Daniel Campos

Prosas

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28/06/2015 - O tempo de seu Antônio

O tamanho, a careca e a simpatia não intimidavam ninguém, mas o olhar firme era capaz de colocar qualquer um pra correr. Os olhos de seu Antônio Bueno de Campos chegavam a gargalhar junto com ele em suas piadas, mas quando se impunham metiam mais medo do que suas histórias de assombração. Muitas vezes, sentado numa cadeira de ferro com tecido esticado, quando me perguntava das notas da escola chegava me dar um frio na barriga. Para minha sorte, sempre trilhei pelas notas azuis. Suas perguntas eram incisivas, feitas repetidas vezes, até que ele se convencesse da resposta. E era melhor não levar problema ou preocupação alguma para ele, pois aquilo não saia de sua cabeça e volta e meia rendia prosa. Era o jeito de ele cuidar da família, de tentar proteger aqueles que ele fazia questão de estarem por perto. Queria cada um cuidando de sua vida, mas a uma distância em que ele pudesse acompanhar. Eu, falando em sorte novamente, tive a oportunidade de pegá-lo mais manso pela velhice. Mesmo assim, tinha uma rigidez, um gosto de ver tudo e todos na linha. Não me lembro de tê-lo visto chorando. Suas lágrimas eram secretas e por escorrerem sempre para dentro foram dando aquele caráter de diamante aos seus olhos: encantadores, mágicos, mas duros. Fruto da criação bruta, por muitas vezes ter sido tratado feito bicho e terem roubado muito do seu futuro. Seu Antônio sempre precisou acordar dia após dia para sobreviver, para dar conta daquele dia. Os dias futuros não importam. Por mais que apreciasse uma viola, uma sanfona, uma roda de catira, seus parceiros de dança tinham de ser a enxada, o machado, as guias do arado puxado por boi. As esporas de uma vida sem regalias lhe deixaram marcas profundas que o faziam, a todo custo, querer que tivéssemos um caminho melhor que o dele. Estudou quase nada, mas via na nossa educação a certeza de uma vida que ele não teve. Ainda guardo até hoje a alegria daqueles olhos de me verem formado em Jornalismo. Tinha orgulho do meu caminho, dos meus feitos. Foi ele quem me deu o meu primeiro e único violão. Foi ele quem me dava público seja levando seus passageiros para verem meus quadros expostos nas paredes de casa ou carregando minhas crônicas, publicadas no jornal da cidade, para suas praças. Aqueles olhos fundos viam em mim o que ele não pode ser e, por mais contentes que estivessem, continuava com aquele quê de dureza para que eu não me perdesse. Aquele homem de aparência frágil, sempre vestido com mais blusas do que o necessário para espantar o frio acumulado em tantas noites passadas na lida dentro de um carro ou na boleia de um caminhão e de sandálias de dedo demonstrando claramente que ele precisava de tão pouco, sempre quis o melhor para mim. E, na cabeça dele, esse melhor era justamente um caminho diferente do dele. Nunca teve estia em sua jornada. Capinou. Carregou, descarregou, voltou a carregar caminhões de lenha. Tocou boi. Arou. Rodou pelas estradas e pelas memórias de muitos. Um dos principais passageiros do seu táxi era o ontem. Seu Antônio quase nunca falava de futuro, sempre nos contava sobre o que já tinha passado. É como se ele, tão direito com as regras de trânsito, insistisse em ir pela contramão da vida. Remoía incontáveis vezes histórias que eram suas ou que pegava emprestado. E contava sempre todas elas com muita riqueza de detalhes. Era navegando no mar de suas histórias que ele rompia com sua realidade que não lhe permitia ousar. Comia praticamente o mesmo arroz branco com frango frito todos os dias. Dormia assim que o dia escurecia e acordava de madrugada e ficava ouvindo modas caipiras num radinho até o dia amanhecer. Sentava no banco do jardim e ficava por horas olhando o movimento dos passarinhos que vinham se refestelar num bebedouro. Ia para suas praças, a do ponto de táxi e a de caminhada, perto de sua casa, tentando fazer o dia passar. Por isso, as histórias vividas por ele de forma direta ou não, faziam-no romper com sua rotina e navegar num oceano de sensações, de impressões, de exclamações. Tornou-se um exímio contador de histórias. Para ele, cada detalhe precisava estar no seu devido lugar de forma da muito da bem feita para que a narrativa alcançar o seu resultado. Colocava tudo no seu lugar, seja cada peça do quebra-cabeça do acontecido, seja cada parafuso que ele achava perdido na rua, seja cada engrenagem dos relógios que ele montava e desmontava com precisão cirúrgica. Perdi a conta de quantas vezes o vi as voltas com seus relógios de pulso ou de bolso. Dava corda, limpava, consertava, acertava a hora. Só se esquecia de dar corda em seu tempo interior que, aos olhos daqueles que não sabiam o compreender, estava sempre atrasado, marcando o ontem, o anteontem, o trasanteontem...


