho de plena luz. Depois de tanto ser castigado, senti-me confortável no papel de Castigador. Buscando justiça a qualquer preço, independentemente das conseqüências. Cumpri muito bem meu papel. No entanto, quando me deparei novamente com você senti que ainda tinha algo por fazer, que minha evolução não estava terminada.

- Eu sou um espírito muito mais antigo que você. Assim como eu, você teve vidas de sombras e de luz. Você carrega dezenove vidas terrenas até agora, somente duas dela de luz. No entanto, você teve uma mudança bastante significativa nesta atual. Uma mudança que permitiu nosso reencontro e essa nossa transformação.

- Atualmente há uma grande divisão no plano superior. Muitos querem que eu volte a ser O Castigador e outros querem que eu me consolide nesse novo caminho, como O Consolador.

- O que Xangô pensa disso tudo?

- O meu pai é um justiceiro. Foram as relações internas e externas entre justiça e injustiça que o transformaram num orixá. Preciso dizer mais alguma coisa?

- Eu... Eu não sei o que dizer?

- Você não precisa dizer nada. Essa escolha não cabe diretamente a mim ou a você. Há forças muito maiores envolvidas nesse contexto. É claro que essa resposta será construída por nós, de forma coletiva, ao longo dos próximos anos. O que eu serei, daqui por diante, depende da relação que vamos ter a partir de agora.

- Peço perdão por tudo o que fiz a você nas vidas passadas. Eu não queria ter feito nada daquilo com você. Mas o importante é que agora somos amigos. Jamais vou lhe querer ou fazer mal.

- Você não pode afirmar isso. Aliás, ninguém pode afirmar o que vamos sentir um pelo outro daqui a um minuto ou então daqui a dez, vinte, trinta, quarenta anos? Tudo pode acontecer. Ainda mais quando as forças das sombras irão tentar nos levar à desunião, ao desamor, ao ódio. É isso o que eles pretendem. E não se esqueça de que nas sete vidas que nos cruzamos nunca nos demos bem. Sempre um tentou acabar com o outro. Existem almas gêmeas e almas antagônicas. Nós somos o segundo caso.

- Mas temos nos dado tão bem ultimamente?

- Tem certeza disso? Quantas vezes você me reclamou, se zangou, me maldisse, não acreditou em mim, fez justamente o contrário do que eu propus... E olha que estamos em planos diferentes. Imagine quando essa distância for diminuída bruscamente...

- Mas e os espíritos de luz, eles não vão nos ajudar? Você está sozinho?

- Eu não estou sozinho, você não está só. Mas o número de espíritos das trevas é muito maior do que o de espíritos de luz, que ainda tem de obedecer a uma série de restrições burocráticas. Além do que, também não podemos nos esquecer das forças superiores que querem a minha volta ao posto de castigador. Essas forças podem impedir de várias formas que esses espíritos amigos nos ajudem. Há também os que me querem de volta ao Umbral, sem poder, sem prestígio e desacreditado. Não devemos substimar Perrot, por exemplo, tampouco a nossa própria natureza.

- Mas e seus poderes?

- Eu ainda não perdi os meus poderes, mas vou perder. Aliás, vou ter que me abdicar deles.

- Como assim?

- O caminho que tenho de fazer é esse mesmo. É preciso abrir mãos de algumas coisas para ter acesso a outras...

- Mas...

- Eu só desci porque eu lhe devia algumas explicações e um pedido de perdão. Pode ser a última vez que estejamos em paz. Uma nova guerra entre nó pode ser deflagrada a qualquer momento.

- Não há do que eu lhe perdoar...

- Como Castigador eu duvidei de você. Fiz um julgamento precipitado, levado por questões pessoais. Abri as portas para que sua vida desandasse. Descobri o erro, voltei atrás, ajudei. Mas isso não impediu que eu lhe prejudicasse de alguma forma. Por isso, se eu quero começar de novo, preciso me sentir o mais limpo possível...

- Eu só aprendi com você. Sou muito grato a tudo o que fez por mim. E quem lhe pede perdão sou eu por tantas dúvidas, por tantos prejulgamentos, por todas as omissões...

Jhaver segura na mão de Sebastian e sorri. Os dois se levantam e se abraçam.

- Eu tenho que ir.

- Pretende voltar ou vai sumir novamente?

- Eu não sumi. Estava sempre perto de você. Apenas precisava me preparar para começar a trilhar essa nova estrada que se anuncia.

- Quando é que a gente se vê outra vez?

- Daqui a alguns meses. No seu tempo, menos de um ano.

- A gente vai poder conversar quando você voltar? Eu quero lhe dizer tanto, falar dos meus planos...

- Conversar vai demorar um pouco mais. Vai ter que ser paciente comigo. Vou ter que aprender tudo de novo.

- Você me deixa confuso com essa conversa. Quer dizer então não vai existir um novo livro?

- Tudo depende de você. Já foi escritor em três vidas passadas. Esse dom estava adormecido dentro de você. Eu apenas despertei. Quem sabe no futuro você não escreve O Consolador.

- Mas O Castigador está sendo visto como a quarta revelação. A primeira foi com Moisés; a segunda com Jesus; a terceira com Alan Kardec; e a quarta com você.

- Pois o Consolador pode ser a quinta revelação. Uma revelação que vai estar nos seus braços em breve.

- Como sempre, enigmático. Eu nunca mais vou lhe ver?

- Dessa forma vai demorar um bom tempo. Estou acostumado com anos-luz, que passam mais rápido, então não posso lhe responder ao certo essa sua inquietação.

