Daniel Campos

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Encontrados 261 textos. Exibindo página 25 de 27.

Saudosismo

Saudade de quando a saudade era só mais uma profecia, como tantas outras que não se cumprem. Saudade do tempo em que você vinha, e o seu vir tinha uma elegância nunca dantes vista. Saudade daqueles saltos que deixavam a sensação de que a qualquer instante riscariam o piso em passos de tango. Saudade daquele sorriso que começava a se desenhar lentamente em sua boca e que morria vagarosamente em outras bocas, saudade, (confesso que até hoje, guardo alguns desses sorrisos intactos, por mais que o tempo ouse roubá-los). Saudade daquele olhar que tombava longe, tão longe que me fazia acreditar que a vida era possível. ...
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Se é amor

Se é amor, eu quero continuar até o fim, se é que existe fim. Se é amor, eu quero uma confirmação a cada instante. Se é amor, desde já me confesso a sua vontade. Se é amor, pode me pedir o que bem quiser. Se é amor, pode me dispor do que achar necessário. Se é amor, quero quebrar distâncias, todas as distâncias em suas formas e conteúdos. Se é amor, nenhum sonho pode ser dado como perdido. Se é amor, é preciso contar segredos sobre nós dois. Se é amor, ninguém pode e deve nos convencer do contrário. Se é amor, todas as esperas hão de ser benditas. ...
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Se eu morrer de amor

Se eu morrer de amor, quero fazê-lo só depois de amanhã, quando, enfim, possa me despedir com plena calma da criatura amada. Que o amanhã seja longo para ter tempo de dizer tudo o que angustiei no cárcere das minhas cordas vocais. Falar, murmurar, recitar... Da maneira mais natural possível, só para ver cada reação dela a uma nova revelação, a uma nova palavra, a um novo eu. Se eu morrer de amor... O amanhã deve ser saboreado numa degustação refinada e demorada, a fim de apagar o dissabor dos encontros idealizados. Definitivamente, o amanhã precisa tender ao infinito para que a despedida não seja inacabada, nem tenha perspectivas de volta, sendo última sem nunca ter sido primeira. A despedida, obrigatoriamente, não deve selar o fim, apenas uma espera do amor. A espera pela mulher amada. Se eu morrer de amor... Escorrerei meus dedos descrentes sobre toda a superfície concreta do seu corpo, para lembrar a causa do meu amanhã derradeiro. ...
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Se você a encontrar

Se você a encontrar, esconda-se, por alguns instantes, e tente capturar o universo singular que a cerca. Se você a encontrar, em nenhum momento tenha a ilusão de que ela não está ou estava lhe observando. Se você a encontrar, não tenha medo de ter medo. Se você a encontrar, siga-a por onde for (ah conta-me os passos dela), mesmo que jamais conseguia segui-la por completo. Se você a encontrar, traga-me o que ela lhe deixar trazer. Se você a encontrar, diga tantas coisas já ditas, ou melhor, diga o silêncio (um silêncio com ares de reencontro). Se você a encontrar, analise as suas frases semanticamente, psicologicamente e vinicianamente. ...
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Seguindo em frente

Ela tinha uma mochila nas costas e uma série de caminhos na cabeça. Caminhos de alto relevo, de montanhas íngremes, de desejos, de oceanos. Seus olhos, como dois marujos postos naqueles mirantes de um navio, projetavam-se sempre à frente. Terra à vista. Aventura à pista. Paixão à vista. Ela e sua mochila rosa. Mas não era um cor-de-rosa qualquer, era um rosa choque. Mais do que uma cor, era uma sina. Se plantasse flores, colheria rosas choque. Se usasse batom, lambuzaria seus lábios de rosa choque. Se usasse camisola, seria rosa choque. ...
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Sem rumo

