Daniel Campos

O Castigador


2010 - Romance

Editora Auxiliadora

Resumo

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06/09/2010 - Capítulo 52

O fim do castigador

Quilômetro a quilômetro, a estrada vai engolindo Sebastian.

Para piorar, seu celular acabou a bateria antes dele conseguir falar com Tomas ou Micaela.

Também tentou ligar para Celeste para que cuidasse das crianças, mas ela não atendeu. Talvez não pudesse ou será que foi proposital. A dúvida tinha motivos. Depois daquela cena constrangedora que ocorreu no apartamento eles não se falaram mais. Ele não a procurou, tampouco ela o fez.

Eles ficaram distantes e calados pelos dias que se seguiram, um temendo os pensamentos do outro.

O fato é que o promotor está sem notícias de seus enteados, sozinhos em Buenos Aires. Talvez exagerasse na preocupação, afinal, trata-se apenas de um dia fora de casa. Que mal poderia acontecer para os meninos em menos de 24 horas? Já estavam grandinhos. Sabiam se cuidar. Ambos tinham a chave do apartamento. Havia comida o suficiente na geladeira. Tinha dinheiro na gaveta do armário para alguma emergência. Além do mais, ele deixou diversos recados.

Recados nos aparelhos celulares e com o porteiro.

Antes de seu celular perder completamente a bateria havia recebido outra ligação que lhe perturbou ainda mais.

Era do Ministério Público. Em alguns dias aconteceria o julgamento do processo administrativo aberto contra ele questionando sua conduta profissional.

Sentaria no banco dos réus.

Inúmeros escândalos e acusações, grande parte plantada por Alicia na justiça comum, pesavam muito sobre essa ação contra ele.

Os especialistas estavam divididos quanto ao seu futuro. Muitos apostavam na sua expulsão e até prisão. Outros acreditavam que ele tinha chance de ser inocentado. Porém, todos eram unânimes ao afirmar que sua credibilidade chegou ao fim.

Ele precisava pensar sua defesa, contudo, sua cabeça está ocupada com tantos outros pensamentos.

Já havia tentado três advogados e não se entendera com nenhum deles. Está, até agora, sem ninguém para defendê-lo.

E pior, a mídia resolveu dar atenção especial a esse processo. Volta e meia uma nota surge na televisão, nas revistas, na internet trazendo sua situação à tona.

É comum encontrar algum repórter vigiando a portaria de seu prédio em busca de uma foto reveladora, de uma notícia.

Sebastian se recusa a dar entrevistas ou satisfações de sua vida aos jornalistas. No entanto, sempre aparece como fonte alguém que teve o promotor Sebastian como algoz para dizer algo negativo contra ele, como abuso de autoridade. Para agravar seu futuro, a maioria dos colegas quer a sua expulsão.

Até agora ele não conseguiu arrolar suas testemunhas de defesa. Aliás, deixou isso para depois. Resolveria essa questão de Malena, levá-la-ia para casa e em seguida pensaria uma forma de escapar dessa bola de neve que virou seu processo administrativo.

Klaus está preocupado. Conversa com Benjamin de forma desanimadora. Semblantes fechados.

- Não sei o que fazer. Nós tentamos avisá-lo de várias formas. Sem dúvida, vamos ser até punidos por isso.

- Mas de nada adiantou.

- Devíamos ter feito mais. Tê-lo impedido de viajar.

- Não podíamos fazer isso, Klaus, ele tem livre arbítrio.

- Não sei o que fazer.

- E esse sumiço de Jhaver? Tudo pode piorar.

- Talvez seja o começo do tão falado apocalipse.

- Até você acreditando nisso?

- Ao menos, para Sebastian, tenho certeza de que as trombetas já começaram a anunciar o juízo final.

- Que seja tudo pelo amor de Deus.

- Eu já não tenho tanta esperança assim.

- Se ao menos pudéssemos fazer alguma coisa?

- Já fomos longe demais. Não vê Esteban, que por desobedecer às regras e interferir demais foi mandado para a colônia dos aflitos. Quem mandou ter furado dois pneus e quase provocar um acidente? Vai passar um bom tempo afastado e, pior, debilitado.

- Temo também pelo nosso futuro. Embora, para nós, o motivo foi nobre, fomos rebeldes aos olhos de Deus.

- Mas somos socorristas.

- Mas está claro de que não podemos socorrer qualquer um.

