Daniel Campos

Prosas

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30/03/2015 - Acordamento

Ela acorda e de tão surreal se olha no espelho para acreditar que existe, de fato, que não é apenas mais um sonho que se desintegra ao clarear do dia. Ela acorda e dá corda a tudo o que é acordado ao seu encanto. Ela acorda e instantaneamente poda o sofrimento do mundo. Ela acorda e já roda a roda da vida que começa a colorir a paisagem, a dar perfume às coisas, a dar movimento ao que é do coração. Ela acorda inventando moda de amor. Ela acorda enchendo a boca de beijo e soda. Ela acorda e seus olhos vão dando nodoa na alma dos mortais, impregnando-se para não sair nunca mais.


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29/03/2015 - Conexão

Eu me entrego feito prego ao martelo. Eu me tenho e não me detenho. Eu me dou como marmelo à formiga. Eu amo, amo, amo e fujo de briga. Eu venho cada vez mais pra dentro do lenho. Eu passo e beijo e abraço e tudo se liga. Eu não veto eu conecto. Eu provoco colocando paixão de copo em copo. Eu vou de encontro ao ponto. Eu faço escuridão e clareio o não. Eu alinho o destino, sou menino, sou poeta, sou besouro, sou pirata, sou mar, sou tesouro, sou peixe, sou feixe, sou ave, sou bicicleta, sou nave, sou ingá... Eu dou de comer à boca com fome de sentimento. Eu sou palavra ao vento. Eu sou o que não some, o nome dito pela língua mais rouca. Eu me faço e me traço e me laço. Eu me amolo e me dou colo. Eu sou navio dentro da garrafa. Eu sou o cardume que escapa da tarrafa. Eu balanço a pitangueira, acampo de alma inteira e com meus sonhos acendo qualquer fogueira. Eu ensino a ler para que consigam me ver.


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28/03/2015 - Partes de mim

Meu pai entrava no meu quarto para ouvir Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso. Minha vó criava tartarugas. Acostumei ver minha mãe com as mãos envoltas de linhas, botões e farinha. Meu avô era dono de histórias que me faziam viajar na imaginação. Minha bisavó foi posta num balão e sumiu pelos céus. Meus melhores e únicos amigos de infância e juventude foram lápis, borracha, papel. Meu primeiro cachorro, que não era meu mais do meu pai, chamava Bizuco. Minha avó me passava dentro de seu terço. Meus personagens sempre deixaram as páginas dos romances para conviver comigo. Meu professor de desenho não me deixava criar, só copiar. Meu avô, com seus olhos de catireiro, só me admitia um caminho: ser um homem bom. Meus pés sempre gostaram de pisar descalços na grama orvalhada, na terra fofa, nos botões de algodão que ficavam guardados na tulha. Minha vizinha tinha um mercadinho onde eu marcava tudo na conta de minha mãe. Meus animais de estimação eram cachorros, gatos, porcos, vacas, galinhas, pássaros... Minha tia queria me embebedar com geleia de pinga e licor de jabuticaba. Meu pai sempre me encantou com o barulho de máquina de escrever que fazia em meus ouvidos. Minha língua sempre foi a língua das árvores. Minha professora de inglês dizia que eu só ia aprender a língua quando deixasse de escrever as histórias em português na minha cabeça. Meu tio foi o maior piloto que já conheci mesmo só o tendo visto voar no chão. Minha mãe arrancava as folhas do meu caderno até que a lição estivesse do seu gosto. Meu irmão arrancava meus dentes e ainda fazia cara de santo. Meu pai me deixava caído com seus dribles desconcertantes no campinho do sítio. Muito da minha história foi escrita com terra vermelha. Minhas namoradas eram princesas de reinos distantes, estrelas que viravam mulheres, sereias de mares profundos que vinham flertar comigo e só eu via. Meus pés sempre foram de jabuticaba, manga, goiaba... Meus tios-avôs eram personagens de um enredo grego-mexicano, regado a dramas apimentados. Minha professora do ginásio me achava um ótimo escritor. Minha cachorra, chamada Kika, comia chocolate e pulava de cama em cama para tomar sol. Meu irmão fazia cidades inteiras com pecinhas de montar. Meu professor de violão gostava mais de comer os bolos e doces de minha mãe do que de me ensinar alguma coisa. Meus padrinhos de batismo nunca foram à missa comigo. Meu bisavô tinha um pé de groselha. Meu mundo sempre foi um mundo paralelo, feito de seres fantásticos, de criaturas encantadas, de lendas e magias.


