Daniel Campos

Prosas

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10/05/2016 - Borrifando teu perfume

Borrifo o teu perfume como que tentando trazer de volta o teu corpo-de-cheiro, flor e pimenta num mesmo tempero. Borrifo sua essência e posso, como que magicamente falando, sentir novamente a sua doce e marcante presença. E pela junção das gotículas do seu perfume, vejo sem susto o seu vulto, seus contornos e entornos, sua silhueta se formando e se perdendo na penumbra de nós dois, sem antes nem depois. E essa espécie de holograma floral, cítrico, sensual que é você, ou parte de você, vai pela minha cama. Ó dama de notas zodiacais, tanto tempo faz e seu perfume ainda atiça o meu ciúme. Por onde anda você? Quem agora é dono dos seus cheiros? Quem se aventura pelo seu frasco inteiro? Quem se inebria nos seus buquês, nos seus quês de poesia, nas suas loucuras, no seu ardume? Porque me deixaste conhecer o perfume da sua falta? Me mata de prazer, de querer, de sofrer na sua fragrância. Enquanto a distância me cega e a saudade me ensurdece, tirando-me equilíbrio e razão, vou, com toda ânsia de viver, de viver-te, borrifando o teu perfume pelos meus sóis e luas, pelos meus lençóis, pelo meu corpo só. Sábio ou não, vou pela fantasia e novamente meus lábios vão tatuando na sua pele macia e perfumada o quanto continua amada.


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10/01/2013 - Bota fora

Bota pra fora todos os sapos engolidos ao longo dos últimos anos. Bota pra fora todo o medo que atrapalha seu crescimento. Bota pra fora todos os casulos de sonho adormecidos. Bota pra fora todas as criaturas da aflição, da agonia, da angústia. Bota pra fora os filhos e as filhas que precisam vir à luz. Bota pra fora todos os boletins de ocorrência registrados em seu íntimo. Bota pra fora todos os caminhos traçados e percorridos em segredo. Bota pra fora seus deuses e deusas. Bota pra fora todas as canções que ecoam dentro e mais dentro de você. Bota para fora os “sim” e os “não” que nunca teve coragem de dizer. Bota pra fora o que lhe dá prazer, o que lhe faz sofrer, o que lhe faz querer. ...
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16/05/2016 - Botando pra fora

Ninguém há de segurar o meu pranto. Deixo rolar o que não dá mais para segurar. Pode ser dia comum ou dia santo, se o coração encheu, transbordou, meu pranto rolou. Não há como estocar o mundo num coração se ele tiver fundo. Não há como esperar que o sentimento vai te deixar por deixar. Mais dia menos dia vai ter que aliviar. E para aliviar nada melhor que chorar. Rio represado não corre. Terra compactada não deixa espaço pra semente brotar. Cordas presas não fazem um violão. Letras amontadas nem sempre são lidas. Mais vale uma paixão ser vivida do que esquecida. Vivendo ou não vivendo, o tempo chega e descora. Então, me deixe viver tudo o que há. E o que não fecha a conta, boto pra fora.


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20/05/2010 - Bote mais pimenta nesse acarajé, ò Luislinda

Luislinda Valois, a primeira juíza negra do Brasil, foi convidada para gravar um depoimento sobre sua história de vida às vinhetas exibidas pela última novela da Globo, “Viver a Vida”. Em sua fala, emocionou-se ao relatar o quanto foi discriminada pela vida afora. No entanto, a baiana se esqueceu de dizer que o preconceito continua mordaz. Eis que durante a festa de encerramento das gravações da telenovela, um fotógrafo flagrou a juíza ao lado de uma atriz global. Cliques depois, um site, desses que vivem de fofoca, publicou tal foto com a seguinte legenda: “Natália do Valle enche de carinhos sua camareira”. ...
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09/06/2012 - Botox da alma

Nunca mais quero ser tão só. Ser tão sozinho. Ser tão eu sem você. O amor é uma espécie de botox da alma, preenche todos os espaços vazios. O amor é a completude do ser, a integralidade das coisas, a extensão do corpo em outro corpo. Não existe melhor remédio contra a solidão e suas consequências do que uma generosa dose de amor. O amor é prova e contraprova de sentimento. O amor são milhões de palavras em meio segundo de silêncio. O amor é a canção espontânea, semente instantânea de loucura. O amor liga destinos, soma vontades, subtrai saudades, une pontos em comum, ou não. ...
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14/11/2008 - Brasas e cinzas

Nada está no lugar. Tudo ficou para trás. À frente, a estrada é escura e fria. Será que eu vou ter de ir sozinho? Apocalipse. Juízo Final. Pedras na cruz. Onde está o fim de tudo isso? Quantos passageiros já passaram? Quantas estrelas cadentes já caíram? Quantos ventos já ventaram por essa estrada, doída e cega? Quem vai acreditar, nesse andarilho sem tempo nem lugar. Andarilho que anda pelos trilhos no estribilho de um verso maltrapilho de si mesmo.

