Daniel Campos

O Castigador


2010 - Romance

Editora Auxiliadora

Resumo

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29/04/2010 - Capítulo 16

Castigação

Sebastian não consegue encontrar o perfume amadeirado e a roupa verde claro que sua sogra havia lhe pedido, tampouco revogar sua punição no Ministério Público. Foi uma saída em vão. Um tanto abatido, acomoda-se em uma lanchonete, pede um sanduíche e um suco. Neste momento, seu telefone toca. É Malena.

- Oi meu amor

- Tem certeza de que sou seu amor?

- Claro que é...

- Eu não estaria tão certo disso se fosse você.

- Jhaver?

- Não.

- Então só pode ser um daqueles umbralinos que não cansam de me perturbar.

- Você fala “umbralinos” com nojo, com raiva, com descaso. Não se esqueça que em breve você também será um de nós.

- O que você quer? Deixa a minha mulher em paz!

- Só liguei para tirar uma dúvida: não sei se tomo um abortivo, se me jogo da janela, se atravesso a rua de olhos fechados... O que você acha melhor?

- Seu demônio!

- Não se esqueça que o responsável pelo dilúvio, pela destruição de Sodoma e Gomorra, pelas pragas do Egito não é o demônio, mas o seu tão querido e venerado Deus.

Após dizer isso, o umbralino desliga o telefone. Sebastian tenta ligar para Malena, mas não consegue. Deixa sanduíche e suco e parte para o trabalho dela como um louco temendo que a criatura fizesse algo contra ela ou o bebê.

Em um cruzamento ele busca o freio e não acha. Seu carro atinge outro veículo, que trazia uma mulher e uma criança com uniforme escolar. Sebastian bate a cabeça contra o volante.

Ainda atordoado pela batida, olha no retrovisor e vê seu rosto manchado de sangue. Sai do carro meio trôpego e entra em choque ao ver a mãe chorando sobre uma das filhas que não responde aos seus chamados.

Chegam os bombeiros, os médicos, os policiais, os jornalistas e os curiosos. Perguntas e flashes são disparados contra o promotor. A menina do carro acidentado, uma garotinha de seis anos, é imobilizada com suspeita de traumatismo craniano.

A mãe dela se desespera, parte em uma seqüência de tapas para cima de Sebastian.

Ele, abobalhado com aquilo tudo, nem se defende.

Seu celular toca novamente. Ele atende. Do outro lado, a voz da ligação anterior ironiza:

- Coisa feia matar uma menininha. Isso é coisa de umbralino. Adeus à carreira de promotor. Adeus à paz espiritual. Adeus à tentativa de escapar dos castigos.

Novamente a ligação é desligada deixando Sebastian inconformado.

Em seguida, os policiais o abordam com perguntas desconfortáveis. Ele diz ser promotor e que não podem falar assim com ele.

Acusado de abuso de poder e de tentativa de coação, o neto de dona Soledad é algemado. Ele insiste nas ameaças contra os policiais agravando cada vez mais sua situação.

Na delegacia, tem direito a um telefonema. Liga para Malena. Ela não atende. Liga para dona Valentina. Ela também não atende.

Liga para casa e Tita, com a máxima má vontade possível, diz que vai tentar avisar alguém. Mas que ele não precisa ficar preocupado, pois logo todos saberão. Afinal, ele é a notícia dos plantões jornalísticos.

Depois de prestar depoimento, embasado no fato do freio ter falhado, vai para uma cela. Como não há espaço disponível é preso junto com outras três pessoas.

Um empresário que foi denunciado e investigado pelo próprio Sebastian por prática de pedofilia. Um advogado, acusado de ter matado a esposa, que não sabe fazer outra coisa senão chorar. E um fanático religioso que prega a toda altura. O crime do fanático que gostava de ser chamado de profeta? Perturbação da ordem.

O empresário não se agüenta e esbofeteia o homem responsável por sua prisão, que responde à agressão com mais violência. Os dois rolam no chão. O carcereiro tira o pedófilo da cela e alerta o promotor sobre um possível corretivo.

Sebastian passa a escutar risos e gargalhadas. No entanto, só ele escuta. É como se estivesse dentro de sua cabeça. Será efeito da pancada, do estresse, da aflição provocada pelo acidente? Ou será aquele umbralino rindo diante de sua situação vexatória?

