O Castigador
11/05/2010 - Capítulo 19
Vade retroGastón saiu, mas suas palavras não deixam a cabeça de Sebastian. Horas e horas se passaram e aquela conversa ainda repica em seu íntimo, como sinos que não cessam. Agindo pelas próprias mãos e sem dizer nada a ninguém, ele pega o carro e vai até a casa de seus pais.
Respira fundo antes de encontrar Jorgeliana, sua mãe, que o recebe perguntando por que ele está com aquele cheiro ruim e com aquela aparência horrível. Pergunta se não estão lavando ou passando suas roupas. Se não estão fazendo comida para ele. Se os filhos de Malena estão dando muita dor de cabeça para ele. Se ela já o havia traído e ele veio buscar abrigo.
Aquele palavrório atordoa Sebastian que só tem olhos e ouvidos e olfato para reparar no anel de rubi e nos brincos de pérola negra enfeitando o corpo de sua mãe. Eles são a prova de toda ambição, de toda cobiça, da ligação entre ela e dona Soledad. E pensar que sua mãe sempre frisou o discurso de que alguém havia roubado as jóias de sua avó.
Com ódio e nojo, o promotor dá uma bofetada na cara da mãe, que cai no sofá.
- Eu já sei de tudo. Sei que você torce o tempo todo contra mim. Sei que quer o meu mal, a minha infelicidade. Como pode ser tão mesquinha? Já não basta a mesada que lhe dou todo mês. O que mais quer? Quer me matar como matou minha avó?
- Como pode bater na sua mãe? Eu dediquei minha vida toda para você. Tantas noites eu passei acordada ao seu lado. Fui eu quem lhe colocou na escola. Fui eu quem lhe ensinou a falar, a andar, a ser quem você é.
- Ainda bem que não sou como você, que não passa de uma golpista, de uma exploradora, de uma mentirosa.
- Fizeram a sua cabeça contra mim, não foi?
- Você sempre me viu como algo que pudesse lhe render alguma coisa: uma propriedade, um salário, um fundo de pensão. Nunca me tratou como pessoa. Nunca me amou de verdade.
- Eu te amo mais do que tudo.
- Isso não é amor. É doença. É posse. E pare de ficar pedindo para minha avó me castigar?
- Do que está falando? Ah! Isso só pode ser coisa daquelas bruxas que moram com você. Malena, Micaela e Valentina, foram elas que lhe enfeitiçaram, não foi? Foram elas que mandaram você aqui?
- O que foi que você falou de mim para minha avó antes dela morrer?
- Deixe minha mãe fora dessa história. Está morta. Acabou. Não vou permitir que zombe da memória dela. Como pode me acusar sabendo o quanto eu sinto falta dela. Justo eu que cuidei dela com todo carinho até a hora de sua morte.
Sebastian pega a mãe pelo pescoço e a encosta na parede.
- O que foi que você falou para ela?
Jorgeliana engole em seco, começa a ter dificuldades para respirar. Nesse momento chega o pai dele, Gonzalo. Ele o empurra e os dois caem aos murros no chão. Rolam se agredindo física e verbalmente.
Sebastian se levanta e continua insistindo para saber o que foi que sua mãe falou com sua avó.
- A verdade. Eu falei a verdade sobre você. Falei quem você era e o que fazia e o que pensava dela. É isso que falei e falo com ela todos os dias.
- E o que é que eu penso dela, fala sua desgraçada?
Gonzalo volta do quarto com uma arma e expulsa o filho de casa. Pergunta se ele quer que chame a polícia para poder ficar mais alguns dias preso. Diz ter vergonha de ter um filho bandido. Que a carreira dele está arruinada. Que vai perder muito dinheiro com isso.
- Admira-me que meu pai, um homem fracassado, que vive de explorar os outros fale uma coisa dessas. É muita falta de caráter mesmo. Mas não estou aqui para falar com você e sim com essa ordinária.
- Cale a boca e respeite sua mãe se não quiser que eu atire.
- Vocês venderam a casa de minha avó, a fazenda de meu avô, a maioria das jóias dela e dos imóveis que eles tinham. Gastaram todo o dinheiro com vaidades. Vocês mataram minha avó e agora querem transferir a culpa para cima de mim.
- Saia daqui, seu moleque, eu não admito que falem de seus pais dessa maneira. Só pode estar fora do juízo perfeito. Já soube que voltou a beber. É isso que tenho agora, um filho bêbado, assassino, corno.
