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Encontrados 32 textos de julho de 2010. Exibindo página 1 de 4.
31/07/2010 -
Nêga
Nêga, hoje a nossa lua amanheceu tão negra, como que marcada pelo batom da escuridão. Nêga, deixa-me entrar no seu barracão e ver onde você guarda o nosso amor, por debaixo das fantasias e alegorias de crepom. Nêga, sabe que meu coração pertence a sua escola e bate no compasso do seu tamborim. Nêga, eu quero o seu amor negro. Nêga, desejo toda essa folia negra que bole pelo seu corpo num quebrado sem fim. Tem dó de mim, ò nêga, e coloca mais água no seu feijão. Eu lhe sondo no jardim das rosas negras, ò nêga, só para lhe oferecer meu amor num samba-botão, numa flor-canção. Da Portela à Estação Primeira de Mangueira, eu me rendo aos seus passos e abraços negros de domingo à quarta-feira de cinzas e carregos. ...
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30/07/2010 -
Peras ao açafrão
Seus olhos são como duas peras ao açafrão, feitos a partir de mel, vinho e limão. Olhos de fervura e caudalosos, ideais para sempre degustados a colheradas. E eu, cada vez mais, tento fazer das minhas palavras espátulas só para retirar, com todo cuidado, a cada novo encontro, um pouco mais dos seus olhares. Toda a maciez e o sabor das peras, com uma coloração única, e um frescor de hortelã, colocados em olhares que alteram o meu metabolismo de uma forma que nem a química ou a física podem explicar. ...
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29/07/2010 -
Nada além de estrada
Eu não sou nada, nunca fui nada e jamais serei nada. Sou apenas estrada. Todos me pisam e passam por mim. Usam-me para ir daqui pra lá, de lá pra cá, de cá para acolá. Eu não tenho começo nem fim. Sou sempre um meio de seguir em frente ou voltar à trás. Sou apenas um dos tantos pedaços de mim. Nada mais.
Ora sou de piche, ora de pedra, ora de terra batida. Sou chegada e partida. Sou aclive e declive. Sou de tantas viagens, paisagens, miragens. O sol nasce e morre em meus flancos. Pessoas amam e são amadas, matam e morrem, levantam e caem ao longo da minha rota. Muitos sentem prazer quando me vêem, outros enlouquecem....
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Comentários (1)
28/07/2010 -
De detalhe em detalhe, a mulher amada
A mulher amada é repleta de detalhes. Ouso dizer que é feita de detalhe em detalhe. É o conjunto de detalhes que se dispõe ao longo das curvas femininas que suaviza sua alma, que é concreta e rígida. Seja em suas flores delgadas ou em seus rococós, a mulher amada é minuciosa e densa como toda obra à procura da perfeição. Desbancando todos os argumentos, a mulher amada é de uma beleza irreal, daquelas que só se encontram nos planos mais elevados da imaginação.
E quem está de fora, observa cada detalhe da mulher amada como objeto de contemplação ou na tentativa de descobrir o fio da meada que revele o segredo que se esconde entre o corpo, a mente e a alma desta criatura. Seus olhos são vitrais, seus lábios molhados e secos no glamour dos afrescos. Cada detalhe é uma pista ou uma forma da mulher despistar aqueles que querem desvendá-la. Por isso, a mulher se escantilha em belas artes e se divide em muitas partes, num amor aos pedaços. ...
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27/07/2010 -
Mike
Mike, velho companheiro, eu sinto muito. Soube que você anda amuado, vivendo calado debaixo daquela mesa de madeira que não recebe mais um certo chapéu de palha. Você é o último dos muitos pastores alemães puros e mestiços que habitaram o sítio Boa Vista nos últimos cem anos. O último. Infelizmente, chegamos ao fim de um ciclo. Sua pelagem caramelo, numa mistura de preto com dourado, já ganhou inúmeros fios brancos. Principalmente perto dos olhos que me avistavam de longe, respondendo com uivos e latidos a minha presença. ...
