19/01/2013 - Fornalha
O coração, como uma fornalha, vai queimando dia após dia tudo o que sou, o que espero, o que fui, o que sinto, o que quero. Meu coração queima o que minto, o que finjo, o que escondo com a mesma veracidade com que minha realidade é queimada. Nesse forno, queimo minha obra, minhas cobras e lagartos, minhas sobras. Os sonhos vividos ou não alimentam as labaredas. Ora essa queimação resulta num calor sem precedentes que extrapola os graus Celsius ora traz um frio latente. Ora transformo-me nessa fornalha, sendo engolido por ela, ora ela é apenas uma fogueira adolescente num campo deserto do meu eu.
Atiro os meus demônios e os meus deuses nessa fornalha. Conforme medos e arvoredos da minha memória vão queimando vou seguindo em frente, como Maria fumaça. Tenho fome de trilhos. Queimo pensamentos, noites de insônia, projetos individuais e coletivos. Queimo beijos dados e também não dados. Queimo frases soltas e livros inteiros. Queimo o que eu pari e o que eu não deixei nascer. Queimo destinos em seus atalhos e dimensões. Queimo o que a cartomante viu nas minhas cartas. Queimo as roupas e a minha nudez. Queimo o bom senso e a insensatez. Queimo a minha coleção de luas.
Queimo o que ficou e o que não há de vir. Queimo meus dias, minhas alegrias, minhas fantasias. Queimo relações, intenções, alucinações. Queimo bondades e maldades sem fazer distinção. Queimo da primeira à última das minhas canções. Queimo dores e alívios em momentos adversos. Não posso deixar o fogo apagar. Queimo de forma intensa, propensa a um fogaréu. Mas tem época que passo dias assoprando brasas. Há chuvas de sentimentos que me inundam de uma ora para outra, colocando esse braseiro em risco. Faço das palavras meus fósforos. Sou tudo e sou nada nessa fogueira. Sou o fogo e o que o alimenta. Sou fumaça.
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