Daniel Campos

Prosas

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21/07/2014 - Amor trapezista

Sou artista de um amor trapezista que a cada salto leva à perda de fôlego, ao risco de se acabar no chão por querer voar sem contar com asas. Um amor que não se aquieta e que faz valer sua alma poeta querendo estar no ar, querendo mergulhar no impossível, querendo ganhar o plano mais incrível. Um amor que não precisa de redes para ser amparado. Um amor sem medo de se machucar. Um amor que acontece num céu de estrelas pintadas à mão, perto dos anjos de lona coloridos para esconder a tristeza do amor ao qual foram proibidos. Um amor de trapézio, que balança para se manter vivo no seu espetáculo interior. Um amor visto e vivido por muitos somente de longe, de muito longe, onde o leque de detalhes mais íntimos se esconde. Um amor que precisa de confiança para se sustentar, se misturar, se multiplicar nas alturas. Um amor que voa de ponta cabeça e até faz pirueta ignorando a lei da gravidade. Um amor que se joga independentemente de aplausos. Um amor que não faz conta de bilheteria, mas de viver um mundo de fantasia em plena realidade. Um amor que traz o que há de mais fundo à tona. Um amor com o poder de mexer com fortes emoções. Um amor de picadeiro sem medo de se expor de corpo inteiro. Um amor que arrepia de tantas formas. Um amor que não se conforma em ser o mesmo todo dia, pois quer desafiar o ontem, o hoje e o amanhã. Um amor que busca a cada ato o brilho do olhar pelo qual existe. Sou artista de um amor que chama atenção, que aflora sedução, que causa atração e ao mesmo tempo medra quem o toca a mão, pois para subir esse amor precisa cair, pois para agarrar esse amor precisa soltar, pois para voar esse amor precisa estar em queda livre.


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20/07/2014 - Náufrago de amor

Sou náufrago em mar aberto de um amor que (não) deu certo. Há solidão por todos os lados com suas ondas bravias. Piratas passam com seus tapa-olhos rindo da minha paixão (mais) cega. Há gaivotas brancas, lindas com suas asas envergadas, que me beliscam a carne como se fossem abutres fedorentos. Todas as sereias que me rodeiam têm o rosto da mulher que amo. Todas elas cantam lindamente na minha língua ou em línguas desconhecidas. Essas sereias todas são a mesma pisciana que me quando quer me coloca na escuridão completa ou nos seus vértices luminosos numa espécie de colo estelar. Ora é metade mulher metade peixe, ora metade mulher metade estrela. O rei Netuno crava seu tridente em minhas costas com raiva por eu ter flertado com sua filha. O sol, aparentando ter milhões de vezes o seu tamanho normal, dá febre e delírios intensos. E no embalo dessas vertigens chamo pelo nome da mulher que amo. Sou náufrago de um mar tão, mas tão salgado que em muitas horas penso estar dentro dos meus olhos prantosos. Há ilhas de saudade que me dão acalanto fazendo-me por alguns instantes de miragem me desvencilhar do pesadelo real. E eu me pergunto naquele infinito de ausência se sou alguém que luta para sobreviver ou que não aceita a própria morte. Sou náufrago de um amor que deu certo.


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19/07/2014 - Tão só, mas tão só

Fiquei só. Tão só. Mas tão só... Cato frases de amor já não ditas espalhadas pelo chão pós-vendaval. Alimento-me dos pedaços de um passado tão apaixonado que não teve chance de ser presente, quiçá futuro. Ando entre o que fui e o que não pude ser, pois já não sou. Já não sou nada além de só. De um ser só. De só ser meu só. E, por favor, não tenha dó. E, por favor, não esmole amor. E, por favor, não me impeça de viver no ontem, pois o hoje não tem graça, pois o hoje não tem sentido, pois o hoje não tem valor algum a quem agora é só mais um nenhum. Eu colo fotografias rasgadas. Eu emendo as linhas do destino. Eu reúno previsões, profecias e desejos num espelho só. Eu tento entender na minha fraca filosofia, na minha ultrapassada ideologia, na minha cega fantasia, o que houve para ser assim: tão só quão fim. Fiquei só. Tão só. Mas tão só. Que minha poesia bate (e se debate) numa só nota: dóóóóóóóóóóó.


