Seguindo em frente
Ela tinha uma mochila nas costas e uma série de caminhos na cabeça. Caminhos de alto relevo, de montanhas íngremes, de desejos, de oceanos. Seus olhos, como dois marujos postos naqueles mirantes de um navio, projetavam-se sempre à frente. Terra à vista. Aventura à pista. Paixão à vista. Ela e sua mochila rosa. Mas não era um cor-de-rosa qualquer, era um rosa choque. Mais do que uma cor, era uma sina. Se plantasse flores, colheria rosas choque. Se usasse batom, lambuzaria seus lábios de rosa choque. Se usasse camisola, seria rosa choque.
Mas não era daquelas meninas mimadas que querem tudo rosa e só isso era o suficiente para lhe tirar do lugar comum. Ela era rosa choque por natureza. Não só na plástica, mas em tudo o que aquela cor de uma feminilidade forte pudesse significar.
Alguns palmos acima da cintura baixa de sua calça jeans surrada seus peitos apontavam para frente como as flechas dos nativos que moravam em sua cabeça. Apontavam para frente como seus olhos e como seus pés, que graças a uma sandália tão baixa quanto uma depressão geográfica, deixava-a o mais próximo possível do chão. E era assim que gostava. Gostava de ter os pés no chão, de seguir sentindo a textura, o perfume, a temperatura e, até mesmo, a pulsação do solo.
E como o solo pulsava sobre seus pés. O chão tremia de nervoso. A terra chegava a ter arritmia ao sentir aqueles pés. Era uma atração física, química, umbilical. Sua mãe sempre dizia que ela, de tão precoce, andou antes mesmo de falar. Andou com sete meses. E a primeira palavra, quando aprendeu a falar, foi também a que mais pronunciou ao longo da vida ? "patiar", ou seja, passear. Ela sabia conjugar o verbo passear de trás pra frente e de frente pra trás. Gostava de seu som, de sua fonética e, principalmente, de seu sentido.
Estava sempre pronta para uma viagem. No fundo de seus olhos, álbuns e mais álbuns de fotografias. No seu cérebro, uma bússola natural. O seu único problema é que como ia em frente demais, suas viagens eram todas sem volta.
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