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27/06/2015 - O seu hoje

Hoje os pássaros são todos seus. Hoje quem já foi, volta para ter você nem que seja por um segundo a mais. Hoje a arte é sua. Hoje toda parte é sua. Hoje até Marte é sua casa. Hoje você ganhou o mel das abelhas. Hoje você ganhou o véu das centelhas. Hoje você ganhou o céu das ovelhas. Olhe você ganhou asas e um coração em brasa. Hoje as ruas são suas passarelas. Hoje, para você, abrem-se todas as janelas. Hoje o príncipe que você escolher vai te chamar de donzela. Hoje o mundo se faz mais doce por você. Hoje os olhares se voltam todos para você. Hoje os querubins oferecem suas flechas para você. Hoje estrelas e mais estrelas te são entregues por um deus apaixonado em forma de buquê. Hoje todo e qualquer adeus perde o seu porquê. Hoje há uma multidão de poetas procurando por você. Hoje há um turbilhão de almas inquietas esperando por você. Hoje há um tempo de paixão nascido para você.


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26/06/2015 - Toadinha

No meu violão eu digo sim, bendigo não. Todo mocinho tem seu dia de vilão. E nem todo ladrão rouba mais não. E se a canção for de amor não se importe nem note se a rima barata se casar com dor. O pássaro mais afinado nem sempre é o mais cobiçado. É preciso ter vida, sobrevida e ainda vencer a despedida. Quem vai querer uma melodia assim, aonde o fim vem antes do começo? Quem vai entender a letra que diz que para ser feliz é preciso sofrer? E se a lágrima for o preço do verdadeiro amor quem vai, quem vai se opor? Deixe-me propor uma canção calada, pois agora, que o coração chora, não é preciso dizer mais nada...


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25/06/2015 - Tem mais samba pra chegar

Tem mais samba para chegar, pode esquentar as cadeiras remexendo para lá e para cá. Escuta o tamborim que ao balançado do mundo diz sim, sim, sim. O surdo grita fundo. E os tantãs nunca tiveram tão sãos. Pode sambar, sambar, sambar só não deixa a harmonia atravessar. Tem samba demais ainda pra chegar. Samba no jardim, na sacada, no telhado, no banheiro, no terreiro, na estrada que vai dar em algum lugar. O samba não pode esperar. Deixa essa batucada lhe levar. Arrepia, arrepia, pois o samba foi feito para arrepiar. Gira sem medo do que será após girar. Cai nos braços e nos passos de quem do samba faz arte. Samba no quintal, no quarto, na calçada, em Marte. Samba porque o samba é o nosso estandarte. Samba num beijo bom. Samba e aumenta o som. Samba pelas costas de quem se ama. Samba pelas encostas da cama. Samba porque o samba não é de esquerda nem de direita, no samba toda gente se ajeita. Samba e deixa suar. Samba pra clarear. Samba sem se preocupar, pois tem mais samba ainda pra chegar. Samba descalço, de sapato, de salto, em pé, deitado, ritmado, na terra, no barro, no asfalto, atando ou desatando laço, samba no terraço, no compasso, no gingado, samba pra frente, pra trás, pro lado, samba pelo avesso, com apreço, em qualquer endereço. Samba só, acompanhado, solto ou dado nó. Samba fazendo moda. Samba samba de moça, samba de compositor, samba de roda. Samba e deixa o samba chegar. Samba e pro samba chegar é só começar. É só começar a sambar. Samba, samba, samba que o samba lá chega cá.


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24/06/2015 - Amor de lua

Eu não vivo mais sem conversar com a lua. É toda noite falando de amor, de tempo e de destino. Seja na casa, na rua, no carro, seja lá onde for conversar com a lua é necessidade e prazer. Infinito e particular querer. A noite que move as marés, que faz brotar a semente, que cresce os cabelos e arrepia nossos pelos é minha dama de companhia, mais que isso, minha chama, minha poesia. Sou do povo da lua, que anda não só com a cabeça, mas com os pés e a boca na lua. Sou do signo lua, do elemento estrela. Tenho ciúme e fico uma fera com Jorge que cavalga noite e dia por aquelas crateras. Eu noivo com a lua, eu flerto com a lua, eu me enlouqueço com o eclipse lunar. Já na minguante eu fico a lamentar pela falta da outra parte. Como será a lua de Marte? Como se mostra a lua de Saturno? Eu sou noturno porque sou da lua e sem mais cerimônias eu a quero nua. E quando a lua menstrua, reafirmando sua natureza mulher, estrelas se espalham pela imensidão como lava na escuridão. Eu escrevo à lua. Eu poetizo da lua. Eu friso a cada palavra meu apaixonamento à mulher que flutua. ...
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23/06/2015 - No meu quintal