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18/07/2014 - No seu lugar

Que eu sinta todas as suas dores. Que eu sofra por você, por mim, por nós. Que eu seja espinho e você flor, como deve ser, e espinho não alcança a flor. Que eu absorva todos os seus medos e preocupações. Que eu seja culpado por tudo e você absolvida sempre. Que tudo de ruim venha pra mim e nada sequer respingue em você. Que eu chore todo seu pranto. Que eu morra quantas vezes for preciso no seu lugar. Que eu carregue todo e qualquer peso em seu lugar. Que todos os problemas, mesmo destinados a você, batam na minha porta. Que eu caia no seu lugar. Que você esteja, por algum milagre operado por mim, isenta dos males dessa terra. Que tudo o que for para lhe adoecer, encontre abrigo em mim. Que as chicotadas do seu destino estalem nas minhas costas. Que suas dívidas sejam debitadas da minha conta. Que a sua corda arrebente toda vez em minhas mãos. Que todas as suas loucuras me invadam. Que eu seja destruído para que você possa ficar inteira.


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17/07/2014 - Não deu tempo, Valentina

Não deu tempo de eu falar numa canção de ninar o quanto sonhei que os sorrisos de mãe e filha fossem iguais. Não deu tempo de você rir da minha cara de bobo assim como fazia sua mãe. Não deu tempo de você se orgulhar das histórias de amor que esse seu pai iria lhe contar. Não deu tempo de você engatilhar em minha direção e se sentir segura em meus braços feito sua mãe. Não deu tempo de eu desejar que você tivesse os olhos, as mãos, os pés, as pintinhas de sua mãe. Não deu tempo de eu ver você crescer na barriga que tanto me encanta. Não deu tempo de lhe contar em segredo boa parte das minhas loucuras apaixonadas. Não deu tempo de eu ganhar uns tabefes de sua mãe por lhe introduzir numa alimentação nada saudável. Não deu tempo de eu assoviar seu nome entre as cordas do violão que já chamou tanto por sua mãe. Não deu tempo de eu lhe ensinar a ler meus versos, poemas que desejei escrever pelo corpo de sua mãe. Não deu tempo de lhe vestir de rosa e tiara de diamantes, afinal filha de princesa, princesa é. Não deu tempo de lançar beijos aos olhos de sua mãe tendo você entre nós na cama. Não deu tempo de lhe dar um banho de ouro, tampouco uma chuva de pérolas. Não deu tempo de você descobrir o quanto sua mãe é digna de ser amada. Não deu tempo de você conhecer a teimosia de sua mãe. Não deu tempo de você me chamar de herói. Não deu tempo de eu levar junto a mim a miniatura de sua mãe. Não deu tempo de eu