Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 43 de 320.

20/09/2015 - Coronel do Bode

Quem é que pode com o Coronel do Bode? Acode, acode que dona Sinhazinha com ele não pode. Ele a sacode e berra feito bode. Não pode, não pode. Dona Sinhazinha merecia um lorde, mas o Coronel, que nem o diabo pode, a fez sozinha, na verdade, fez dela uma ode à solidão. No sertão quem é que implode o império do Coronel do Bode? Pra mode da alegria de Sinhazinha bem que o vento ao invés da chuva podia trazer o lorde. Um lorde capaz de fazer Sinhazinha viúva. Mas enquanto o lorde não vem, Sinhazinha fica à mercê do pagode do Coronel do Bode num compromisso de fio de bigode. E bigode não falta no Coronel do Bode, tanto que quando chove se sacode. E quem é que pode com o bode que berra e morde? ...
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19/09/2015 - Quando o violeiro passou

Quando o violeiro passou tocando sua viola, o asfaltou rachou e pé de tudo quanto é coisa brotou. Quem pedia esmola passou a pedir bis. A cidade se alegrou e até a dor pensou que era feliz. Quem estava sozinho se juntou e quem vivia separo se reencontrou. A música tomou de conta dos edifícios, do primeiro ao último andar, e desfez a impressão de que amar era um bicho difícil. O lixo virou semente. Doente saiu do hospital a dançar. Quando o violeiro passou, sobre o seu cavalo, tocando sua viola, tudo quando foi galo de enfeite cantou. Como circo chegando antigamente, a cidade se enfeitiçou e não falou de outra coisa senão da batida do violeiro que foi absorvida por dentro até mesmo por quem já vivia com o peito seco. A música floriu o beco, plantou sonhos na avenida e revirou a terra dos corações, preparando-os para receber o amor. Quando o violeiro passou de cavalo, viola e chapéu até quem não acreditava em santo, tomou-se de encanto pelas coisas do céu. E quando o violeiro passou, indo-se embora, sem demora a noite caiu e sua viola pintou no céu uma lua de mel. E teve apaixonamentos e entregamentos e casamentos num piscar de segundos como se o amor tivesse chovido no mundo.


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18/09/2015 - Pensando ser pipa

Pensando ser pipa, o moleque subiu. Subiu na cadeira, na escada, na laje. Abriu os braços e esperou pelo vento. E quando ventou forte, correu, como que empinando a si mesmo, e pulou. Caiu. Quebrou o braço. Levou uma pisa da mãe. Perdeu o ano na escola. Mas não desistiu. Insistiu que queria ser pipa. Fez vareta. Caprichou na rabiola. Engomou o papel de seda. Pulou do barranco do macaco e quebrou a perna. Ficou de castigo. Levou um fora da Rosinha, que não queria namorar maluco. Passou um tempo e dando estirão no asfalto tentando pegar embalo com o vento para subir no céu da zona sul foi atropelado por um ônibus. Deu em tudo quanto é jornal. Três meses na UTI. A mãe fez promessa. O menino acordou. Um empresário se comoveu com a história do menino que queria ser pipa e o levou para voar de avião, de helicóptero, de asa delta. O menino ficou agradecido, mas não gostou. Queria mesmo era ser pipa. Cresceu frustrado prometendo para a mãe nunca mais fazer loucura. A mãe morreu. Num dia de vendaval se animou novamente, sentiu que podia. De um arranha-céu, onde trabalhava como pedreiro, correu, abriu os braços e pulou. Fechou os olhos e se sentiu pipa. O vento o sustentou por alguns segundos que pareceram anos inteiros. Não importava se seria seu último voo, se ia se acabar no chão ou nas mãos de algum ladrão. Pipa não pensa, apenas luta para se manter no céu.


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17/09/2015 - Os estouros de Zé Piruá

Zé Piruá é bem moço ainda nos olhos que se encantam com as explosões do milho em pipoca mesmo depois de tantos anos vendo essa transformação dia atrás de dia bem na sua frente. Mesmo com os cabelos branquejados e com os pés tendo perdido a conta de quantos passos já foram dados empurrando aquele carrinho de pipoca pelas ruas do relento, ele faz festa a cada nova estourada. Chega que sua alma dança dentro do corpo de tanta alegria. E quando chega uma criança, seja de que idade for, ele enche aquele saquinho de papel como se enchesse um céu de estrelas. O choro vira sorriso. A birra vira agrado. A fome vira paz. O desejo vira prazer. Zé Piruá, pipoqueiro por vocação, profundo entendedor da natureza da pipoca, sempre diz que o estouro é de dentro pra fora. E assim, pipoqueando pelo mundo, com a sabedoria dos simples, vai empurrando seu carrinho dividido entre pipoca de sal e colorida, para onde lhe manda o vento. E como um homem que se dedica aos estouros tem um apelido encruado, sinônimo daquilo que não deu certo – piruá? Quando alguém lhe pergunta sobre isso a resposta é certeira. Os olhos sorriem e ele diz que é porque assim ele se alembra de que é preciso continuar estourando; Estourando mais e melhor do que estourou até agora. ...
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16/09/2015 - Virando do avesso

Toma minha boca como sua e sai pela rua comemorando o fato de ter colocado entre eu e o tempo o seu retrato. Ouça balbuciar ainda em seus lábios, mesmo que distante de mim, a minha última palavra, já rouca, pedindo para você ficar mesmo sabendo que você não é de atender pedidos. Tropeça nos gatos vadios. É iluminado pelos faróis bêbados dos carros. Ganha cantadas baratas. E mesmo assim vai caminhando para longe de quem nunca lhe foi nada além de uma boca cheia de palavras sem sentido. Nunca entendeu um poema que foi dito aos seus ouvidos ou escritos em suas costas. No começo eu a rejeitei. E depois eu me neguei. E pior, acostumei a me negar para continuar lhe querendo. Comemora em outros copos o fato de ter feito desse homem sem saudade um copo vazio cheio de lembranças.