- E você tem alguma recomendação para eu seguir nesse período?

- Cuide bem de sua família, ame sua mulher, seja honesto com você. Não tema porque ninguém muda o mundo por meio do medo.

- Precisa ser assim?

- Precisa, pois ainda temos coisas a resgatar um com o outro. Alegre-se! Teremos uma grande chance de evoluir.

- Mas eu me sinto seguro com você por perto.

- E quem lhe disse que eu não vou estar por perto?
Jhaver sorri, caminha até a cama, pousa uma das mãos sobre a barriga de Malena, olha fixamente para Sebastian e ele entende tudo.

- Você vai voltar como meu filho?

Jhaver não diz nada.

- Que notícia boa. Então tudo vai dar certo. Vou lhe amar muito. Você vai me ajudar e eu vou lhe ajudar a evoluir. Vou demonstrar toda a minha gratidão. Se depender de mim nunca mais será O Castigador.

- As coisas não são tão simples assim. Não se precipite.

- Mas um filho com Malena é o que eu mais quero. E sendo você então não poderia ser mais perfeito. Seremos uma família feliz.

- Você acha mesmo que eles iriam deixar que nosso futuro desenrolasse de forma simples e descomplicada assim?

- Eu sei que relações entre pai e filho podem ter desavenças, mas o amor sempre reina.

- Não se esqueça de que já estivemos nessa condição de pai e filho e os resultados não foram nada satisfatórios.

- Mas os tempos são outros. Eu estou preparado.

- Não tenha certeza disso. Conforme lhe disse, as coisas não vão ser tão fáceis como você pensa.

- Eu vou ser um bom pai.

- Não se esqueça que os filhos de Xangô são dominadores, autoritários, enérgicos, influenciadores...

- Mas são justos...

- Somos justos, mas quando contrariados somos a ira.

- Não vejo problemas para ser um pai amoroso...

- Mesmo para um filho que não vai ser seu filho de sangue?

Sebastian muda a vibração.

- Como assim? Não vai me dizer que Malena...

- Não julgue a sua esposa.

- Mas você disse...

- Eu disse que eles não facilitariam em nada esse nosso reencontro. Por isso, o nosso amor será uma grande batalha. Eu aceitei isso porque preciso disso para não ser mais O Castigador. Eu vou ser filho de um estupro que Malena vai sofrer nos próximos dias. Se você e Malena decidirem não fazer um aborto, eu vou nascer assim como estou agora: negro.

Sebastian se altera e vai pra cima de Jhaver.

- Você não pode permitir isso, Malena não pode ser violentada. Não...

- Não é você ou eu que decidimos como vai ser. E se depender desse seu comportamento eu vou continuar sendo O Castigador. Em momento algum eu lhe enganei. O nosso amor será uma prova, um grande e constante desafio. As chances de tudo dar errado são grandes. Mas há a esperança de conseguirmos superar os obstáculos e experimentar a felicidade de um amor incondicional.

- Mas...

- Mas você vai ter quer conviver com o estupro, com um filho negro. Os outros apontando na rua e dizendo que o filho não é seu. Será uma prova de amor e tanto que você vai ter que dar para mim, para Malena e para você mesmo. Dessa prova de amor depende o nosso futuro e o futuro da humanidade.

- Preciso pensar.

- Pensar não, você precisa viver. Pois quando a nossa conversa acabar e você voltar para seu corpo físico não vai se lembrar de nada do que nos falamos.

- Malena não merece sofrer essa violência.

- De fato, não merece. Porém, Malena também necessita passar por essa provação. Ela também precisa resgatar uma série de coisas, evoluir...

- Suas vidas já se cruzaram?

- Sim. Nós três temos nos encontrado com certa freqüência. E antes que me pergunte, sim, nós já disputamos o amor de Malena. Por isso, essa minha vinda mexerá com muitos sentimentos. Dependendo da forma como tudo vai se desenrolar, o justiceiro que me guiou por muitas vidas pode voltar a me dominar. Você e Malena serão os grandes responsáveis, ao menos no início, por me conduzirem a um caminho de luz ou de sombras.

Sebastian esbraveja, sua vibração traz piques de luz até queimar a lâmpada fraca e amarelada do abajur ao lado de Malena...

- Eu vou impedir esse estupro, não vou permitir que nada de ruim aconteça com minha mulher, não vou participar disso...

Sebastian parte para cima de Jhaver. Raios e trovões iluminam e ensurdecem os céus. O filho de Xangô paralisa o ex-promotor e diz com a cara ruim:

- Como anunciado, a guerra já começou. No entanto, não há mais tempo para fugir do destino.
Jhaver passa a mão na testa de Sebastian e ele volta para o corpo físico sem dizer nada. O anjo negro estende suas mãos sobre aquele casal emanando muita luz, como que os abençoando, e desaparece. Sua luz esverdeada ainda fica no quarto por um tempo.

Horas depois, Sebastian acorda e fala para Malena que teve um sonho estranho. Mas que não consegue se lembrar o que é. Quer se lembrar, mas não consegue.

- Parece que Jhaver queria me dizer alguma coisa importante.

- Deixa Jhaver em paz. Senão ele vai ainda vai lhe castigar...

Os dois riem e, se beijam e planejam um filho.
Eles não desconfiam, porém, em breve, estará em suas mãos o nascimento de um Consolador ou o renascimento do Castigador.

Observação do autor: O livro chega ao fim. Muito obrigado a todos os que pacientemente acompanharam essa história e a Jhaver, por me guiar da primeira a última linha.


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