levantar da cama atendendo ao seu choro na ponta dos pés para não acordar sua mãe. Não deu tempo de lhe aconselhar sobre o amor. Não deu tempo de lhe presentar com uma coleção de bonecas inspiradas na sua mãe. Não deu tempo de lhe mimar sem deixar jamais de mimar sua mãe. Não deu tempo de eu ver qual a cor do primeiro esmalte que pintaria suas unhas. Não deu tempo de entrelaçar minhas mãos nas mãos de sua mãe durante seu parto. Não deu tempo de ficar contando dia após dias mais ela a sua chegada. Não deu tempo de embalar seu sono rumo ao mundo dos sonhos onde eu sempre vivi com sua mãe. Não deu tempo de lhe falar o quanto sua mãe me fez esperar. Não deu tempo de lhe contar nada sobre as estrelas que sua mãe me fez conhecer tão bem. Não deu tempo de lhe perfumar da primeira essência que encontrei em sua mãe. Não deu tempo de eu lhe levar de mãos dadas a reinos encantados onde sua mãe habita com desenvoltura. Não deu tempo de alegrar o seu choro. Não deu tempo de assim como sempre busquei fazer com sua mãe trazer pra mim todas as suas dores. Não deu tempo de não levar tudo tão a sério e me permitir a brincar com você. Não deu tempo de ouvir as ideias criativas de sua mãe para decorar seu quarto. Não deu tempo de lhe fazer surpresas (sua mãe certamente lhe contaria que eu adoro surpresas). Não deu tempo de saber quem seria mais menininha, você ou sua mãe. Não deu tempo de dizer que você tem a mais linda mãe desse mundo. Não deu tempo de você descobrir que é filha de um anjo torto. Não deu tempo de lhe dizer que nossa família está além do tempo. Não deu tempo de saber qual tatuagem sua mãe faria em sua homenagem. Não deu tempo de ver sua mãe dar o braço a torcer no assunto maternidade. Não deu tempo de você protagonizar capítulos do romance que lhe geraria. Não deu tempo de eu lhe ensinar que o impossível é possível. Não deu tempo de você se alimentar daqueles seios de devaneios. Não deu tempo de você ser uma bichinha preguiça tal qual sua mãe. Não deu tempo de lhe ver como espelho da sua mãe. Não deu tempo de ter com você um mundo tão próprio como com sua mãe. Não deu tempo de lhe colocar no balé. Não deu tempo de você me chamar de afoito. Não deu tempo de eu ceder a sua birra como me acostumei a fazer com sua mãe. Não deu tempo de despertar de uma vez em sua mãe o desejo de ter você. Não deu tempo de a gente ter na mesma intensidade por um tempo a mais esse querer. Não deu tempo de não lhe perder, de não lhes perder. Não deu tempo de você dizer as suas amiguinhas "sou filha de um amor de conto de fadas".


