Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 275 de 320.

01/10/2008 - Um atentado lingüístico

Agora é lei: o presidente bateu o martelo em relação as novas regras na língua portuguesa. Vamos ter que desaprender a escrever. Afinal, quem escreve errado saiu ganhando. Já imaginou escrever idéia sem acento? E abolir o trema dos textos? Mais do que uma questão fonética, o trema confere uma outra beleza ao texto. Uma beleza que, graças ao Lula, está praticamente extinta. É claro que restarão os românticos do trema, mas a tendência é eles desaparecerem um a um.

Há tanta coisa para ser feita e a maior autoridade do país resolve acabar com um inofensivo trema. Se ao contrário daqueles dois pontinhos horizontais fosse um colarinho branco, garanto que o Lula não teria mexido com ele. Pois é, o trema caiu. E com ele, alguns acentos agudos e circunflexos, os populares risquinhos e chapeuzinhos. Agora, o que vale é enjoo, abençoo, deem, leem. Há ou não a sensação de que as palavras estão peladas?...
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30/09/2008 - Uma outra cidade

Eu não entendo a língua dos brancos. Eu não vivo nos brancos da página. É melhor viver no negro, no azul, no vermelho das palavras que tingem a brancura desta cidade de papel. Mas essa cidade é secreta, feito uma terra que já virou lenda. Ao menos, para os olhos dos brancos. E é assim que passo os meus dias, moendo o açúcar das palavras em busca dessa cachaça poética, que pinga dos tonéis e é levada por meus pensamentos no gemer dos carros de boi. Passo os dias dançando em busca da chuva das palavras, invocando o Tupã das palavras, caçando e colhendo a alma das palavras. ...
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29/09/2008 - Uma floresta no meu quintal

No meu quintal tem sibipuruna, tem, tem árvore da fortuna, tem, tem buriti, tem, tem pequi, tem, tem palmeira e figueira, tem. Tem, tem, tem uma floresta no meu quintal. Tem unha-de-vaca, alfavaca, imbê e guaimbê e até um abacaxizal no fundo do meu quintal. Tem tucum e urucum. Tem ipê-do-morro e carrapicho de cachorro. Tem mamona e azeitona. Tem hibisco e tem chuvisco. Tem flamboyant e hortelã. Tem boldo e pau de dar em doido, tem manacá-da-serra, tem ingá, tem cajá, tem jatobá, tem araçá e muita fartura na pintura do meu quintal a la Lasar Segall. ...
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28/09/2008 - Tempo, temporais

No fundo da minha retina surge uma quarta-feira amarelada, perdida no tempo de uma cidadezinha com cheiro de capim molhado. Entre o vai-e-vem do dia, o relógio confecciona as fiadas da tarde. Estou no centro da cidade. Já passei por lojas, carros, agências bancárias, banca de revista, palmeiras, bancos de madeira, coreto e um chafariz seco. As águas coloridas só chegam à época do Natal. E estou longe do dia 25 de dezembro. Não sei se é outono ou inverno. Estou em uma outra estação. E meu trem já está partindo, indo entre memórias e pensamentos....
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27/09/2008 - Telemarketing? Eu não!

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26/09/2008 - Amor esotérico

Eu vejo você no fundo da bola de cristal. Eu leio seu corpo na borra do café. Eu aposto nesse amor nas cartas de tarô. Eu me interno nas fendas dos seus búzios. Eu me desenho na conjunção de seus astros. Eu me banho em suas ervas. Eu me exorcizo em seus cristais. Eu sigo seu perfume, incenso solto pelo ar. Eu danço em passos indígenas, tupi, pataxó, karajá, em busca da sua chuva. Eu chego a alfa, beta, ômega em seus braços. Aos seus ouvidos, repito o mantra: te amo, te amo, te amo...

Eu me atiro às linhas da sua mão. Eu tento ser o seu anjo da guarda. Eu me insiro em seus sonhos. Eu apelo às simpatias para lhe ter perto e mais perto e mais perto. Eu queimo em vela para arder ao seu lado. Eu pergunto para o espelho mágico sobre seu paradeiro. Eu coloco a nossa sorte dentro de um biscoito chinês. Eu amo seu paraíso, seu purgatório e até seu inferno astral. Eu amarro você num trabalho sem volta. Eu consulto o oráculo e sigo seus passos. A cada noite, eu giro no ciclo da lua e desvendo-lhe bela e nua. ...
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25/09/2008 - Olho obeso

Tem gente de olho no nosso pão. Tem gente de olho no nosso chão. Tem gente que tem olho de cão. Cão vira-lata, fura-saco, pidão. Zóio ruim, zóio gordo, zóio de seca pimenteira. É a marvada inveja que ralha e atrapalha. É o pecado capital que ninguém segura, que não tem cura, que chega a dar tontura. É uma mistura de raiva e tristeza no desejo de ter o que o outro tem, de ser o que o outro é, de fazer o que o outro faz. Cuidado, o mal olhado é o sentimento do ressentimento que nem o vento joga pro lado. ...
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24/09/2008 - Vale a pena ser feliz

Era um trapo, era um prato, era um pato na lagoa nadando a toa, boiando numa boa. Era um gira-mundo, era um vagabundo, era um moribundo ao vento querendo, se vendo, morrendo num sentimento fundo, mais que profundo. Era um manto, era um santo, era um canto de amor total ferindo, frigindo, agindo no furor letal de um carnaval que foi vindo num passo, indo num contrapasso e sumindo num compasso carnal de espaço sideral, de traço espiritual e de laço bucal.

Era um dia, era uma alegria e era uma fantasia tomando a avenida da vida de poesia lida, vivida, sentida. Era um nó, era um dó e era um só numa era de felicidade que vai, ai quem dera se não existisse a saudade e se a fera não insistisse na vaidade de uma vontade primavera. Era um mar, era um lar, era um luar no meio da rua, no meio da lua, no meio da tua ciranda que anda e desanda sem parar. Era um fio, era um arrepio, era um rio correndo, moendo, doendo na gente, de repente, tão somente a gente. ...
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23/09/2008 - Ratatatá

O rato roeu a roupa do rei de Roma e agora está roendo uma bandeira verde e amarela que encontrou debaixo da linha do Equador. O rato roedor vai roendo o verde das matas que ainda restam em pé e o amarelo ouro das carteiras e bolsas dessa gente de fé que trabalha de suor a suor. O rato não poupa nem mesmo os azuis daqueles que ainda sonham com estrelas, céu e horizonte. E a faixa com a inscrição ordem e progresso já foi rasgada, triturada, tombada pelo rato que ora tem cabelos grisalhos, ora tem barba, ora tem óculos, ora veste saias e atende pelo nome de ratazana. Rato mora em palácio, come queijo suíço e faz ninho em linho egípcio. ...
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22/09/2008 - Alô, alô, marciano!

Alô, Alô, marciano, aqui quem fala é da Terra! Tô ligando para saber se tem um lugarzinho para gente aí. Falam que vocês são estranhos, com pele verde e antenas no meio da cabeça, mas tenho a certeza de que não vão se negar a receber um terráqueo cansado de guerra. Prometo que não vou levar nenhuma dessas pragas apocalípticas que estão correndo soltas por aqui. Se quiser, desço do meu foguete descalço para não correr o risco de infestar Marte com essa poeira do caos que se espalhou pela crosta terrestre. ...
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