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27/03/2015 - Vida-rio

Queria ficar na beira, na beira do rio, mas a vida não é beira-rio. É preciso cair de corpo, alma e espírito nas águas correntes que cortam nossa existência. E não pense que há de ficar em águas calmas, mansas e cristalinas. A vida é turbulenta, dada a muitas correntezas e quedas, tão lindas quão perigosas quanto às cachoeiras. E não pense que vá encontrar peixinhos coloridos em suas remadas, pois há muitas pedras pelas corredeiras. É preciso ir de frente, pois não há outra forma de seguir. O passado é como água passada, por mais que exista não volta. E ainda é preciso viver a fundo o que está nas margens, porém, jamais se apegando às paisagens, pois elas mudam durante o curso do rio. As águas muitas vezes ficam turvas, de modo que não se enxerga nada pela frente, por isso é preciso se entregar sem medo ao que vier. Não se assuste se as águas sempre doces ficarem salgadas de uma hora para outra, pois além de muito choro na beira do rio às vezes o mar dá em ressaca. E atente-se para o perigo, pois a vitória régia é a casa de Iara, que com o seu canto leva os apaixonados para o fundo das águas. E as mulheres que pensem sete vezes antes de cair nos encantos do boto-cor-de-rosa. As luas, por mais que flutuem espelhando tais águas, nunca são as mesmas. A vida, assim como as águas, mudam seguindo em frente.


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26/03/2015 - A vida de quanto em quanto

De quantas idas e vindas, com direito a mergulhos num minúsculo oceano de pólen, precisa uma abelha para fazer um litro de mel? De quantos sóis e chuvas carecem uma manga para madurar corretamente a ponto de ser açúcar na medida exata? Quantas ramas de trigo precisam dourar para dar vida a um único pão? Quantas folhas precisam se unir para não deixar pelado um jequitibá-rei? Quantos finitos precisam ser derrubados para se chegar ao infinito? Quantas pedras são necessárias para fazer o caminho de um vencedor? Quantos eu te amos precisam ser ouvidos até que uma criatura se convença de que é amada? Com quantos embalos se faz uma criança dormir? Um, quarenta, oitenta, cento e vinte, duzentos... Quantos pulsos por minuto são prova de que uma pessoa está viva e apaixonada? Quantas jabuticabas maduram são necessárias para fazer um amante delas escalar cegamente pelos galhos de uma jabuticabeira? Quanto de vento se precisa para fazer girar um cata-vento? Quanto ridícula deve ser uma carta de amor para ser verdadeira? Quanto nós precisamos tirar de nós mesmos, no tocante às lembranças, promessas, preocupações, medos, desejos, para estarmos verdadeiramente nus? Quantas caretas se fazem necessária para conseguir o sorriso de uma criança? De quantas notas o compositor precisa para uma canção inesquecível? Quantas ondas o mar precisa criar para manter o equilíbrio do mundo num vai e vem constante? Quantas velas precisam ser acesas para iluminar o caminho de uma alma? Quantos poetas ainda precisam nascer para que os sentimentos não sejam ignorados? Quantas gotas de água fazem um rio? Quantos sapatos devem existir no armário de uma mulher para que ela não se sinta descalça? Quantas passadas separam o sonho da realização? Por quantas luas deve passar um romance até ele ser para sempre? Quantos erros são necessários para o acerto? Quantos feijões precisam se juntar para dar uma feijoada? Quantas flores urgem raiar para fazer o dia amanhecer em primavera? Quantas noites de sono hão de vir para se dar o reencontro com aquele sonho que ficou incompleto? De quantas histórias precisa a nossa história para valer a pena?


