Daniel Campos

O Castigador


2010 - Romance

Editora Auxiliadora

Resumo

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01/10/2010 - Capítulo 55

Visitas e revisitas

Os noticiários estampam que Sebastian continua sem comer e que ao contrário de falar com advogados, investigadores e familiares prefere conversar com espíritos. Um policial, cujo nome foi preservado, informou que o detento está em jejum absoluto e que passa horas conversando sozinho na cela. Assegurou ainda que, em certos momentos, ele chega a ficar em transe.

As opiniões divergem a respeito da postura adotada por Sebastian durante sua prisão cautelar. Para alguns, o promotor quer apenas chamar atenção, fazer cena, fingir um estado para tentar burlar uma futura condenação. Para outros, ele precisa ser internado com urgência, pois está louco. Para outros ainda ele é um bruxo, um fanático religioso e, até mesmo, um santo.

Afastado desse cenário de especulação, Sebastian recebe um ciclo de visitas. Cinco visitas que lhe levam do espanto ao contentamento, que lhe fazem pensar, que lhe indicam caminhos. Cinco visitas que lhe trazem indignação e resignação, que misturam ainda mais razão com emoção. Cinco dilemas, cinco provocações, cinco visitas.

A primeira, de um repórter que conseguiu furar o cerco montado na frente da delegacia. Trabalha em um grande jornal, poderoso tanto política quanto economicamente falando. Independentemente de como ele conseguiu esse feito, o fato é que está ali, com um gravador apontado para a boca de Sebastian.

O prisioneiro está vestido com roupas que nem de longe lembram à vaidade do promotor. Os ternos bem cortados, as gravatas finas, os sapatos lustrosos deram lugar a um macacão folgado e sem cor, além de chinelos de dedo.

Aquela salinha composta por uma mesa e quatro cadeiras azuladas só ecoa uma voz. Sebastian silencia se recusando a falar sobre qualquer tema. Diante do bombardeio de perguntas, fica em silêncio, com a cabeça baixa ligeiramente apoiada no cerrar dos punhos.

Determinado a conseguir suas respostas, o jornalista ofende, instiga, bate na mesa, desiste e vai embora.

Em seguida, entra aos prantos uma mulher que ele desconhece. Ela quer que ele diga se a filha, que morreu ao tomar uma medicação errada, está bem. Sem querer a mãe havia envenenado a filha de oito anos. Confundiu os remédios. Depois de seis dias internada, a pequena não resistiu. Agora, quer saber se ela conseguiu alcançar a paz, se ela a perdoou. A mãe traz consigo uma foto da menina. Uma fotografia que o promotor ignora.

Ele não quer ser confundido com um milagreiro, como alguém que é capaz de tudo. A tal senhora não lhe dá ouvidos e insiste. Diz que acredita nele e que pensou que poderia ajudá-la. De forma seca, Sebastian diz que não é santo e que não poderia fazer nada. Pede para que ela o deixe em paz e procure um centro espírita.

Num gesto de desespero a mulher gruda no braço dele, abre sua mão e coloca ali uma medalhinha de San Javier. Diz que é a medalha que a filha usava desde o nascimento. Com lágrimas, pede para que ele ceda e reze por ela, para que diga que tudo não passou de um acidente, para que exponha o amor ferido de mãe.

O promotor se espanta com a semelhança entre as pronúncias de Javier e Jhaver. San Javier é a forma como muitos chamam São Francisco Xavier, isto é, San Francisco Javier.

- Eu sei que você pode. Sei que já perdeu um filho. Sei que tem uma luz especial... Por favor, tenha compaixão... Por San Javier...

Sem reação, Sebastian fecha os olhos, concentra-se e faz uma oração pedindo paz para o espírito daquela menina. Tenta se conectar aquela imagem. Pede ajuda dos espíritos de luz.

Depois de alguns instantes, aquela senhora de cabelos curtos e rosto machado soluça e sorri no mesmo pranto. Ajoelha-se e beija a mão do homem que está em sua frente num gesto de agradecimento. Sebastian a levanta e pede para que ela se acalme. Na verdade, não sabe o que falar. Aliás, não sabe a razão de tudo aquilo.

Diante daquela barulheira, surge um policial dizendo que o tempo concedido para aquela visita havia acabado. Ela sai dizendo:

- Eu posso sentir a presença dela aqui. A minha filha veio me ver. Sinta esse perfume. Amoleça seu coração. Você pode ajudar muita gente. Basta acreditar no dom que Deus lhe deu. Não desanime e lembre-se de que quem se humilha um dia será elevado. Como é bom sentir essa paz depois de todo esse tempo de amargura.

