Daniel Campos

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18/09/2015 - Pensando ser pipa

Pensando ser pipa, o moleque subiu. Subiu na cadeira, na escada, na laje. Abriu os braços e esperou pelo vento. E quando ventou forte, correu, como que empinando a si mesmo, e pulou. Caiu. Quebrou o braço. Levou uma pisa da mãe. Perdeu o ano na escola. Mas não desistiu. Insistiu que queria ser pipa. Fez vareta. Caprichou na rabiola. Engomou o papel de seda. Pulou do barranco do macaco e quebrou a perna. Ficou de castigo. Levou um fora da Rosinha, que não queria namorar maluco. Passou um tempo e dando estirão no asfalto tentando pegar embalo com o vento para subir no céu da zona sul foi atropelado por um ônibus. Deu em tudo quanto é jornal. Três meses na UTI. A mãe fez promessa. O menino acordou. Um empresário se comoveu com a história do menino que queria ser pipa e o levou para voar de avião, de helicóptero, de asa delta. O menino ficou agradecido, mas não gostou. Queria mesmo era ser pipa. Cresceu frustrado prometendo para a mãe nunca mais fazer loucura. A mãe morreu. Num dia de vendaval se animou novamente, sentiu que podia. De um arranha-céu, onde trabalhava como pedreiro, correu, abriu os braços e pulou. Fechou os olhos e se sentiu pipa. O vento o sustentou por alguns segundos que pareceram anos inteiros. Não importava se seria seu último voo, se ia se acabar no chão ou nas mãos de algum ladrão. Pipa não pensa, apenas luta para se manter no céu.


Comentários

21/09/2015, por Fabiano:

que texto lindo


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