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25/03/2015 - Pe(r)dição

Ela me pede um beijo, não dou. Ela me pede para ser seu super-herói, não sou. Ela me pede um abraço, passo. Ela me pede uma cena obscena, faço cinema. Ela me pede o proibido, dou como lido. Ela me pede um cachorro, corro. Ela me pede “não solta”, dou volta. Ela me pede resposta, dou as costas. Ela me pede em casamento, entrego ao vento. Ela me pede uma oportunidade, falo em saudade. Ela me pede uma dança, digo “não cansa?”. Ela me pede um sorriso, peço juízo. Ela me pede colo, amolo. Ela me pede estrada, dou em nada. Ela me pede atitude, fico amiúde. Ela me pede futuro, depuro. Ela me pede um sonho, proponho. Ela me pede tamarindo, vou indo. Ela me pede minha boca, chamo-a de louca. Ela me pede afeto, veto. Ela me pede para deitar em seus seios, volteio. Ela me pede um toque, digo “não provoque”. Ela me pede miragem, eu aragem. Ela me pede sementes, faço-me ausente. Ela me pede trégua, vou a léguas. Ela me pede choro, quebro o decoro. Ela me pede presença, peço licença. Ela me pede carinho, aninho. Ela me pede cumplicidade, dou realidade. Ela me pede desordem, sou pela ordem. Ela me pede casa, só tenho asas. Ela me pede um canto, espanto. Ela me pede cupuaçu, dou umbu. Ela me pede que a deixe descalça, vou numa valsa. Ela me pede o que não espero, faço-me bolero. Ela me pede mambo, sou tango. Ela me pede para me ver nu, desligo o abajur. Ela me pede companhia, dou poesia.


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24/03/2015 - Carriola de sonhos

Há quem cate laranja, papelão, algodão... Eu cato sonhos... Vou pelas ruas da poesia catando sonhos esquecidos ou abandonados... Ora empurrando ora puxando vou levando minha carriola onde deposito os sonhos que encontro... Muitos chamam essa carriola de coração, pra mim é um carrinho de mão cheio de sonhos que levo pra cima e pra baixo... Vou catando sonhos como quem cata moedas, parafusos, figurinhas... Levo sonhos meus e sonhos alheios, que passam a ser meus... Adoto sonhos de rua como quem adota cachorros ou gatos vira-latas... No final das contas, é como se tivessem nascidos de mim... Sonhos possíveis e impossíveis se misturam na minha carriola... Há sonhos de todos os tamanhos e intensidades... Sonhos de amor, de felicidade, de saúde, de paz, de prosperidade, de encontros e reencontros... Sonhos para muito mais do que uma vida inteira... Sonhos que precisam de cuidados, de serem alimentados, de serem colocados em terreno fértil... E nessa minha carriola, que muitos chamam de coração, todo sonho pega, vinga, viça... Não me importo com o que dizem, mas com o que sinto... E me sinto pai de cada um desses sonhos que seguem comigo... Já viu aqueles andarilhos que empurram seus carrinhos cercados por cachorros que vão latindo, brincando, festejando... Pois bem, vou empurrando a minha carriola repleta de sonhos, que quando estão prestes a se realizar vão fazendo festa abrindo e dando segurança e significado ao meu caminho... Um caminho de sonhos... Vim de um sonho e vou ao encontro de outros sonhos...


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23/03/2015 - A chuva no bico do João

Choveu, a menina entrou debaixo da coberta. Choveu, a lavadeira se queixou. Choveu, o pintor de parede preocupou-se com sua meta. Choveu, o sino da igreja nem tocou. Choveu, o menino não foi jogar bola. Choveu, deu preguiça de ir para escola. Choveu, o jardineiro agradeceu. Choveu, a florista enlouqueceu. Choveu, o carro não saiu do lugar. Choveu, no fogão uma sopa pro jantar. Choveu, guarda-chuvas e sombrinhas se abriram como flor na primavera. Choveu, a roupa deu em lama. Choveu, não faltaram convites para cama. Choveu, tudo fica mais lento e o relógio não espera. Choveu, o pescador se animou. Choveu, a mulher reclamou que ninguém limpou o pé para entrar em casa. Choveu, passarinho sacudiu a asa. Choveu, passarada cantou pra valer. Choveu, João que é de barro ganhou o que fazer. Choveu, João colheu sua matéria-prima pelo quintal. Choveu, Joana-de-barro pode fazer seu enxoval. Choveu, João-de-barro vai construir no alto do angico. Choveu, e o João-de-barro levou a chuva no bico.