Sebastian sai da casa de seus pais transtornado e vai à igreja de São Miguel Arcanjo. É hora de novena. Contraria o padre e assiste o final da celebração. As beatas não tiram os olhos dele. Quando terminam as orações, ele segue ao encontro do monsenhor, que o repreende.
- Eu não disse que é para você não colocar os pés aqui. Ainda mais agora que foi expulso do trabalho e preso. Quer arruinar a reputação da minha igreja?
- Eu preciso de ajuda.
- Que tipo de ajuda?
- Um exorcismo.
- Está louco. Exorcismo é coisa séria. Vai dizer que está possuído? Eu não quero escândalos na minha igreja. Por favor, retire-se.
- Padre, há demônios falando comigo, me obrigando a fazer coisas horríveis.
- Chega. Saia da minha igreja antes que eu chame a polícia.
- Se não pode fazer um exorcismo, por favor, pelo menos me dê uma benção.
- Eu não abençôo pessoas falsas, que renegam a Igreja. Sua traição em todos os jornais de hoje.
O sacerdote pega a página principal de um folhetim e joga a seguinte manchete sobre o discípulo de São Miguel: “Advogado deixa caso depois de confissão do promotor Sebastian Alvear: sou vítima de um anjo castigador”.
- É verdade, esse demônio está interferindo em minha vida. Ele quer me castigar.
- Como pode falar essas coisas diante da imagem de São Miguel? Só pode ter perdido a fé. Fora da minha igreja!
- Vai me virar às costas depois de anos de dedicação? Quantas coisas eu fiz pelo senhor e para esta igreja...
- Quem faz e cobra é porque não fez de coração. Sendo assim, tudo que foi e fez não tem valor algum para Deus.
- Seu filho da...
- Pecadores não são bem-vindos aqui. Vade retro.
Tremendo em nervos, Sebastian sai da igreja. Antes de virar a esquina, um homem de cara fechada e corpo esguio lhe entrega um bilhete e some na multidão. É o nome e o endereço de um padre exorcista.
Quando percebe, está na Igreja de Santo Antônio de Pádua procurando pelo padre Martín. Encontra o seguidor de Santo Antão, um dos maiores exorcistas da história, em uma salinha pequena, nos porões daquela construção. O padre, com a mão esquerda sobre um livro negro intitulado Ritual Romano, escrito em 1614, que trata do exorcismo no capítulo 13, recebe-o de forma discreta.
O padre tem seu rosto escondido por uma capa que conta com um capuz marrom escuro colocada sobre uma batina branca. Traz também uma bengala, uma espécie de cajado, recostado perto da mão direita, que traz uma cruz na ponta.
Com mais de mil exorcismos praticados ao longo de cinqüenta anos de sacerdócio, padre Martín coloca suas mãos sobre Sebastian e fala algo em latim, faz algumas perguntas estranhas e evidencia, sobre a mesa, uma imagem de Santo Antônio de Pádua e outra de Santo Antão. Em seguida, pede para ele rezar um credo e uma salve-rainha em voz alta.
Como Sebastian não fala ou entende palavras em línguas desconhecidas, não demonstra conhecimento sobre coisas distantes ou secretas, tampouco forças sobrenaturais ou aversão veemente a Deus, à Virgem, aos Santos, à Cruz e às imagens santas, padre Martin professa:
- Que Santo Antão, fique sempre ao seu lado; ele que venceu o demônio, na aparência de um bicho imundo, dê-lhe força na hora da tentação e o socorra por todo sempre. Amém.
- Acabou. Isso é o exorcismo?
- Isso foi uma benção. Seu caso não é de exorcismo. Não é a primeira vez que uma pessoa sob o chicote de Jhaver me procura. Precisei enfrentá-lo uma vez e perder minha vista esquerda para saber que não se enfrenta um castigador. Agora, vá em paz meu filho.
- O senhor acredita em Jhaver?
- Deus lhe acompanhe. Vá em paz.
- Um anjo castigador não pode ser exorcizado?
Padre Martín abaixa a cabeça e emudece. A escuridão que esconde seus olhos sob aquele capuz é a mesma que ronda a existência de Jhaver e os passos futuros de Sebastian, que, sem perceber, avança.
Como que sendo guiado, estaciona o carro em frente ao centro espírita Sementes da Luz, que foi fundando pelo avô de dona Valentina, o renomado médium Franco Palacio. Um lugar simples, com jardim de rosas brancas e uma inscrição na fachada:
“Só existe um mal a temer: aquele que ainda existe em nós.”
Observação do autor: Próximo capítulo: 13/5 (quinta-feira)
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