Daniel Campos

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30/09/2008 - Uma outra cidade

Eu não entendo a língua dos brancos. Eu não vivo nos brancos da página. É melhor viver no negro, no azul, no vermelho das palavras que tingem a brancura desta cidade de papel. Mas essa cidade é secreta, feito uma terra que já virou lenda. Ao menos, para os olhos dos brancos. E é assim que passo os meus dias, moendo o açúcar das palavras em busca dessa cachaça poética, que pinga dos tonéis e é levada por meus pensamentos no gemer dos carros de boi. Passo os dias dançando em busca da chuva das palavras, invocando o Tupã das palavras, caçando e colhendo a alma das palavras.

Eu pinto meu rosto na tintura das palavras. Pinto-me de guerra. Pinto-me de amor. São tantos ritos e rituais e, entre eles, os sentimentos andam nus, sem quaisquer pudores. O pajé da rima me cura da febre que nos faz suar de uma falta de poesia. Na cidade das palavras é assim. Os espíritos andam soltos e vão passando pelas ocas e pelos ocos da nossa existência. E eu vou bebendo o sangue dos guerreiros que, na verdade, são palavras de fé, de coragem, de esperança. E os versos lidos vão ficando pelo caminho, como antepassados, como sementes de milho no meio da lavoura da escrita.

Eu sou desta cidade sem dono. As palavras são minhas e, ao mesmo tempo, não o são. Não dá para saber quem foi o primeiro a tê-las em sua rede. Só sei que eu saio de jangada, de estrofe em estrofe, neste rio poético que me irriga. Um rio que é sempre cheio. Também não sei quem vai surgir depois de mim. Nem o cacique sabe a próxima linha. Essa tribo feita de palavras e sentimentos, que estão além do mundo dos brancos, pertence ao mundo dos mistérios. As cidades da poesia não são minhas, as terras da poesia não são minhas, as árvores da poesia não são minhas. Mas eu vivo e quero morrer em seus veios.


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