Daniel Campos

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Encontrados 58 textos de fevereiro de 2016. Exibindo página 5 de 6.

09/02/2016 - Bethânia de todos nós

Maria Bethânia é emoção, beleza, força, encantaria e devoção. É um pranto de lavar corpo e alma de uma só vez e com tal intensidade que mesmo aqui já traz saudade. É a mistura de Oyá, Iansã, Santa Barbará, São João, Menino Deus e Nossa Senhora da Purificação. Bethânia é água de cachoeira que nos banha por completo e ao mesmo tempo é fogueira que fala o dialeto de quem ama e se faz chama. Explode sentimento, Bethânia é lâmina que corta como raio, trovão que a todos cala e a porta da imaginação. Bethânia, Maria Bethânia, é a tradução daquilo que de fato nos importa. Bethânia é tão nossa, como uma oração, é a bossa da fé, é o poder latente e onipresente da fantasia, da sedução, da encenação da verdade. Palco de todos os palcos, Bethânia é ato contínuo, o impacto da perfeição, o pacto com uma outra realidade, quiçá a ponte com uma outra dimensão que é amanhã, hoje e ontem ao mesmo instante. Sempre, e para sempre vibrante, Bethânia me arrepia, me extasia, me contagia e me excita numa mais que completa poesia. Bonita em uma singeleza que se transforma e se agiganta, canta, canta flor incandescente de Bethânia. Do ventre para o palco, fazendo do parto um abrir de cortinas, Bethânia é rio que não passa, palhaço que não é só graça, mas também o choro que se avista ou não, mas que se sente presente e arrebatador como num refrão. É Maria, é Bethânia, é carcará, abelha rainha, fera ferida, a lida constante e vibrante do artista. É a vista que olha pra dentro, coração ao vento, palavra que fere, adere e firma o alento em todos nós. O canto de Bethânia não nos deixa sós, e roga por mim, por você e por todos nós. Canto que quebra demanda, rompe quebranto, arrebenta corrente, liberta, reboliça, enfeitiça de pureza. É um canto baiano, indígena, brasileiro de aruanda. Bethânia com seus mantos, com seus pés descalços, com seus penachos, com suas entregas, com uma vocação, um sacerdócio que não nega. Bethânia é um canto de ar, de terra, de cascata, de sangue, de fogo, de mata, de néctar, de pólen tão saboroso quão manga madura colhida no pé. Bethânia do que deus quiser, de Santo Amaro, de Gantois, de Mangueira, de Mãe Menininha, de Dona Canô, de Caetano, de Cartola, de Vinícius de Moraes. Bethânia rei e rainha, de tantos plurais, dos circos e dos grandes teatros, aclamada por poetas clássicos e regionais, trilha de solitários e casais, organismo vivo e divino dos apaixonados de toda ordem, certeza de que céu e terra se encontram e de amor explodem.


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09/02/2016 - Oiá Bethânia de Oyá

Oiá, oiá que quando Bethânia Oyá
Rodopiou pela Marquês de Sapucaí
Foi como se viesse um anjo a sorrir
E dissesse em feitio de prece
Mangueira, raia, raiah Mangueirah
Bethaniando pela vida inteira

Oyá avermelhou a verde e rosa
A Estação Primeira ficou prosa
Verso, canção... Tudo floresceu
Convenceu sem perder a linha
E atrás da abelha rainha
Só e só não foi quem já morreu

É Bethânia de iansã, de Oyá...
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08/02/2016 - Barco flecheiro

O barco
É a flecha
Do arco
Do mar

Flecha
Lançada
Sem treino
Para o reino
De Iemanjá

O barco
Flecheiro
Balança daqui
Cambaleia de lá
Dança sem freio
Pelas ondas do congá

O barco
É flecha
Sem timão
Nem timoneiro

Flecha
Mirada
No espelho
De Iemanjá
Afiada
No vermelho
Das estrelas ...
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08/02/2016 - Eu faço e ela nem aí

Ela toca viola e não me dá bola. Ela masca chiclete e me chama de pivete. Ela se escancara toda e não me mostra nada. Ela vai, vai, vai e não cai na minha estrada. Ela bamboleia em noite de lua cheia. Ela uiva e sua falta explode na minha boca como se fosse uva. Ela toma seu rumo e me deixa fora do prumo. Ela não se rende a mim, mas leva todas as flores do meu jardim. Ela me faz de palhaço e eu rio feliz só de poder seguir o seu rastro que cheira a anis. Bem que eu a quis e ainda quero, mas ela diz que foi feita para um rei. Eu não sei, mas acho que ela se descobriu mais feliz no dia em que eu confessei que eu fiz romaria, promessa, confusão, peça, ramalhete, sorvete e até poesia para casar meu coração ao dela.


