Daniel Campos

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Encontrados 372 textos. Exibindo página 4 de 38.

06/03/2013 - A dor da perfeição

O dia amanheceu sem manchas ou borrões. Pela imensidão do céu azul não se encontrava marca alguma de nascença. Um desses céus de novela, sem nuvem, sem névoa, sem sombra, sem cisco... Nada de moscas, gafanhotos ou outros insetos. Nem mesmo os pássaros se atreviam a voar naquele céu criado numa espécie de photoshop divino. Os olhos não conseguiam avistar nem mesmo balões coloridos ou aviões. Astronautas, pilotos e aventureiros ficaram de fora.

Um céu quieto, sem ruídos ou ópera. Um céu sem sinal de anjos ou deuses. Um céu vibrante, intenso e exuberante. Um céu para turista algum botar defeito. Um céu belo e doído em sua infinitude. A perfeição dói. Aquele céu plástico, corrido, sem pinceladas, causava um incomodo nos olhares. Difícil olhá-lo de forma aberta, sem piscar ou chorar. Impossível explorar as belezas e mistérios desse céu que nos apequena em nossos defeitos. ...
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20/04/2012 - A dor de existir

Não há dor pior do que a lucidez. Estar lúcido é estar vulnerável a um sem número de sofrimentos. Melhor seria viver em uma realidade particular, onde sonhos pudessem ser tão concretos quão as pedras deste mundo. Se nós estamos conscientes, toda ilusão, por mais densa e deslumbrante, mais cedo ou mais tarde se desfaz. É triste saber que nenhum sonho é para sempre, que as fantasias têm as pernas tão curtas quão as da mentira, que os contos de fada não existem para além dos livros e que nossos heróis já morreram. ...
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15/03/2012 - A dor segundo Schopenhauer

Schopenhauer tinha razão ao afirmar que o mundo não é mais do que uma representação. De um lado, o mundo-espaço, o mundo-tempo. De outro, o mundo-consciência íntima e subjetiva, que é mais profundo do que podemos imaginar. Nessa representação o homem se move por meio de suas paixões e aspirações. O homem como reflexo de sua vontade. Para o filósofo, nos realizamos e sofremos com nossas vontades. A humanidade refém de suas aspirações. O prazer é só a superação momentânea da dor. De fato, Schopenhauer, a dor é a única e verdadeira realidade. Tudo mais é ilusão, mentira, ópio. ...
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19/06/2010 - A era da fragilidade

Das relações econômicas às amorosas, vivemos a era da fragilidade. Tudo se quebra e se rompe e se desmancha com extrema facilidade. Contratos e beijos são voláteis. Hoje são e amanhã já não estão. Os índices das bolsas e o grau dos sentimentos se alteram numa velocidade absurda. Nunca se observou tantos corações partidos. Os divórcios batem recordes. Palavras dadas, declaradas, juradas somem no ar evaporando como fumaça. O duradouro é um tesouro raríssimo de ser encontrado e, conseqüentemente, roubado. ...
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17/09/2012 - A esmo

Corpo cansado, nó na garganta, amor encurralado. Cabeça cheia, marcas de estresse, dores generalizadas por toda a alma. Pés feridos, sonhos proibidos, romances não lidos. Mãos atadas, falta de perspectiva, bloqueios na estrada. Coração desafinado, olhos carregados, linhas desalinhadas pela palma das mãos. Ombros pesados, lábios marejados, esperanças frustradas. Alegria interrompida, chegada e despedida, poesia perdida.

Filosofia desperdiçada, fantasia dormindo na calçada, chuva sem trovoada. Perfume de decepção, tempo abstrato, contínua ilusão. Ardume de mudança, autorretrato de esperança, justiça sem balança. Pensamentos tortos, canteiros do esquecimento, anjos mortos. Sangue pálido, destino inválido, céu da boca sem estrelas. Sono cálido, passos sem dança, tranças de DNA. Arroz sem torresmo, ar sem sabiá, o mesmo do mesmo do mesmo.


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18/05/2010 - A esperança deixou de ser esperança

Infelizmente é verdade. Constatei isso ontem quando uma esperança, aquele inseto de antenas longas primo do gafanhoto, pousou na janela da cozinha lá de casa. Cheguei a achar que era uma espécie de grilo ou um louva-deus de batina franciscana. Afinal, o bicho era colorido num tom marrom bem diferente daquele verde que caracterizava seu nome. No entanto, não havia como questionar: era, de fato, uma esperança.