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16/07/2014 - Na hora do adeus

Quando eu morrer, conservem meus textos. Esqueçam-se da carne, dos ossos, das minhas feições, atentem-se somente para a minha obra poética. Não guardem fotografias, guardem em seus porta-retratos meus versos. Pois nada me identifica mais do que minha poesia. Esqueçam-se do meu rosto, tenham-me apenas como palavras. Um conjunto de palavras de amor. Sim, porque mais do que homem, mais do que jornalista, mais do que filho, fui amor. E só a minha obra é capaz de retratar com fidelidade o que fui. Portanto, se alguém quiser lembrar-se de mim, chorar ou suspirar pelo que fui, que seja por meio do que deixei escrito. O meu legado é o meu texto. Mais do que as linhas das minhas mãos, o que me traduz são as linhas da minha escrita. É meu coração que está impresso nesses títulos. É tudo o que eu fui e o que eu quis ser que está aqui nesses poemas e prosas. Não há um livro que conte a minha história, mas há romances que falam tudo de mim. Porque eu vivi para amar. Nasci, cresci e morri amando demais. Tive a sina de ser um apaixonado para além de seu tempo. E todas as dores e delícias dessa missão que talvez tenha menos dias do que fora previsto estão contidas em textos. Meus sentimentos serão imortais graças a essas palavras. Com toda licença poética que me cabe, amei em palavras. Não chorem sobre meu corpo, mas sobre minha poesia. Ela sim merece todos os méritos e todo o amor que queiram ainda me doar pós-morte. Não velem meu corpo, ateiem logo fogo em mim numa cremação às escondidas ou joguem pás de terra vermelha sobre minha carcaça num sepultamento rápido, mas dediquem o tempo que queiram estar comigo lendo o que deixei. Eu vou permanecer vivo em cada sílaba. E você vai me sentir – e vai sentir todo o meu sonho e todo o meu sofrimento – mergulhando em minhas palavras. Eu tenho poesia correndo em minhas artérias, irrigando meus tecidos, explodindo em meus neurônios como combustível de paixão. Tenho poesia saindo pelas minhas mãos. Tenho poesia perfumando a minha pele. Tenho poesia suando em minhas horas de aflição ou de prazer. Tenho poesia na minha língua, no céu da minha boca, nos meus lábios. Tenho poesia colorindo meus olhos. Eu sou poesia beijando as mãos de uma mulher ou indo pra cama com ela. Eu sou poesia que traz conforto e entendimento para o que não se explica. Eu sou poesia que faísca. Eu sou poesia que troveja. Eu sou poesia que respira. Eu sou poesia que dói, que cala, que suplica. Eu sou poesia sem vergonha de ficar de joelhos para se humilhar pelo amor que acredito. Eu sou poesia em todas as horas, de todas as formas, com uma verdade e uma intensidade que morte alguma irá roubar de mim. Portanto, se quiserem saber quem eu fui leiam-me. Nas horas de saudade, leiam-me. Nas horas de revolta, leiam-me. Nas horas que quiserem me pedir desculpa, leiam-me. Nas horas que minha lembrança for se perdendo ou ficando mais nítida, leiam-me. Eu vou, mas meus textos ficam. Não quero orações, velas, flores, quero apenas que me leiam. Leiam-me e assim tornem-me vivo outra vez. Não questionem se foi morte natural, encomendada ou suicídio, apenas leiam-me. Não tenham remorsos ou arrependimentos pelo que fizeram ou deixaram de fazer, apenas leiam-me. Não se lembrem da forma como morri, mas da maneira como vivi: e vivi completamente, intensamente e desesperadamente apaixonado, amando poeticamente como provam todas as poesias que são o testamento desse amor puro e infinito.


