Daniel Campos

Prosas

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Encontrados 3193 textos. Exibindo página 108 de 320.

18/11/2013 - Furo

O rato fura o queijo enquanto a língua fura o beijo enquanto o gato fura o lençol enquanto o espinho fura o sapato enquanto o bandido fura a mocinha enquanto a catinga fura a rainha enquanto o farol fura a escuridão enquanto o vinho fura a lucidez enquanto a oncinha fura o arrependido enquanto o desafinado fura a canção enquanto o tarado fura a nudez enquanto o querubim fura a nuvem enquanto o berro fura a quietude enquanto a ferrugem fura o ferro enquanto o rude fura o jardim enquanto o relâmpago fura o céu enquanto o âmago fura o raso enquanto a raiz fura o vaso enquanto a escrita fura o papel enquanto o vigarista fura o véu enquanto o aceleramento fura a cadência enquanto a presa fura a inocência enquanto o sentimento fura o coração enquanto a ausência fura a estrada enquanto a estrela fura a madrugada enquanto o coral fura a embarcação enquanto o canivete fura o embornal enquanto o pivete fura o sinal enquanto o aço fura o peito enquanto o defeito fura a qualidade enquanto o passo fura a estrada enquanto o marcapasso fura a saudade enquanto o cachorro fora o lixo enquanto a fome fura o bicho enquanto o lobisomem fura a donzela enquanto o seresteiro fura a janela enquanto o prisioneiro fura a cela enquanto o dia fura a noite enquanto o açoite fura a fantasia enquanto a praga fura a maçã enquanto a descrença fura a chaga enquanto a doença fura a rã enquanto a solidão fura a consciência enquanto o cigarro fura o pulmão enquanto a maledicência fura a lã enquanto o pecado fura o barro enquanto o lado fura o outro lado.


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17/11/2013 - É chegada a partida

Se nunca mais ouvir falar de mim, tampouco eu mesmo falando de mim, não se desespere. Se nunca mais ler um texto meu, não se preocupe. Se nunca mais se achar pelas minhas palavras, não chore. Se nunca mais escutar a minha voz escrita em algum canto, não grite. Se nunca mais me vir caminhando pelas linhas afora, não se aborreça. Se nunca mais tropeçar nos meus versos, não soluce. Se nunca mais encontrar minhas vírgulas, não adoeça.

Eu sou um cavaleiro da poesia e, como tal, preciso partir com a mesma ausência de avisos e sinais que marca a minha chegada. E como as chegadas, as partidas também tem um propósito maior, mesmo que desconhecido por enquanto. Porém, um dia tudo será compreendido como o melhor que tinha a ser feito. Sou um cavaleiro que, dada sua missão por cumprida, seja de salvar ou matar uma princesa, parte em direção a outros reinos. ...
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16/11/2013 - Aberta a temporada do esquecer

Esqueça tudo o que traz a dor, o desassossego, o risco. Esqueça o que não pode nem deve ser lembrado. Esqueça o que não foi e não era para ter sido. Esqueça o que, de fato e para todos os efeitos, não aconteceu. Esqueça o triste e suas adjacências. Esqueça o verbo que não conseguiu ser conjugado. Esqueça o sentimento mais doído. Esqueça o mundo imaginário e todas suas consequências não menos imaginárias.

Esqueça o que, mesmo sem querer, faz sofrer. Esqueça o dia perdido. Esqueça o tempo desencontrado. Esqueça a brincadeira feita pelo destino nas tramas de nossas vidas. Esqueça o desejo pela impossibilidade. Esqueça a vontade de querer estar junto do que nasceu para ser separado. Esqueça o amanhã que nunca chegará. Esqueça os lugares comuns, que mesmo comuns, são de um só por vez. ...
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15/11/2013 - Amorencontro

Corpos abraçados. Rostos colados. Beijos grudados. Costas protegidas. Dedos laçados. Pernas encaixadas. Peitos orvalhados. Pés encontrados. Mãos alinhadas. Desejos roçados. Fragrâncias misturadas. Olhos espelhados. Cabelos misturados. Unhas unhando. Pelos arrepiados. Gritos sufocados. Fantasias compartilhadas. Braços fronteiriços. Sexos aflorados. Carnes febris. Coreografias cúmplices. Sorrisos beliscados. Pulsações compassadas. Movimentos lentos. Frissons de batom. Músculos alongados. Ossos estalados. Ombros apoiados. Texturas trocadas. Espaços preenchidos. Suores perfumados. Peles afloradas. Maçãs rubras. Sentimentos despidos. Hormônios transbordantes. Declarações impregnadas. Lábios casados. Colos dados. Luas meladas.