A esperança então ficou no fato daquela esperança ser uma aberração de sua espécie, vítima de alguma mutação transgênica. Mas ao olhar pela janela, um sinal do fim dos tempos. Dezenas de esperanças descoloridas, tingidas numa coloração amarronzada, caminhavam pelo jardim. O que aconteceu com a esperança? Perdeu-se pelo caminho. O que se via eram insetos tão desesperançosos quão sua nova cor. ...
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12/03/2012 - A essencialidade do sono

Frações de segundo antes de pegarmos no sono é como se nosso organismo fosse vítima de um blecaute de energia. Há um colapso temporário de consciência. Por excesso de atividade, a chave geral é desligada depois da queda de alguns disjuntores. O sono, sem dúvida, evita um curto-circuito de danos irreparáveis ao nosso corpo. O equipamento é poupado e as baterias são recarregadas.

Minutos antes de embarcarmos nas correntezas do sono há uma queda gradativa de linhas de transmissão. Cérebro e coração, mais do que nunca, nesses instantes críticos, não falam a mesma língua. Várias panes parciais do sistema são observadas causando distúrbios e alterações de distintas proporções. Há um apagão de sentidos....
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08/08/2010 - A estrada e os pais

O meu pai dista do meu Dia dos Pais quilômetros, tempos a fio. Há um asfalto, interminável e negro, repleto de curvas e declives, separando-nos de um abraço. Os aviões que cruzam o céu agostino, tão azul quão seco, não me levam, tampouco o trazem para perto. Há uma série de acontecimentos, momentos e pensamentos passados envolvendo eu e meu pai se misturando em mim. Coisas ditas e não ditas se alvoroçando em mim. E a voz cavalga, já nem tão firme assim, pelas espirais do telefone.

Não há presentes, almoços ou outras tradições familiares entre eu e meu pai no dia de hoje. Apenas um cumprimento e uma saudação através de uma ligação telefônica. Hoje ele não vai me ensinar nada, não vai me levar a lugar algum, não vai me oferecer algo para comer ou beber. O tempo nos separa e hoje tudo é engolido a seco. Seco como o vento agostino que me traz lembranças, agradáveis ou não. Mas se eu o conheço, ao menos um pouco, sei que agora ele está ouvindo esta música, lendo o trecho deste livro, enquanto esconde os olhos embaçados atrás das lentes dos óculos....
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23/07/2016 - A estrela-flor do seu umbigo

Há tanto caminho pra seguir. Arruma as malas, pega só o necessário, coração não tem armário, mas no meu há todo espaço do infinito para você. E o certo é passarmos pelos caminhos e não os caminhos passarem por nós. Nós não somos amor de um sol, mas de vários sóis, de tantas luas... e a minha rua começa na sua boca e toda caminhada ao seu lado ainda é pouca perto do que quero caminhar contigo. E quero me guiar pela flor de estrela do seu umbigo.

Há tanto caminho para florir. E juntos nossos corpos fazem primavera. Não importa a época, pois somos da era dos amores-perfeitos, que colorem, perfumam, encantam e em tudo dão jeito. Nosso encontro é sempre um ponto cardeal. Amor mais doce que qualquer canavial. Olhos de mata verde, boca de cana madura, me leva à loucura numa viagem onde a única bagagem é o que sentimos um pelo outro. Entre nós, o destino não dá ponto solto. ...
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08/06/2008 - A extinção das cartas

Estou a ler um livro de cartas enviadas e recebidas por Vinícius de Moraes, organizado por Ruy Castro. Cartas escritas para a família, para os amigos, para as mulheres amadas. O livro foi um presente de meu pai. Trouxe-o comigo do nosso último encontro há quase um mês e, por diversas vezes, já o visitei. Debruçado sobre este livro, descobri que o mundo perdeu muito com o advento do telefone, da internet e de outros meios de comunicação do chamado tempo moderno. Não vou citar números, para não deixar o texto um daqueles relatórios chatos, mas as cartas foram praticamente extintas de nosso cotidiano. ...
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