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22/03/2015 - Quero o tempo de ter tempo

Quero o tempo de ter tempo para observar para que lado o vento sopra. Quero o tempo de ter tempo para acompanhar a flor virando fruto. Quero o tempo de ter tempo para esperar a fruta madurar e não precisar comê-la de vez. Quero o tempo de ter tempo para desvendar os mistérios da lua que do alto de seu altar nos diz tanto. Quero o tempo de ter tempo o intuito de colher os sinais do tempo para saber se vai chover ou se vai estiar. Quero o tempo de ter tempo para aprender com a chuva que cai sem pedir nada em troca. Quero o tempo de ter tempo para saber qual hora do dia o rio dá peixe. Quero o tempo de ter tempo para pensar em quem amo, unindo ação ao sentimento. Quero o tempo de ter tempo para colocar no papel tudo o que meu coração me dita, linha por linha, verso a verso. Quero o tempo de ter tempo de apurar o doce alcançando o ponto ideal. Quero o tempo de ter tempo para provar novos sabores, para cheirar novos perfumes, para olhar novas cores, para ouvir nossos sons... que estão por aí e passam despercebidos em minha correria. Quero o tempo de ter tempo para engolir cada despedida, aceitar e aprender com cada adeus. Quero o tempo de ter tempo para me encantar, pois preciso viver encantado, caso contrário tendo a murchar. Quero o tempo de ter tempo para navegar com fé numa total entrega em águas profundas, sejam elas passadas ou vindouras. Quero o tempo de ter tempo de alimentar meus sonhos, muitos necessitando de receberem o seu comer na boca. Quero o tempo de ter tempo de viver cada dia de uma vez, intensamente, sem me preocupar com as promessas do futuro ou com as dívidas do passado. Quero o tempo de ter tempo para não ser injusto com nada ou ninguém que pede um pouco ou muito de mim. Quero o tempo de ter tempo para não só falar, mas fazer valer cada eu te amo declarado por minha língua, por meus olhos ou por minhas mãos. Quero o tempo de ter tempo para gestações completas de belos e verdadeiros amores. Quero o tempo de ter tempo para me dedicar aos livros e aos discos que me esperam. Quero o tempo de ter tempo para fazer da vida um tremendo e merecido espetáculo. Quero o tempo de ter tempo para realizar cada palavra dita ou escrita por mim. Quero o tempo de ter tempo para aprender tudo o que eu preciso para não carregar arrependimento algum, seja aprender a dançar, a tocar piano, a fazer uma nova receita, para saltar de asa delta, para conhecer outros mares... Quero o tempo de ter tempo para agradecer tudo o que até então conquistei e também o que não obtive, entendendo as razões desses não acontecimentos. Quero o tempo de ter tempo para ser melhor do que sou hoje e oferecer essas melhorias ao tempo que me esculpe como estátua viva que sou.


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21/03/2015 - Neuza Maria Mulher Brasileira Alves da Silva

“Se eu sofri discriminação, preconceito, descrédito por ser mulher eu não tomei conhecimento, passei por cima, atropelando, porque eu não me permito sofrer essas coisas”. Colocar-se no papel de vítima, sublimar o sofrimento, sair gritando ou agredindo não é com Neuza Maria Alves da Silva, dona das aspas acima e de uma história que renderia um bom livro com linhas de superação e de como enfrentar as adversidades de cabeça erguida.

Seu nome é escrito no singular, mas Neuza é mulher-plural, afinal são tantas em uma só, assim como tantos são os santos da Bahia de Todos-os-Santos que a deu à luz. São Julianas, Carolinas, Anas, Renatas, Luísas, Veras,..., que se encontram nas lutas ou nos sonhos que fazem de Neuza referência de mulher firme, independente, determinada, destemida, forte, nobre, incansável, observadora, apaixonada, enfim, retrato dinâmico da mulher brasileira....
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