Daniel Campos

Texto do dia

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Encontrados 31 textos de agosto de 2010. Exibindo página 2 de 4.

21/08/2010 - Nuvens e anjos

O meu céu não tem mais nuvens. É um céu azul acinzentado, embaçado, poluído. Mais parece um solo desértico depois da destruição. Não há nem nuvens brancas nem nuvens pesadas da cor de chumbo. Certamente, não vai chover, tampouco vai haver aquela brincadeira de ficar tentando adivinhar as possíveis figuras que se formam no corpo das nuvens. Não há nuvens tentando entrar pela minha janela ou me esconder do sol.

O ar quente e seco desfaz qualquer possibilidade de nuvem. O céu fica impróprio para a formação dessas penugens de algodão. E nessas horas é que eu me pergunto: onde estarão os anjos? Sempre foi dito que os anjos moram em nuvens, que ficam sobre elas tocando suas harpas e vigiando a vida aqui na Terra. Será que os anjos se foram junto com as nuvens? Ficamos sem sombra e entregues às sombras. ...
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20/08/2010 - O tempo da descriação

Cabeça cheia. Casa cheia. Lua cheia. É meia noite e meia. Hora de soltar os lobisomens, os vampiros, os cavaleiros do apocalipse. Que as assombrações assombrem as sombras que não cansam de nos colocar medo. Ninguém agüenta mais tanta conversa fiada, tanta prosa errada, tanta desculpa esfarrapada. É hora de mudar o enredo. Chega de ensaios, de rodeios, de devaneios. Chega de tanta promessa, de tanta quebra de expectativa, de tanta vida inativa. Vamos pegar o primeiro trem e ir além do que nos convêm. ...
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19/08/2010 - Feitiço de amor

Procurei o velho bruxo Galileu lá do fundão da estrada, na barroca de sapê onde canta o galo preto, só para mor de eu pedir para ele fazer feitiço para amarrar o meu amor ao seu. Com um cajado envergado na mão direita e um amor-perfeito na esquerda ele invocou algumas palavras estranhas e prendeu nossos nomes na teia da aranha. O velho Galileu, tossindo mais do que um cabrito e com os olhos vermelhos do maldito, disse para eu ficar tranqüilo que nosso amor ia ser bonito por demais. Tanto tempo faz e o bruxo estava certo: eu e minha mulher estamos sempre perto e, quando perto, mais perto do jeito que o diabo quer. ...
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18/08/2010 - O diabo que te carregue

O diabo que te carregue. Que te carregue para o inferno, para o fogaréu, para as sombras, para o cemitério, para o léu. Sinceramente, não me importa para onde desde que ele te carregue para bem longe de mim. Não quero mais ver sua cara de pau, ouvir suas mentiras, sentir seu cheiro enjoado. Chega de tanta ruindade, de tanta maldade, de tanta crueldade. Basta dos castigos que me vem dando, das coisas que me vem aprontando, das máscaras que vem empregando.

O diabo que te carregue, que te arraste, que te puxe, que te leve daqui do jeito que quiser. Não tenho pena, dó, misericórdia, compaixão ou quaisquer outros desses sentimentos ditos divinos. Sou humano, propenso a falhas e falta de paciência. Eu não queria ser tão indelicado, mas já que pisou no meu calo por diversas vezes: o diabo que te carregue. E não negue qualquer familiaridade com o demônio. Aproveitem para falar mal dos outros, fazer fofoca e comer um churrasquinho. ...
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17/08/2010 - Senhas

E agora, o João teve um apagão. Ao contrário do que acontece nos filmes, ele não acordou desmemoriado em um lugar desconhecido. Ele fez foi acordar em casa mesmo, ao lado da mulher, dos filhos e do cachorro maltês. Lembra perfeitamente de seu nome, de seu endereço, de sua profissão. Sabe o nome completo das crianças e da flor predileta de sua esposa. Tem consciência de que mora no décimo segundo andar de um prédio num bairro não muito distante do endereço do seu trabalho. No entanto, é como se um mundo inteirinho tivesse se apagado de sua memória....
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16/08/2010 - Amor em compota

O meu amor cabe num vidro de compota. Exótico como uma compota de cambuci, butiá e uvaia. Romântico como uma compota de abóbora. Amor em creme, geléia, gelatina e calda. Combina doce e azedinho, texturas distintas, distribuído em uma taça e oferecido à criatura amada, coroando o sabor que há em nossos beijos. E quem tem amor de compota não precisa de petit gãteau nem de tarte tatin. Compota de sabores e aromas da mata.