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07/02/2016 - Cantarola boa

Nunca fiz
Espantar chuva
Nunca quis
Sair fora da curva
Nunca vi
Casamento de viúva
Nem fugi
De formiga saúva
Não comi
A última das uvas
Não dormi
No seio da ruiva
Não bebi
Daquela boca turva
Não tremi
Como folha de bocaiuva
Não senti
Medo do gavião-puva
Não vivi
Amor de lambuja

Suja
Sua boca de caqui
Ruja
Como leão no buriti...
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07/02/2016 - Mata de dentro e de fora

É o som mata que me embala. A passarada canta, chega que estrala. E tudo se assanha dentro e fora de mim. A vida simples da roça, do mato molhado, da palhoça, do quintal capinado, do jardim de cebolinha, da viuvinha que bica a goiaba, da água da mina que nunca acaba, do céu azulado, alaranjado e carmim. E tudo se alumia dentro e fora de mim. Cascatas, luares de prata, violas de festim. Cigarras, cercas sem amarras, pedaços de mim. O boi mugindo no pasto, o carro de boi que nunca conheceu asfalto e o curió dando oi. Não tem coisa melhor dentro e fora de mim. Sombra de jequitibá, gosto doce de araçá e um cachorro campeiro apelidado de lobo guará. Tem juriti, bem-te-vi, mandi e raiz tupi nesse chão que dá no riachão das dormideiras. Tem ribanceira, ladeira, fogueira e uma amoreira que tinge a boca de quem beija a vida por inteira. De segunda a segunda-feira a mata cheira dentro e fora de mim. ...
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06/02/2016 - Começando pelo fim do carnaval

Carnaval
Não me leve a mal
Mas eu quero silêncio

Carnaval
Estou bem propenso
À completa quietude

Carnaval
Eu não quero folia
Paz é a minha verdade

Carnaval
Sem confete e serpentina
Livros, filmes e poesia

Carnaval
Esses dias minha sina
É começar pelo seu final

Carnaval
Nada de fazer clima
Mas eu quero brisa e cinza


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06/02/2016 - Já passa das nove

Já passa das nove e eu ainda te espero. A não ser que me prove o contrário, eu sempre te quero. Já enxergo seu rosto pelas nuvens e sinto o seu gosto e até o seu silêncio me ruge. Sua pele conversa com a minha e meu coração plebeu a chama de rainha. Meus pés tropeçam nos seus rastros. E eu saio do meu mato para te buscar no asfalto. Eu rebato toda saudade com mais saudade e assim faço da minha a sua, a nossa cidade de memórias e histórias sem idade. Já passa das nove e chove em mim a felicidade de vê-la dançando, se dando, deitando no jardim das bromélias, ou seria das camélias? Não importa, quando chegar saiba que a porta estará aberta e a minha metade de tudo ainda deserta, pronta, plenamente pronta para ser preenchida e vivida por você e seus porquês.


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05/02/2016 - Rio e mar

Hoje
Acordei
Mar

Hoje
Te amei
Rio

Hoje
Cê desaguou
Em mim

Hoje
Cê barulhou
Clarim

Hoje
Meu sal
Foi todo seu

Hoje
Afinal
A dor perdeu

Hoje
Cê perfumou
As ondas

Hoje
Cê bem clareou
Quem sonda

Hoje
Seu rio
Meu mar

Hoje
Assovio...
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05/02/2016 - Feito do mato

Pelas matas eu corro. Com lobos me deito. No madurar dos frutos eu me deleito. No silêncio eu me socorro. Com pássaros eu me aninho e voo. Eu ando sozinho e de amor me doo. Eu não tenho medo de nada. Minha vitória é régia. Meu céu é de onça-pintada. Minha estratégia é abrir minha própria picada. Eu não sigo, eu faço rastro. Meu coração é casto. O tempo brinca em mim. Proseio com as árvores sagradas. Semeio jardins de sentimento. O vento é o meu tudo e o meu nada. Quando chove, floresço. E enquanto o mundo se move, cresço. O meu endereço é a mata fechada. Meus caminhos são riachos. Meu corpo é flecha afiada que avoa por cima e por baixo. Quando inverna, eu durmo. Quando inferna, eu sumo. Tenho meus pés na terra como raízes. Pelas minhas artérias e veias vão e vem inúmeros matizes. Sou das penas, das folhas, das bolhas de orvalho. Sou seringueira, sumaúma, figueira, ipê, jatobá, ingá, carvalho. Sou da seiva, filho de Neiva, da tribo de Tupinambá. Quem precisar, pode me chamar. Não nasci para mim, nasci para os outros. Minha vida não é um bordado solto. Tudo é nó. E eu nunca estou só. Estou para ajudar, auxiliar, amparar, fazer o necessário. O meu santuário é o mato, o verde, o universo sem parede. Estou para aprender a amar. E cada amor que levo é uma pena do meu cocar.


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