Daniel Campos

Prosas

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12/11/2012 - De Zé Pilintra eu vou, com ele estou...

Estou vestido com as roupas, com as armas e com os símbolos de Zé Pilintra da cabeça aos pés, por dentro e por fora, do começo ao fim. Levo a figura do mais malandro dos Exus, no bom sentido, à frente do peito como um escudo. Que toda inveja, que toda maldade, que toda maldição lançadas contra mim sejam quebradas e devolvidas para seus donos, de direito e de fato. Com Zé Pilintra ao meu lado, eu não corro, eu enfrento, eu aguento, eu mato.

Levo minhas guias vermelhas e pretas de Exu volteadas no pescoço. Vou de chapéu panamá e de bengala pelas encruzas cantando: Zé Pilintra na minha vida é Mojubá! Bem vindo à roda da minha vida, Exu. Bote meu destino pra girar meu pai, Laroyê. Salve a malandragem que verga, mas não quebra. Com Zé Pilintra não tem caminho fechado, não tem tempo ruim. Seja para curas, defesas ou conselhos de amor, Zé Pilintra é meu doutor. ...
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29/04/2013 - De...

Olhos de cata-vento. Boca de beijo. Cintura de bambolê. Pés de ciranda. Palavras de bendizer. Braços de adeus. Costas de mar. Ouvidos de violino. Rosto de boneca. Cabelo de cinderela. Unhas de enfeite. Nariz de perfumes. Mãos de bailarina. Linhas de cigana. Pescoço de girassol. Lábios de açúcar. Pensamentos de ninar. Coração de veludo.

Peito de assovios. Colo de bem-querer. Sobrancelhas de nanquim. Dedos de furar bolo. Dores de gaveta. Cotovelos de janela. Solados de tablados. Rugas de temporais. Memórias de carrossel. Olhares de astronauta. Cabeça de achados e perdidos. Barriga de estrada. Joelhos de fé. Pernas de chegadas e partidas. Sentimentos de elástico.


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10/12/2015 - Debaixo do meu nariz

Com giz de cera eu escrevo seu nome por onde eu passo. Deixo flores em todos os portões na esperança de um deles ser seu. Mando pombos-correios com versos inspirados em você pelos sete céus. Deixo cartas em garrafas em cada trecho de mar que visito. Vou aos shows, aos espetáculos, aos lugares que gosta tentando encontrar quem desencontro. Saio de mim e percebo o quanto de você ocupa o meu ser.


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02/06/2008 - Decepção marciana

Depois de mais de trinta anos de tentativas, finalmente conseguiram pousar no solo do planeta Marte. Calma! Ainda não foi nenhum ser humano, apenas uma sonda robótica. O nome dela? Phoenix. Depois de nove meses no espaço, essa engrenagem com nome mitológico pousou nas regiões polares e secretas de um planeta que mexe com a imaginação de muita gente. Basta ver o histórico de filmes que falam sobre o planeta vermelho para observar o teor do imaginário que trato aqui.

O projeto é da norte-americana Nasa, mas o comandante desta viagem nasceu no Brasil: o engenheiro Ramon de Paula. Um projeto e uma decepção histórica nas mãos de um brasileiro. É inquestionável o valor desta conquista. Mas também não deixa de ser tamanha a dimensão dos que se decepcionaram. Pudera, até agora nenhum sinal de extraterrestre. Só tempestades de areia e um frio de 140 graus negativos. Isto é, além de uma foto com um solo avermelhado desértico coberto por pedras....
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30/04/2008 - Declaração de imposto de renda

Declaro o meu descontentamento em morar no país com a carga tributária mais alta do mundo. Declaro o meu arrependimento em ter acreditado em um governo que seria para todos. Declaro a minha desesperança com um futuro próximo e mais que próximo. Declaro o consumo de doses desenfreadas de amargor com a realidade. Declaro a minha angústia, o meu estresse, a minha falta de paciência.

Declaro o meu desgosto, cada vez mais gritante, diante da burrice humana. Declaro a aquisição de armaduras para me defender dos ataques do falso destino. Declaro rios de suor derramado de muito trabalho para tentar sobreviver diante dessa carestia toda. Declaro a minha vontade de ir para Maracangalha. Declaro a compra de toneladas de inseticidas para combater ratos, baratas e demais vermes que andam soltos por ai....
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23/05/2014 - Declarante

O amor que tenho não me diz de onde venho nem para onde vou. Sou barco flutuante. Amante do tempo incerto. Sou floresta sou deserto. Não sei do segundo seguinte; só de quem quero por perto por todas as minhas vidas.