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15/07/2014 - É chegado o tempo

Tempo tempo tempo, ó temporal, olha aqui seu filho pedindo por ti. Tempo me arranca desse tempo. Tempo me leva há cinco meses ou a cinco mil anos. Tempo me carrega daqui. Tempo, já deu. Tempo, já vivi. Tempo, já cumpri o que era preciso. Tempo, reavalie minha existência. Tempo, quebre meus relógios. Tempo pare meu tempo. Tempo, me subtrai das suas contas. Tempo, ó temporal, o tempo da existência já foi perdido. Tempo, pra que insistir. Tempo, pra que mentir que amanhã será melhor quando eu sei, e já me falaram, que será cada vez pior. Tempo, tempo, tempo me coloca em seus braços. Tempo me faz feto de novo. tempo me dê outra oportunidade longe daqui. Tempo, desista de mim, por favor. Tempo, pra que continuar? Tempo, pra que caminhar se não há mais estrada? Tempo, para que insistir com isso se minhas asas foram cortadas? Tempo, tempo, ouça meu pedido, tira-me daqui, pelo amor que ainda me tem. Tempo, não há mais tempo. Tempo, não cola essa história de dar tempo ao tempo. Tempo, nem me pediram o tempo que eu nunca aceitei, já acabaram com meu tempo de uma vez. Tempo, o que ainda está esperando? Tempo, vamos, vamos embora. Tempo, faça logo o que precisa ser feito. Tempo, tem permissão para fazer o que precisa ser feito. Tempo, tempo, atenda minha oração. Tempo, chegou o tempo da separação. Tempo, começou a temporada da solidão. Tempo, quem é que vai estancar tanta sofreguidão? Tempo tempo tempo tempo tempo tempo é hora de dar um tempo nisso tudo. Tempo, já viu, meu senhor, que eu não me corrijo, que eu não aprendo com a dor, que eu insisto em ser demais. Tempo, não dá mais. Tempo, é pesado demais. Tempo, é dolorido demais. Tempo, é difícil demais; Demais. E, tempo, sempre soube, que eu amo demais, além da conta, sem medida, de forma descabida, rumo ao infinito. Sim, meu tempo do amor sempre foi elevado ao infinito. Só que já basta. Sou do tempo que o amor era honrado e não desse tempo onde o amor é massacrado, ignorado e abandonado. Tempo, por que me fizeste nascer nesse tempo? Tempo olha meu passado, veja minhas regressões, veja o que fui, o que vivi... Por que, por que meu senhor, ainda tenho que viver nesse tempo que não tem nada a ver comigo? Tempo, é chegado o tempo que o tempo é meu inimigo. Não! Tempo, não permita que isso continue. Tira-me daqui. Estenda seus braços pra mim. Leva consigo ó tempo a única coisa que ainda vale a pena em mim, pelo que eu lutei todo esse tempo, o que eu defendi do próprio tempo, leva-me enquanto amor, leva-me para onde for, mas me tira daqui. Tempo, tudo o que tinha para ser feito já foi executado. Tempo, tudo o que precisava acontecer, já se deu. Tempo, não vou viver para não ser apaixonado. Tempo, isso não está no roteiro. Tempo, arrasta-me para o inferno, mas tira-me daqui. É tempo de nascer ou de morrer, mas não de renascer nisso que já não permite mais parto algum. Não importa se algo ficará pela metade, se haverá perdão nisso tudo, se o destino foi modificado, se os laços do que era para ser eterno foram rompidos, tira, tira-me daqui. Meu pai tempo, senhor dos meus dias e das minhas noites tão vazias, toma-me seus braços e me leva pra um tempo distante onde o ser-amante possa amar em paz. Tempo, é chegado o tempo. Nada de adiar, de poupar, de esperar o que já não pode mais ser esperado. É hora de cumprir a sina. Que sejam imortalizados todos os segundos dessa paixão atemporal. Que, daqui a milhões de anos, os fósseis de tudo o que foi dito em relação a esse amor estejam conservados. A missão de viver um amor maior que o próprio tempo foi vencida. Não há motivo forte o suficiente para insistir nessa existência. Dei o meu melhor a ti ó tempo, e as suas intenções, honrei de forma sobre-humana o amor que me foi confiado. Fui além do meu tempo. Tempo, não adianta me dar mais tempo. O meu tempo interior já não funciona mais. O meu tempo acabou pelo braço que carrega “que seja infinito enquanto dure”. Infelizmente, o infinito foi condicionado ao tempo. E o tempo... Ah! E o tempo... Ah! Meu senhor, sabe o que sinto e o que sou, e sou justamente o que sinto. Por mais que doa, é chegado o tempo, tempo tempo tempo.


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14/07/2014 - A morte de quem se ama