No meu quintal tem graviola, acerola e jatobá. Tem moça bonita e um danado sabiá. No meu quintal tem enxame de abelha, moita de erva cidreira e ramas de hortelã. Tem romã pra dar sorte e uma biruta por onde passa o vento pra indicar o norte. Tem o azedinho do limão, o quê que amarra do caju e canção de bem-te-vi, sanhaço e anu. No meu quintal tem galo que canta na hora certa e galinha carijó que bota o ovo que fortalece o peito do poeta. Tem fruta do conde, tem tico-tico rei e uma imagem da rainha do mar. No meu quintal tem folhas que curam e uma formosura de encher as vistas. Tem uma lista de unguentos e matos pra fazer firmamento e muito espaço para buscar alento. Tem sementeira e roseira de tudo quanto é cor. Tem perfume e tem sabor. No meu quintal tem sombra pra pensar na vida e uma enxada para quem quiser pegar na lida. No meu quintal tem água corrente, mina brotando feito capim e cigarra chamando chuva e até um querubim. Tem goiaba, mangaba, jabuticaba e uma encantaria que não se acaba.


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22/06/2015 - Era o primeiro, a segunda...

Era só o primeiro dia, o primeiro beijo, o primeiro vento, o primeiro sol. Era só a segunda noite, a segunda-feira, a segunda sina, a segunda mão. Era só o terceiro raio, o terceiro ato, o terceiro sonho, o terceiro deus. Era só a quinta avenida, a quinta poesia, a quinta teoria, a quinta expectativa. Era só o sétimo filho, o sétimo destino, o sétimo elemento, o sétimo cálice. Era só a décima vontade, a décima fantasia, a décima intenção, a décima bobagem. Era só o centésimo clarão, o centésimo encontro, o centésimo pulso, o centésimo pensamento. Era só a milésima adrenalina, a milésima moda, a milésima chuva, a milésima estrela. Era só o infinito tempo, o infinito desejo, o infinito silêncio, o infinito ser. ...
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21/06/2015 - Eu todo

Do outro lado de mim há mais de mim que eu possa imaginar. Sou pêndulo, espécie de barco ao mar, que com as ondas, tem sua carga de sonhos jogada pra lá ou cá. Se fosse pássaro, volta e meia, inclinar-me-ia para a direita e para a esquerda, para que o que há de sentimento de ambos os lados chegasse ao coração. Nem sempre o que sou é o meio, pois pendo de acordo com o que sinto, vejo, ouço. E devo confessar que ando sempre penso ao lado da emoção. Se quiser me conhecer realmente deve me olhar por todos os lados e me pegar como um todo não desprezando parte alguma. Deve levar em conta o inteiro de mim, pois há ilhas nesse continente que sou com amor extremamente concentrado que não pode ser ignorado.


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20/06/2015 - Situada

Tudo bem? Como está? Indo além? Vindo pra cá? Tem andado pra lá? O que tem feito acolá? A que vem? Oi? Olá? É dia de boi? É noite de obá? O que se deseja? Ao que luta? Champanhe ou cicuta? A quem beija? Relampeja ou troveja? Bem-vinda! Ao que principia? Ao que finda? Fia-se linda a madrugada. Qual é a sua estrada. Com tem passado? Está mais pra samba ou pra fado? Olhares pelo chão ou olhos alados? Vagueia por lares ou bares? Só ou aos pares? Por caminhos certos ou errados? Tem cantado ou anda calado? Qual é o seu lado?


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19/06/2015 - Ao sol do mar

Coloca o chapéu, seu moço, e vai ver o sol brotar na areia. Tira o véu, dona mocinha, e vamos ver o céu que se incendeia. Não se esqueça dos óculos escuros, mas se esquecer, por favor, fecha os olhos e mergulha fundo no sentimento ao seu redor. Não freia em direção ao mundo que clareia. Serpenteia pelo amor que nos rodeia. Caia na teia do vento e busque nas nuvens o seu alento. Deixa a onda do mar se quebrar nas suas costas. E faça com que seu desejo seja servido em postas. E ao fim de tudo, cego, mudo ou surdo de paixão, diz que gosta de suar e se molhar no corpo da ilusão.


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