- Não vê o quanto de umbralinos estão atrapalhando Sebastian. Ele não conseguiu falar com ninguém, esses telefonemas misteriosos, essa cegueira, o fim repentino da bateria de seu celular, a ajuda inesperada de um motorista que lhe presenteou com um pneu...

- Tem certeza de que estamos falando somente de umbralinos?

- Na verdade eu não sei se atualmente somos nós ou eles que estão mais perto de Deus.

Quilômetro a quilômetro, a estrada vai deixando o devoto de Miguel cada vez mais longe de seu caminho.

Ao chegar ao endereço ditado pelo suposto enfermeiro em Santa Fé, o promotor percebe que não existe clínica alguma ali.

O que há são residências. Casas e mais casas de pessoas que desconhecem a proximidade de qualquer clínica. A ligação estava ruim, deve ter anotado errado.

No entanto, ao contrário de voltar para Buenos Aires, prefere entrar em uma pensão e esperar o dia amanhecer para procurar as clínicas do lugar. Empresta um catálogo telefônico, seleciona endereços e, quando tem o intuito de ligar para casa, adormece instantaneamente. É como se alguém o nocauteasse.

Ele dorme e Klaus, arriscando-se cada vez mais, pega o seu cordão de prata e o conduz para uma conversa em um lugar ermo onde ninguém, teoricamente, pode ouvi-los.

Ele conta que Sebastian está correndo perigo, que precisa voltar imediatamente para seu apartamento e ficar junto com as crianças. Avisa que ele está indo ao encontro de uma armadilha.

O promotor custa a acreditar. Diz que Klaus não quer que ele encontre Malena. O espírito de luz abre uma tela mostrando que sua mulher está em Buenos Aires, internada em uma clínica com fachada branca e um imenso portão de aço verde escuro, com diversos pinheiros no jardim.

Sebastian desconfia.

Klaus abre outra tela, na qual surge a imagem de Micaela. Ele consegue ver espíritos deformados ao redor dela. Ela está em um ambiente sujo e escuro, bebendo e se drogando.

Na sequência, Tomás corre por uma rua deserta. Volta de uma apresentação musical. Há moleques correndo atrás dele com paus e facas. Ele apanha e é roubado. Levam sua guitarra, sua carteira.

Sente a dor do desespero diante daquelas cenas e pede para acordar. Tudo o que Klaus pediu para que não fizesse ele faz. Fica nervoso. Berra. Descontrola-se. Tenta fugir. Chama à atenção.

Uma luz muito forte aparece e varre Klaus dali. Sebastian volta para seu corpo e acorda assustado e com muita dor de cabeça.

Para ele tudo não passou de um pesadelo. Ao contrário de ouvir os conselhos do mentor espiritual, abre uma garrafa de bebida e se embriaga.

Isso faz com que adormeça novamente e acorde tarde. Tarde demais.

Como punição, Klaus perde temporariamente alguns de seus poderes e é obrigado a se afastar de Sebastian.

Ninguém consegue controlar aquela força que parece querer destruir o promotor.

Uma força nascida a partir de uma semente plantada por Jhaver.

O anjo negro toca o chicote, segura aquele instrumento nas mãos e aquela luz avermelhada o circunda com tal intensidade que empurra Miguel para trás. Ele grita como que sendo dominado por aquela misteriosa força.

É como uma explosão nuclear.

Não há mais perispírito, só o espírito.

Feixes de luz e vibração.

O cinza, o branco, o negro e o vermelho. Tons quentes e frios. Uma decomposição de cores e energias. Ódio e amor. Castigos e afetos. Revolta e perdão. Mágoas e curas.

Tudo estremece. Há ventanias e trovões.

Temendo uma destruição em massa, Miguel resolve ir embora deixando o castigador sozinho.

No meio daquela espécie de furacão energético, Jhaver tenta ser maior que seu passado.

É uma concentração gigantesca de forças.

Luzes. Cores. Sons. Temperaturas. Sensações. O resultado daquela explosão viaja pelas colônias, pelas regiões do umbral e paralelos espirituais.

Quando a paisagem ganha nitidez e os olhares deixam a cegueira momentânea de lado, tudo indica a destruição de Jhaver: que tem o perispírito caído de bruços, com os braços estendidos e sem movimento.

Sem alardes, asas brancas começam a nascer de suas costas. Ele se levanta. Uma envergadura imensa. Seu corpo é coberto por uma túnica branca. E a luz incandescente vermelha-violeta que rodeava seu corpo transforma-se em um clarão azul.

O chicote não existe mais.

O castigador também não.

Ao menos, não ali.

Ao menos, não agora.


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