Essa cena causou um alvoroço, alimentando as opiniões que taxam Sebastian de santo e de golpista.

A segunda visita é de Celeste. Ela chega trazendo um envelope e uma desconfiança no olhar. E ela quebra o clima pesado com um amontoado de perguntas:

- Como você está? Estão te tratando bem? Você precisa de alguma coisa? Quer que eu vá embora?

Sebastian se lembra da conversa que teve com Jhaver. Naquela oportunidade, o anjo tratou de avisar sobre essa visita e deu alguns conselhos. É com base neles que constrói sua resposta:

- Eu agradeço a sua visita. Eu lhe quero muito bem, mas precisamos esclarecer algumas coisas.

- A vida é mesmo engraçada: infelizmente devo admitir que estou até aqui para ouvir tudo aquilo que não quero ouvir.

- Eu tenho muita admiração por você. Muita mesmo. Admiro a sua força de vontade, a sua coragem, o seu trabalho. Porém, sou apaixonado por Malena. Paixão esta que rege a minha vida. Reconheço que cometi alguns erros, que não soube cultivar direito esse sentimento, mas tenho certeza de que estou passando por tudo isso para apreender. O que mais quero nessa vida é reconquistar a minha esposa.

- Por isso vim aqui me despedir. Preciso passar um tempo fora, colocar meus pensamentos em ordem. Lembra aquela casinha que lhe ofereci para se esconder?

- Sim.

- Eu vou pra lá. É o melhor a fazer antes que a situação complique ainda mais. Já pensou se um desses tantos jornalistas que estão lá fora me fotografar e colocar como manchete: Sebastian recebe visita da sua amante?

- Nem brinque com isso. Somos apenas amigos.

- Desde a primeira vez que lhe vi no velório de meu pai senti que alguma coisa aconteceu. Quando você me abraçou percebi que tínhamos laços. Senti necessidade de me aproximar de você. No entanto, ser sua amiga é pouco. Sofro demais ao lhe ver, ao saber que não posso ser amada da mesma forma que amo.

- Eu lhe quero muito bem, menina. Mas não posso corresponder aos seus sentimentos. Mas também não quero lhe atrapalhar, afastar você de seu caminho. Somos adultos, podemos resolver isso com uma boa conversa.

- Você acha realmente isso? Que é possível dar cabo de um sentimento com duas ou três palavras?

- Não!

- Pois bem. Além do mais, não precisa se preocupar. Tenho alguns parentes morando lá. E quanto ao trabalho que desenvolvo, existe um centro espírita muito legal na cidade. Posso continuar desenvolvendo minha missão com as crianças de lá. Será bom para o meu processo evolutivo.

- Talvez esteja apenas fragilizada com a morte de seu pai.

- Por favor, não subestime o que sinto.

- Desculpe, não quero lhe ofender. É que eu não consigo entender como isso foi acontecer. Talvez você possa ter entendido mal alguma atitude minha.

- É uma pena que você não se lembre de nada, mas já é a segunda vida que você diz não ao meu amor em nome do que sente por Malena. Da outra vez éramos casados e você me deixou para seguir com ela.

- Eu não sei o que dizer...

- Não precisa dizer nada. Eu é que preciso aceitar de uma vez por todas que você e Malena são almas gêmeas. É uma situação difícil, mas eu vou superar. Daí, quem sabe, eu possa voltar. Na verdade acho que vou correr mundo. Preciso conhecer pessoas, lugares, costumes. Sempre vivi muito amarrada aqui em Buenos Aires. Talvez isso tenha acontecido para me libertar. Um dia talvez eu agradeça por esse empurrão que está me dando.

- Você ainda é jovem. Tem muito tempo para...

- Por favor, não diga mais nada.

- Como quiser.

- Se precisar que eu testemunhe em sua defesa no julgamento é só me avisar. O pessoal do centro espírita tem o meu telefone, o meu endereço.

- Eu agradeço, mas acho que não será preciso.

- Antes de ir queria lhe entregar isso. É uma pintura mediúnica. Não sei direito o que é e nem a razão de ter pintado isso. Espero que, ao menos, você consiga entender.

Celeste segura na mão de Sebastian e olhando no fundo de seus olhos ela deixa escorrer pelo rosto a despedida. Em silêncio, deixa o local.

O promotor fica engasgado com essa situação, ainda mais por saber que havia sido casado com Celeste em outra vida, mas não poderia mentir. De fato, ele ama e vive pelo amor de Malena. E é por esse sentimento que ele pretende dedicar o restante de seus dias. Talvez essa situação com a filha de Gastón só veio para provar, de fato, o que ele quer para sua vida.