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14/11/2013 - Sereias de Iemanjá

Salve as sereias de Iemanjá que se movimentam como as ondas do mar. Salve as sereias que fluidificam as águas onde os espíritos são tratados. Salve as sereias de sangue azul como a água celestial. Salve as sereias que movimentam as mãos como brisa e cantam como um choro, muitas vezes silencioso, mas não menos encantador. Salve as sereias e suas silhuetas encantadas. Salve as sereias e suas emissões de ectoplasma e luz. Salve as sereias que brilham como água refletindo a luz do sol e da lua.
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13/11/2013 - Coraçãonismo

Que coração algum fique escondido. Que seja revelado o retrato de todo e qualquer coraçãozinho. Que os corações deixem os ninhos, as tocas, os becos, os quartos escuros. Que os corações caminhem livremente pelos olhos, sem medo da inocência ou da maledicência. Que os corações se alimentem de outros corações num canibalismo saudável. Que as constelações dos corações pequeninos e também dos grandes e grandiosos corações guiem e estampem nossos espíritos e nossos corpos por uma vida de apaixonamento. ...
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12/11/2013 - Mais do mesmo amor

O amor tem pressa, mas sabe esperar pelo tempo de amar livremente e amar, somente, amar. O amor quer ficar junto mesmo quando junto e não teme qualquer distância ou distanciamento. O amor sabe o que quer e planeja, por mais que ninguém veja, seus encontros e reencontros. O amor fala a língua dos que amam, e amam demais, no silêncio dos olhares escritos e benditos em palavras.

O amor fica suspenso no ar, orbitando com estrelas e astros, na ilusão de que ninguém o poderá alcançar. O amor é urgente, polivalente e persistente para conseguir chegar aos corações mais íngremes e restritos. O amor nunca se cansa do ato de amar que se repete sem se repetir nos palcos à flor da pele, sempre estreando, sempre inédito, sempre aplaudido mesmo quando não compreendido.


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11/11/2013 - O sol de Obatalá

E pelas trevas e cegueiras, o sol de Obatalá raia num novo amanhecer. Obatalá, Obatalá entoam as bocas doutrinárias aos primeiros raios de luz que descem à Terra e ao espírito rompendo a escuridão. Obatalá é o novo começo. Pelos olhos ainda incrédulos, a ninfa sol passa de vestido longo pela penumbra da estrada por onde caminha a nossa personalidade como vela acesa. E eis que então o sol de Obatalá queima de dentro pra fora.

E tudo rodopia quando surge o sol de Obatalá com suas forças giradoras. De repente, forças centrífugas e centrípetas tomam de conta e passam a reger o mundo interior. E há um balé de emoções e descobertas em torno do Eixo Solar. A cada giro, ganham corpos a luzes da razão e do entendimento, da compreensão e da confiança. E cada cabeça passa a ser extensão do sol maior, regido pelo Ministro Obatalá. ...
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10/11/2013 - O que sou

Que eu possa ajudar quem necessita. Quem está perto e quem vem de longe. Ajudar sem vaidade ou cobrança. Não posso ser nada além de alguém querendo ajudar. Quero trabalhar para aliviar corações, indicar caminhos, curar a dor que médico algum desta terra consegue tratar. Hei de estar sempre pronto para auxiliar sem impor condições ou fazer (pre)julgamentos. Não tenho o direito de querer mais nada, apenas o de trabalhar com amor, humildade e tolerância pelo tempo que me foi dado.

Que eu não me afaste do caminho que fui escolhido para seguir. Que revoltas e descrenças não me impressionem. No meio de muitos que querem ser grandes, hei de ser pequeno. Hei de ser por todos os dias um aprendiz. Que ao buscar a luz eu também possa iluminar. Que ao beber do amor eu também possa alimentar. Que ao trabalhar pelo próximo eu também possa ser trabalhado para ser alguém melhor. ...
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09/11/2013 - Pequeno tratado sobre o ciúme

O ciúme embaralha os sentidos. O ciúme zombe e fala absurdos aos ouvidos. O ciúme é, quase sempre, abusado. Ninguém controla o ciúme, e os que dizem o contrário – mentem ou não amam. O ciúme é fera traiçoeira. Perfume do amor? Só se for uma essência de tempestade, de redemoinho ou de pimenta malagueta. O ciúme faz chorar um choro quente e ferino. Quantas guerras surgem pelas mãos do ciúme?

E que ciúme não seja confundindo com desconfiança, que é mais ação do que reação. O ciúme reflete uma situação, uma circunstância, um estado... É mutante, por isso não se apresenta sempre da mesma forma e com igual intensidade. Por essas e outras, a exemplo do amor ninguém dimensiona o ciúme sentido. Aliás, amor e ciúme se refletem entre semelhanças e distorções no mesmo espelho. ...
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