Não sei quem sou. Sei que ando. Não sei o rumo. Piso em folhas secas que não agüentaram esperar pela primavera e que os jardineiros não tiveram pressa para varrer. Ouço vozes. Olho para os prédios e só vejo vida nas luzes que ultrapassam os vidros das varandas. Janelas. As vozes pareciam ser do concreto. Mais a frente, um cachorro me olha desconfiado. Mais a frente ainda, um grupo de seis meninas ensaia uma coreografia. Passos para lá. Passos para cá. E meus passos são para frente. Para frente rumo ao passado. Ao passado do futuro. ...
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Sem saída

Sem saída. Eis o estado que define a mulher que nem se valera do último amor nem se livrara dele. O último romance não foi o suficiente para fazê-la feliz e era mais do que suficiente para impedi-la de se apaixonar novamente. Ora parecia querer amar de novo ora queria reviver o caso mal resolvido. Queria voar outros céus, beijar outras bocas, entregar-se a outras entregas, mas não tinha coragem de trair o que não conseguia chamar de passado.

Não acreditava mais naquele amor, mas não o desacreditava. Não sabia por onde sair. Pedia conselhos à mãe, à irmã, aos amigos mais próximos, mas tudo girava dentro da sua cabeça e ela não chegava a lugar algum. Na verdade, o que ela mais queria é que ele terminasse esse pseudo-namoro. Ela ficaria com raiva, num choro só, mas depois poderia re-começar, tentar de novo com outro alguém. Afinal, não gostava de ficar sozinha. E isso era o que mais lhe incomodava. Aquele velho ditado ? antes só do que mal acompanhada ? não fazia o menor sentido para ela....
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Sem tempo

Um alambique de pinga abandonado queria dizer-me que tinha ali, entre seus tonéis, litros de passado... Os tijolos à vista estavam escuros pela baba dos musgos. A chaminé, ainda alta, me aguçava uma vontade de escalá-la, de interrogá-la, de encher os pulmões com o teu resto de fumaça. Ela devia guardar tantas coisas em seu vazio escuro. Tenho certeza de que nenhum papai-noel jamais descera por ali. Eu seria o primeiro a desvirginar aquelas paredes de fuligem. Paredes que não mais deveriam saber o gosto da pinga. ...
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Serenata

As estrelas quase não teriam mais o que conversar. As janelas, fechadas, guardariam segredo. A rua, vazia, aos poucos sumiria em si mesma. Nem as sombras do céu brincariam de roda no meio da rua. Os cachorros dormiriam e nenhum felino se equilibraria sobre os muros. As árvores de tão quietas pareceriam enfeites. De fato, ninguém ousaria esperar mais nada daquela noite alta. Seria uma noite como tantas outras noites. Uma noite de sono. Uma noite qualquer. Mas quando menos se esperasse... da rua surgiria uma nota. E depois outra. E mais outra. ...
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Sete dias de espera

Muito obrigado, dona Adélia, por ter me esperado. É claro que a UTI não é o melhor local para se receber uma visita, mas sei que foi o melhor que a senhora pode me oferecer naquele momento. Sou grato por ter me ofertado seus últimos instantes, seus últimos sorrisos, suas últimas lágrimas. A senhora só esperou uma palavra, um aperto de mão, um beijo meu para seguir seu caminho. Missão cumprida, não é dona`délia?

A senhora me esperou mais uma vez, assim como me esperava para as polentas com frango as quintas-feiras à noite, às missas nas alvoradas de domingo, às feiras aos sábado, às limpezas de casa as quintas-feiras. Ah... vivi-a diariamente. Por quantas às vezes a senhora me esperou de marmita pronta para eu ir ao sítio, para lhe trazer o dinheiro da aposentadoria, para replantar seu jardim de margaridas, para pintar seu cabelo, para me dar a hóstia consagrada, para fazer aquelas taxadas de doce de banana ou sabão de barra ou para, simplesmente, jogar conversa fora? E eu nunca lhe deixei na mão, não foi? Desta vez não seria diferente. ...
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