Enquanto não chega socorro, o devoto de São Miguel afrouxa o nó da gravata e senta-se no piso da cela. Como pode o freio ter falhado? Seu carro saiu da revisão semana passada? Será sabotagem? Será que alguém tentou lhe matar? E a garotinha, será que morreu? E o umbralino, será que fez alguma coisa contra Malena?

Se não bastasse toda essa confusão mental, o profeta se aproxima com a bíblia em punho e começa a berrar:

- E agora, você acredita no juízo final? Toda a humanidade será julgada e condenada por Deus. Isso aqui é só uma prova do que teremos de passar. Você é pecador, por isso está aqui. Você tem que aceitar Jesus. Ajoelha, irmão, aceita Jesus.

Sebastian se levanta, pega o pregador pelo colarinho e o manda calar a boca depois de chacoalhá-lo três ou quatro vezes. Mas o fanático não desiste:

- Você está possuído. Está nas mãos do demônio. Mas Deus vai lhe libertar. Coloca-se de joelhos, aceita Jesus.

Sebastian passa a ignorar o homem, que, por sua vez, eleva o som de sua pregação:

- Você já ouviu falar de Sodoma e Gomorra, as cidades bíblicas perdidas no pecado que foram destruídas como castigo? Quantos egípcios morreram afogados no Mar Vermelho como castigo? Jonas, por não aceitar Jesus, foi engolido por uma baleia. Isso é castigo. Só foi solto depois que se arrependeu e resolveu trabalhar para Jesus. Você prefere continuar sendo castigado a aceitar o salvador?

Sebastian começa a bufar e fecha os olhos buscando refúgio em algum lugar distante de palavras como essas:

- O que faz você pensar que será salvo? Deus amaldiçoou a todos nós e nossos antepassados devido ao ato de Adão e Eva. Deus afogou mulheres grávidas e crianças indefesas nas águas do dilúvio. Deus castigou os egípcios e seus animais com pragas e doenças só porque o Faraó se recusou a deixar os israelitas irem embora. Chegou a mandar que matassem todos os primogênitos egípcios em plena época de Páscoa.

Sebastian se levanta, tenta achar uma saída, e a pregação prossegue:

- Depois do êxodo, Deus ordenou aos israelitas exterminar sem piedade os homens, mulheres e crianças de sete nações e roubar suas terras, destruir seus altares, seus postes sagrados e seus ídolos. Deus matou o filho do Rei David por causa do adultério de David com Betsabéia. Deus permitiu a tortura e o assassinato de seu próprio filho. Deus prometeu sofrimento eterno a todas as pessoas que não aceitassem o cristianismo.

Sebastian chama o carcereiro e o profeta não se intimida. O advogado chora compulsivamente. Sebastian está quase explodindo de ódio. O pregador fala cada vez mais rápido, parece em transe:

- Deus está lhe castigando agora como que nas escrituras. Os livros sagrados não metem. Em Números 16: 27-32, Deus abre a terra para soterrar famílias inteiras; em Leviticus 10:1-2, Deus lança fogo para a destruição das pessoas; Em Reis II 2:23-25, Deus manda animais selvagens tais como ursos e leões sobre os pecadores; em Leviticus 25:44-46, Deus autoriza a escravidão; em Deuteronômio 13:12-16, Deus ordena a perseguição religiosa; em Jeremias 19:9, Deus causa o canibalismo; em Exodus 29-36, Deus exige o sacrifício de animais para expiação dos pecados de seus donos.

Sem agüentar mais, Sebastian esmurra o pregador até ele tombar ao chão. É como se espancasse aquele Deus impiedoso e castigador. Tomado de raiva, rasga a bíblia. As gargalhadas continuam em sua cabeça. Então, chega o carcereiro que o repreende e o conduz à sala do delegado.

Lá, encontra uma Malena envergonhada e um advogado sisudo que lhe informa das acusações sofridas até então: desacato, abuso de poder, tentativa de homicídio culposo, mau comportamento e espancamento.

Ver aquela mulher grávida de olhos arrependidos naquele ambiente foi o pior castigo do dia e, quiçá, de sua vida.

Méritos para Jhaver.

Observação do autor: Próximo capítulo: dia 4/5 (terça-feira)


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