Ah! Quanto tempo faz que eu amei demais e continuo amando, adorando e me entregando a esse amor terrestre. Você é o muro e eu sou o cipreste, que vai crescendo, envolvendo, sufocando, aprisionando, abraçando o mundo entre nós dois. Ah! E o mundo sem você é uma falta de lugar, é um des-porquê, é um desesperar. Minhas pegadas bóiam na falta de fé, porque não há mais de seu chão para meus pés. Meu olhar é noite eterna, procurando-te em meio à escuridão que me deixou....
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Brasil sem rosto

"Eu vi o menino correndo, eu vi o tempo brincando ao redor daquele menino". Menino que nasceu no finalzinho do século passado e ainda não encontrou o seu rosto. Menino que se vê frente a frente com uma tecnologia avançada, cada vez mais longe do humano. Menino, analfabeto de informática. Menino que fala "I love you" e não sabe o que é amar.

Menino da liberdade de pensamento, de expressão, de comunicação. Menino que não sabe a ditadura. Militares, exílios, lutas, ideais,..., ficaram presos nas histórias que não contam mais. Menino que se acha envolto de paz. Menino que nunca cantou pela liberdade com Geraldo Vandré. Menino que sempre esteve livre. Os pássaros são livres até que se debatam contra os arames da gaiola. Menino, prisioneiro de um mundo de mentiras....
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Brasil: a grife da miséria


"Reze pelo Haiti, chore pelo Haiti, o Haiti é aqui, o Haiti não é aqui". Como esquecer os versos de Caetano quando o sentimento é o mesmo. Haiti? Brasil: país emergente, país do futuro, país das promessas e do crescente abismo social. Ricos, pobres (antigamente conhecidos como classe média) e miseráveis. Três classes, três sinas, três faces e um país.

Caro(a) leitor(a), creio que nunca sentiu a fome consumindo seu corpo, ainda tem um lugar para morar e uma renda que lhe permite viver, independentemente de quais forem as condições, mas permite. Entretanto deve ter percebido que a miséria está mais próxima. Basta andar pelas calçadas, principalmente as do centro da cidade, para perceber que não terá mais o mesmo passo despreocupado enquanto pensa longe ou admira alguma vitrine. Ao caminhar somos obrigados a desviar, não das pessoas que andam na direção contrária, mas das que fazem da calçada um ?ponto de esmolas?. Quantas as mãos estendidas, vazias e ociosas que pendem em nossa direção em busca de centavos de reais. Mãos da esmola....
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20/04/2010 - Brasília, que cidade é essa?

Ora, a poeira esbranquiçada sobe erguida pelo vento encontrando-se com a vermelhidão do sol. Ares de sertão. Ora, o mesmo vento lambe as águas do lago oceano criando ondas que transformam a cidade. Ares de litoral. Brasília, que cidade é essa? Que cidade é essa que não tem praça da matriz? Que cidade é essa que não tem esquinas? Que cidade é essa onde os prédios não têm muros? Não! Não quero falar da Brasília da política, tampouco da Brasília das invasões ou das mansões. Quero falar da cidade paisagem. ...
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19/11/2015 - Breve e certa

A felicidade rompe quando a tristeza se corrompe. Aproveite as falhas do triste. A felicidade é a brevidade do que existe. Ninguém é feliz para sempre, mas todo mundo pode ser fruto, flor e semente. Basta aproveitar as oportunidades. Basta não querer viver de saudade nem de anti-realidade. Não morda a isca da felicidade distante. A felicidade, como amante, mesmo abstrata e proibida, deve andar perto. A vida é um deserto, então, aproveite os oásis que surgem como miragem em seu caminho. A agulha por mais pontiaguda precisa da maciez do linho para dar os pontos necessários no destino. Se o espelho mostra um homem é porque um dia já aprisionou o menino.


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