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26/07/2010 -
Laços e fitas
Um sabiá me contou que um pintassilgo cochichou que escutou um inhambu dizer que hoje raiou, entre laços e fitas, o dia do seu aniversário. Os anjos acordaram cedo para fazer um céu turquesa com sol de batom e nuvens de crepom. A quitandeira lá de Minas vem num trem trazendo um tabuleiro cheio daqueles doces que você tanto gosta. O velho ourives espera seus dedos com uma pedra de rubi cor de pitanga. As crianças já estão correndo pela casa, querendo lhe entregar cartões e corações. Sua mãe, com sacolas de bordados, e seu pai, com um tempo guardado, estão na sala de estar. Feches os olhos e ouça o florista buzinando lá no portão. ...
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25/07/2010 -
Eles vivem
Ele vive toda vez que toca uma moda de viola no rádio, toda vez que eu pego um táxi, toda vez que eu como macarrão gelado. Ele vive toda vez que eu vejo uma roda de amigos, um velhinho e uma pracinha, uma batida de catira e alguém dando balas para criança. Ele vive toda vez que eu preciso caçar um lagarto para trazer à mesa num almoço de domingo. Ele vive toda vez que eu fico frente a frente com um jogo de bocha. Ele vive toda vez que eu escuto o som dos relógios de bolso, que eu recolho um parafuso na rua, que eu vejo Inezita Barroso na televisão. Ele vive toda vez que eu encontro uma história de pescador, que eu busco nas memórias um elogio capaz de me motivar. Ele vive toda vez que eu como doce de leite de colher, que tem arroz com frango frito em meu prato e que vejo um chinelo de dedo azul e branco caminhando por aí. Ele vive toda vez que eu olho no fundo do espelho e digo: olha eu aqui. ...
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24/07/2010 -
Maria menina Auxiliadora
Era uma menina, de treze anos, correndo pela paisagem árida à procura de seu destino. O vento empoeirado soprava ao longo de seus cabelos longos. Sua timidez pouco a pouco ia se anulando em seus olhos fortes. Seu nascimento foi uma espécie de milagre. Sempre teve um ar de santa. Tinha uma beleza diferente, feita de uma espécie de luz que nem o sol nem as estrelas eram capazes de gerar. Brincou muito pouco. Ainda na infância teve que deixar as bonecas de lado. Afinal, desde muito nova já tinha alma de mulher....
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23/07/2010 -
Queimada
Do fogaréu, sobraram as cinzas. Algumas fuligens, flutuando ao vento, ainda tentam borrar o azul do céu. A paisagem é desoladora. Sem pedir licença, as línguas de fogo varreram toda a beleza do lugar para um mundo distante e ainda desconhecido. O colorido das flores e o verde dos campos ganharam um único tom: o tom do carvão. O cheiro do mato também se transformou no perfume do carvão. Tudo se perdeu na fumaça. Tudo morreu na carcaça. Tudo se esqueceu na queimada que matou a última fada.
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22/07/2010 -
Pedidas
Para os fracos, coragem. Para os medrosos, confiança. Para os cansados, ânimo. Para os necessitados, tudo. Para os descrentes, nada. Para os inseguros, determinação. Para os aflitos, alívio. Para os desesperados, fé. Para os loucos, a glória. Para os criminosos, a escuridão perpétua. Para os arrependidos, um caminho. Para os mentirosos, a dor da verdade. Para os falsos, a solidão. Para os apaixonados, o desejo. Para os frívolos, a chama.
Para os doentes, alma. Para os alunos, a sede. Para os profetas, o silêncio. Para os egoístas, a partilha. Para os soberbos, a dúvida. Para os jardineiros, rosas e margaridas. Para os santos, a prova. Para as mães, o elo. Para as crianças, contos de fada. Para os trabalhadores, sal. Para os ausentes, o peso de suas atitudes. Para os agourentos, o azar. Para os hipócritas, a consciência. Para as bocas, beijos e palavras. ...
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