08/08/2010 - A estrada e os pais
O meu pai dista do meu Dia dos Pais quilômetros, tempos a fio. Há um asfalto, interminável e negro, repleto de curvas e declives, separando-nos de um abraço. Os aviões que cruzam o céu agostino, tão azul quão seco, não me levam, tampouco o trazem para perto. Há uma série de acontecimentos, momentos e pensamentos passados envolvendo eu e meu pai se misturando em mim. Coisas ditas e não ditas se alvoroçando em mim. E a voz cavalga, já nem tão firme assim, pelas espirais do telefone.
Não há presentes, almoços ou outras tradições familiares entre eu e meu pai no dia de hoje. Apenas um cumprimento e uma saudação através de uma ligação telefônica. Hoje ele não vai me ensinar nada, não vai me levar a lugar algum, não vai me oferecer algo para comer ou beber. O tempo nos separa e hoje tudo é engolido a seco. Seco como o vento agostino que me traz lembranças, agradáveis ou não. Mas se eu o conheço, ao menos um pouco, sei que agora ele está ouvindo esta música, lendo o trecho deste livro, enquanto esconde os olhos embaçados atrás das lentes dos óculos.
Meu pai está em algum lugar da estrada, em algum lugar do tempo, em algum lugar de mim. Neste Dia dos Pais eu tento encontrá-lo. Diferente das mães que se aproveitam do elo existente no cordão umbilical, os pais precisam de alguma forma se unir aos filhos que não nasceram de suas barrigas. Eis que ser pai é uma procura infinita, uma luta eterna para ser parte, para ficar próximo. No entanto, não adianta tentar achar explicações ou definições. Hoje, Dia dos Pais, o meu pai está em algum lugar me procurando assim como eu o procuro independentemente de porquês.
Mais além, meus pais avôs morreram nessa mesma busca. Hoje eles estão ainda mais longe e mais perto do que já estiveram um dia, numa estranha matemática. Hoje, neste Dia dos Pais, estamos todos em pontos diferentes desta estrada que é física e espiritual, que é real e emocional... Uma estrada em que, por muitos anos, andamos todos juntos. Cada um ao seu jeito, ao seu passo, ao seu ritmo, mas todos olhando uns pelos outros. Uma estrada que não permite volta, a não ser para reviver algumas passagens que o amor teima em manter vivas.
É isso, meu pai, meus pais avôs, que eu faço hoje. Caminho. Caminho perto mesmo quando distante.
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