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15/09/2015 - O seu chão

Não há nada melhor do que pisar o seu chão. Para alguns, o piso da casa, a grama do quintal, a areia da praia, o orvalho do mato, a água do riacho, o tapete do quarto, as costas do seu amor... Os pés buscam raízes invisíveis, conectando o seu agora com um passado muitas vezes desconhecido. Tudo o que está adormecido no seu chão chega a você por meio dos seus pés. Tudo o que brota, cresce e floresce no seu coração ou na sua cabeça vem do seu chão. Quando você se emociona, quando a vida ganha sentido, quando você mergulha num infinito é porque algo está passando do seu chão até você. Não importa se pisa nele de sapato ou descalço, se ele é sólido, líquido ou gasoso, se é bonito ou feio para os outros, se está no solo ou no céu, avesso ou de ponta cabeça, o seu chão é sagrado. ...
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14/09/2015 - As filhas de dona Sinhá

Seu Sinhô coloca o chapéu no peito quando as meninas de dona Sinhá passam pela rua em respeito a sua mãe que foi ter com as estrelas. Paixão antiga daquelas de tirar faísca de pedra, de apostar coração numa roleta, de montar burro xucro em noite de trovoada. Daquelas três meninas nenhuma era filha dele, mas ele tinha respeito como se fosse. Dona Sinhá deu de um tudo para seu Sinhô menos uma vida nova que ele pudesse ver crescer. Como castigo pelo que nem sabe, viu a mulher que amava ir para não voltar e as filhas dela com outros tomando corpo e o mesmo gênio ruim da mãe. Como pecador que não toma jeito, mas respeita tudo quanto é santo, seu Sinhô tira o chapéu pras meninas passarem perfumadas pelas lembranças de dona Sinhá.


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13/09/2015 - Comermorar

Bota a linguiça pra fritar no fio de óleo porque ninguém vai morrer por ter prazer. Deixa dourar, deixa grudar um pouquinho no fundo da frigideira. Corta cebola e se chorar, agradeça a deus por salivar com os olhos diante do que ele criou. Mexe pra lá, mexe pra cá, o gosto já vai pegar. Sobe o cheiro e vale salpicar de salsinha, cebolinha e orégano para marcar o tempero. Cuidado pra não tampar, pois junta água e o caldo vai desandar. Deixa esborrifar nos azulejos, pois não é nada do que você não possa limpar. Sinta o frigir por inteiro. E quando frita e encorpada, solta a língua acebolada no prato e deixa o arroz se lambuzar naquele fundo de frigideira. Depois é só agradecer e comermorar. ...
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12/09/2015 - Nunca vi

Nunca vi ninho de cobra, pito de saci nem mesmo berrante feito de chifre de peixe-boi. Nunca vi rastro de boto-cor-de-rosa nem pé de mafagafo nem riacho que corre de trás pra frente. Nunca vi lagartixa mostrar o dente, rosa dar oi pra espinho e felicidade dar prosa. Nunca vi sobra de brigadeiro, santo sem fé e tacho sem raspa de colher. Nunca vi semente de nuvem, pescador sem saudade e ferrugem que dá e some. Nunca vi homem sem idade, lobisomem sem fome e deus sem coragem. Nunca vi roda de carruagem mover moinho, vinho virar água e lua usar anágua. Nunca vi ovo de sapo, anjo de sapato e galinha que não é boa de papo. Nunca vi pássaro sem asa, caracol sem casa e fogão a lenha sem brasa. Nunca vi estrada que não volta, nó que não solta e abelha-rainha sem escolta. Nunca vi procissão de morcego, jacaré tocando violão, mulher dando sossego ao coração...


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11/09/2015 - Ciranda de lavanda

Ciranda, pequena, cai na minha roda e não se apequena, gira daqui, mira dali, e acerta meu peito com seus olhos flechados de lira. Anda como quem dança. Alcança o céu como criança. Filha de Luanda, de Ruanda, de Uganda, de Aruanda. Dona dos ventos que movem os moinhos da Holanda. Afina o meu coração no ritmo da sua banda. Danda, samba, ganda, ciranda no barracão dos meus olhos que forram o seu chão. Ciranda, dando de banda pra solidão. Manda seu passo, indica seu paradeiro, pontilha meu caminho com seu destino por inteiro. Abranda a minha vida com sua ciranda e deixa-me flertar com você da minha varanda. Ciranda e faz propaganda de que como anda pelo meu corpo num sopro de lavanda.


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