Como se sentir depois de receber a notícia de que a pessoa que você mais ama na vida morreu? E receber essa notícia dela mesma? Uma morte tão inesperada quanto anunciada. Uma morte que você não quer e nem vai aceitar. Afinal, quem se conforma em perder seu grande amor? Saber que nunca mais vai poder tocar sua pele, sentir seu perfume, olhar no fundo de seus olhos e declarar o que sente seja por meio de prosa ou verso com toda licença poética. A certeza de que nunca mais vai ser possível lançar um eu te amo e esperar as reações dela consome até a última gota da alma. Nunca mais, essa expressão dói, cala, grita, faz chorar por dentro e por fora, sangra sentimentos em carne viva. Dar adeus todo dia a resquícios que ainda estão impregnados no cerne do afeto é dilacerador. A morte é declarada, mas ela não é finita. A morte de alguém que se ama é infinita. Cada dia ela morre um pouco mais e de um jeito diferente, trazendo dor e perdas diferentes. A lembrança em certos momentos desse luto é pior do que o esquecimento. Há fantasmas do que você poderia ter dito e não disse, do que poderia ter feito e não fez, do que poderia ter ouvido e não ouviu lhe apavorando o tempo todo. Porque a morte, como coloca uma pedra na possibilidade de continuação, levanta a todo e qualquer instante o “podia ter sido diferente se”... quando, na verdade, sabíamos que tinha de ser exatamente assim. A morte faz com que fiquemos nos enganando para sofrer menos ou mais dependendo da necessidade. A morte da pessoa amada nos martiriza, deixando-nos sozinho e nu com nós mesmos. Aliás, a morte desse amor infinito coloca em dúvida até mesmo a existência do amor. Sim, porque desde sempre acreditamos que os amores não morrem. Como se sentir depois de receber a notícia de que a pessoa que você mais ama na vida morreu? E receber essa notícia dela mesma? Rasgado. Apunhalado. Dilapidado. É como se uma bomba atômica acabasse com todas suas ligações neurais e você não pensasse em mais nada. Apenas sentisse a dor das consequências. E entenda conseqüências como estragos, vazios, destruições... E o pior é a solidão, tão sedutora quão indiferente, querendo brindar com você a cada instante o seu estado solitário. A morte da pessoa amada faz você se sentir o mais solitário dos seres. Nada do que for dito ou feito é capaz de lhe consolar. E que ninguém tente estancar seu choro. É preciso colocar pra fora para que essas feridas todas não se transformem em uma espécie de câncer sentimental. A sensação é de que era muito melhor ter morrido no lugar dessa pessoa, mas não havia motivo algum para você morrer antes dela. E pelo resto dos seus dias você vai se perguntar a razão de ela ter morrido de forma tão brusca quão bruta. Sim, porque a morte da criatura amada por mais que aconteça durante o sono é de uma brutalidade tamanha. E daí a fé em outras vidas se reforça, mas quanto tempo ainda será necessário esperar para o reencontro. Será melhor morrer logo para antecipar esse recomeço? São tantas dúvidas pairando sobre a morte da mulher amada, que não se sabe se foi natural, acidental ou criminosa. De fato, há sempre um crime palpitando numa despedida desse porte. Aliás, despedir-se de quem se ama de forma definitiva é algo que contraria a natureza humana. Os homens inventaram o fogo, a roda, o avião, mas não criaram uma forma de superar a perda. Como se sentir depois de receber a notícia de que a pessoa que você mais ama na vida morreu? Com um ponto final no lugar do coração.


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13/07/2014 - Que venha(m)

Que venham esses beijos tantos que você tem guardado pra mim. Que venha de presente sem demora nem precisa de laço de cetim. Que venham esses braços a envolver o meu corpo inteiro. Que venham suas pernas tomar-me como seu prisioneiro. Que venham esses soluços. Que venha de bruços. Que venha num prazer incontido. Que venha selar o que anda partido. Que venha me fazer dizer que eu não esperei em vão. Que venha me dizer que era sim quando dizia não.


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12/07/2014 - E não me avisaram

Fecharam as cortinas do teatro da minha vida e não me avisaram. Censuraram o espetáculo do meu amor e não me avisaram. Esvaziaram a plateia de expectativas que me fazia seguir em frente e não me avisaram. Deram às costas ao meu texto sem nada explicar, tampouco inventar qualquer pretexto e não me avisaram. Rasgaram minhas cenas e não me avisaram. Boicotaram meu dueto mais que perfeito e depois meu monólogo, meu prefácio e meu prólogo, e não me avisaram. Roubaram a minha bilheteria, a minha alegria, a minha fantasia e não me avisaram. Queimaram o meu cenário, tiraram-me do páreo, colocaram-me num dia a dia tedioso, trevoso, nada majestoso e não me avisaram. Mudaram meu roteiro e meu letreiro e não me avisaram. Esvaziaram meu cargueiro de emoções, jogaram em mim tantos senões, tomates, limões azedos e medos e não me avisaram. Vaiaram o que eu tinha para oferecer e se calaram por querer e de nada me avisaram. Preferiram deixar meu palco do impossível, do incrível, da entrega de nível máximo para viver o possível do lugar comum e não me avisaram.


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