Ele abre aquele embrulho e encontra um caderno. Mas não é um caderno qualquer, é um caderno grande, com muitas páginas, e com a capa pintada a óleo. Uma capa emblemática. A figura de um anjo negro ou coberto por uma sombra negra num fundo vermelho violeta.

Além da suposta figura de Jhaver, há o seguinte título: O Castigador.

Não há mais nada escrito, somente folhas e mais folhas em branco.

No envelope há ainda canetas.

O recado está mais do que claro. Há uma história a ser contada e somente quem viveu na pele grande parte dela poderia fazer isso.

Mas como? Sebastian não é escritor. Escreve somente a arquitetura de um processo, numa linguagem jurídica. Também produz alguns artigos de Direito para jornais. Como poderia escrever um livro?

Para sedimentar esse caminho, Sebastian recebe a visita de um homem de estatura baixa, com olhos claros e barba branca e cerrada. Diz se chamar Marcel Bresson e ser um estudioso dos assuntos que remetem ao espiritismo. É mundialmente conhecido como um dos sucessores de Allan Kardec. Veio da França especialmente para esse encontro.

Depois de se apresentar, falando com sotaque carregado, diz que está ali porque sabe que ele é o homem que conseguiu converter o senhor dos castigadores em um samaritano. Conta que há um grande alvoroço nas dimensões superiores e inferiores por conta disso.

- Eu sei que estou diante de um espírito muito especial. Por isso, tenho certeza de que você não é culpado pelo assassinato do tal padre. Aliás, eu sei que existe um imenso complô contra você. Eu vim lhe fazer um pedido: não acue.

- Não acue?

- Sim. Muitos vão dizer que você é louco, mas você precisa dizer a verdade. Dizer a existência dos outros mundos, a influência dos espíritos. Só assim nossa doutrina será fortalecida. Dessa forma, você estará dando um norte para muitas pessoas.

- Mas se eu disser essas coisas vou ficar trancafiado para sempre?

- Não quer fazer sacrifício algum pela evolução espiritual de seus pares?

- Mas...

- Ao contrário de ver isso como prisão, deveria enxergar como libertação.

- Não entendo.

- É hora de abraçar sua tarefa.

- Você pode ajudar muitos espíritos encarnados e desencarnados a partir de suas experiências...

- Não sei se devo. Jhaver me pediu para silenciar.

- Silenciar sua raiva, seus julgamentos, sua blasfêmias... Silenciar sobre o que não pode ser dito. Como sabe, pode ir até certo ponto. E é isso que esperamos de você.

- Mas eu não conheço direito esse mundo.

- Engano seu. Você conhece mais do que pensa. Além do mais, terá suporte nessa jornada.

- Eu não conheço a história toda de Jhaver, para escrever um livro sobre ele.

- E quem lhe disse que o castigador dessa história é Jhaver?

Sebastian tem um choque. Fica mudo, estático. Quem fala agora é só o homem.

- O livro que você irá escrever será de grande valia para o espiritismo e também para as pessoas que buscam respostas para o grande mistério da vida. Os profetas eram espécies de médium. Os evangelistas eram espécies de médium. Os santos eram espécies de médium. Não estou dizendo que você é alguma dessas coisas, mas nossas experiências precisam ser divididas com nossos irmãos. E você vive uma experiência bastante rica. Sei que pode estar assustando, afinal, é muita informação para você. A única coisa que eu quero é que pense sobre tudo isso e acredite. E não se preocupe. Eu sou um espírita conhecido e respeitado, tido como referência nesse tema. Eu fui o escolhido para endossar as suas palavras.

- Mas eu não tenho nada pra dizer.

- O que eu acabei de lhe dizer? Acredite! Tenha fé! Não feche os olhos, os ouvidos, a boca para o que está acontecendo. Você ainda não aprendeu que a ignorância, o individualismo, a descrença não lhe levaram a lugar algum. Acredite.

O homem barbudo se levanta e sai sem dizer mais nada.

A quinta e última visita que tarda a chegar é a do repórter, que volta com outro ânimo. Parece realmente outra pessoa, bem diferente daquele jornalista impaciente e voraz que entrou ali. O gravador agora descansa sobre a mesa e naquela pequena sala de cadeiras azuladas ecoam duas vozes.

Uma voz que pergunta e outra que responde.

Sebastian ia finalmente conceder uma entrevista. Uma surpreende entrevista.


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