Não me fale em despedida, pois não acredito no deus do adeus. Tudo é contínuo e inseparável se queremos assim e assim queremos, ao menos, quero eu ao querer você. E nessa querência ardo em feitio de fogueira.

Digam o que quiserem sobre mim, mas não duvidem do amor que corre pelos veios do meu corpo e da minha alma ora riacho ora corredeira. Não acho, tenho certeza do meu sentimento. Mesmo com todos os ventos e raios permaneço firme na sina de viver pleno e entregue ao que é e vem da mulher-menina.


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04/02/2013 - Dedicatória

O ator dedica a cena mais emocionante do espetáculo a sua amada. O jogador dedica uma aposta de alto risco a sua amada. O jardineiro dedica um jardim de primavera a sua amada. O folião dedica uma fantasia de amor a sua amada. O violeiro dedica um ponteio enluarado a sua amada. O artilheiro dedica um gol de placa a sua amada. O arquiteto dedica uma fachada romântica a sua amada.

O marinheiro dedica seu vai e vem no mar a sua amada. O feiticeiro dedica uma mandinga a sua amada. O escritor dedica as linhas da sua mão de papel a sua amada. O bêbado dedica uma dose a sua amada. O criminoso dedica um assalto ou um assassinato a sua amada. O político dedica um escândalo a sua amada. O cozinheiro dedica um prato bem apimentado a sua amada. ...
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Deita

Deita. Deita de bruços, com as pernas cruzadas, e com um livro nas mãos, como uma adolescente que sonha com príncipes vindos em cavalos brancos. Deita e tem em seu corpo sete cores deitadas. Deita e transatlânticos jogam suas ancoras naquele mar de pele. Deita e os desejos dos sonhadores mergulham a sete palmos. Deita e parece ser imbatível. Deita e ganha elasticidade. Deita e se distende. Deita e se contorce. Deita e nos entorta. Deita e um atirador lança facas em torno de seu corpo. Deita e muda o trajeto das estrelas cadentes. Deita e os sonhos se levantam e caminham pela casa como sonâmbulos. Deita e o longe se amansa. Deita e os desejos submergem em seu corpo como areia movediça. Deita e os olhos se fecham em copas. Deita e os anjos caem. Deita e o corpo lateja. Deita e a boca e abre como uma flor carnívora. Deita e há quem diga que morreu e há quem diga que acabar de nascer. Deita e as nuvens se agitam para uma chuva de algodão doce. Deita e os trens descarrilam. Deitam e as rodas gigantes saem rodando pelas ruas da cidade baixa. Deita e o lençol muda de cor, de textura, de temperatura. ...
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22/01/2011 - Deixa a madame pra lá

Não, não meu senhor, não adianta discutir com a madame. A madame tem sempre razão até mesmo quando não é sim e sim é não. Não, não meu senhor, não adianta discutir com quem não dá o braço a torcer e não se importa de fazer sofrer. Não, não meu senhor, não reclame, não adianta discutir com a rainha do enxame.

A madame finge eu é feliz ou infeliz conforme lhe convém, esquece o que faz, o que pensa, o que diz. Ela varre sua sujeira pra debaixo do tapete. Bate, assopra e esconde o cacete. Madame dá vexame e jura que é lady, mas vive de band-aid em band-aid juntando cacos e fazendo pactos. Madame entende de máscaras e disfarces. Vai à igreja, de praxe, mas seu forte é a mandinga. Excomunga o santo, se vinga, amaldiçoa e põe quebranto. ...
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02/06/2015 - Deixa falar

Tira o cadeado da boca. Fala sem medo de errar ou de se condenar. Dê alforria à língua. Deixa falar. Deixa o sentimento vazar. Desata esses nós da garganta. Destrava os dentes. Chega de emudecer suas verdades. Basta de calar suas vontades. Deixa falar. O coração quer dizer. Fala, fala, fala de amor sem se arrepender. Não vai doer. Palavras não podem ser esquecidas antes de nascer. É direito de toda palavra ser dita, ser escrita, ser ouvida, ser tateada ao menos uma vez. Temos de palavrear. Deixa falar. Deixa cantar. Tira o cadeado da boca. Beija. Verse. Palavreie. Com palavras, presenteie. Sua alma precisa se expressar no a e i o u. Fique nu com suas palavras. Sorri por ser palavra. Crava suas letras em outros corpos ou as jogue ao vento. O importante é deixar fluir. Deixa falar.


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