Frutas, cravo e canela. Açúcar cristal. Fervuras e banhos-marias. Mexe para lá, mexe para cá e todo o resultado dessa mexida é guardado em vidros. E nosso amor se conserva por muito tempo quando o acondicionamos da forma correta. Amor em pedaços de figos, laranjas, mamão verde, pêssegos, cerejas, peras, goiaba... Tudo bem feitinho num amor caudaloso, doce e encorpado do jeito que o coração gosta. ...
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15/08/2010 - Restos do apocalipse

Todos correram. Todos fugiram. Todos sumiram das ruas e das luas de São Jorge. Não há ninguém por aí. Não há ninguém por aqui. Mataram todos os pardais, os rouxinóis e até o mestre bem-te-vi. Não há canto de pássaro, não há ninho de pássaro, não há céu de pássaro e não há ninguém a passar. Destruíram todas as flores. Borraram as cores. Saquearam as lojas. A comida acabou, a policia debandou, a festa acabou... e eu fiquei para trás acreditando no mundo, nas coisas do mundo...

Beberam todo o champanhe. Quebraram as taças de vinho. Sujaram a água da fonte. De avião, navio, carro, moto... todos se foram. Não ficou ninguém para dar notícias. A televisão saiu do ar. O rádio está mudo. Os bares estão vazios. A cidade é só uma massa de concreto e nada mais. Tudo está escuro. As árvores secaram, tombaram, queimaram. E não há qualquer sinal de brotos. Só as formigas continuam sua marcha prevendo um longo inverno. ...
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14/08/2010 - Bordaduras no jardim

Bordaduras no jardim. Eis o que vejo quando me debruço no parapeito da janela da sua casa. Sua casa me lembra a casa da infância que não tive. Ali, vejo as flores se compondo num arranjo de pétalas e folhas como num tear daqueles que fiavam nossas ilusões. Tempos idos. Desejos esquecidos. As flores e os botões se intercalando como pontos de crochê, de tricô, de cruz. O perfume e a luz existentes ali são capazes de fazer a menina rica se apaixonar pelo jardineiro.

Pouco a pouco, meus olhares ganham a textura daqueles bordados. E eu vou ponteando pelos arbustos e folhagens de cetim em vários matizes. São cordões, caesados, pespontos, ilhoses em roseirais de tafetá. E todas as bordaduras bordadas a mão em pontos e laçadas de algodão. Entre as pedras do jardim, bordados em pedrarias de lírios. São gérberas e orquídeas e tulipas fazendo-me perder o fio da meada a ponto de me esquecer da estrada que me leva de volta. ...
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13/08/2010 - Mangueiras em flor

Pelas ruas e quintais, as mangueiras estão todas vestidas de noiva. Desde as mais novas às centenárias, desde as grandes e frondosas às mirradas, todas querem se casar. A folhagem verde fica em segundo plano. Em cada galha, buquês e mais buquês de flores pequeninas num amarelo que tende ao branco. São mangas esperando que o vento, as abelhas ou marimbondos fecundem suas flores. E pelo ar se espalha um clima de flores de manga maduras.

E eu sou aquele menino que flerta com aquelas noivas à espera do fruto. Um fruto de lambuzar a boca. Um fruto que atenta. Um fruto que seduz. Um fruto que provoca. O perfume das mangas. A forma das mangas. O suco das mangas. A maciez das mangas. O sabor e os sabores das mangas. O doce e o sal, o glamour e a simplicidade, o calor e o arrepio na mesma fruta. A fruta que é o parto daquelas noivas floridas. ...
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12/08/2010 - Procuração

Eu não sei o que acontece atrás daquelas janelas. O prédio é tão grande e o amor lá se esconde. Onde, onde, onde está você? Eu não lhe vejo. Aqui, de fora, tudo é tão igual. O mesmo desenho, a mesma cor, a mesma decoração. Onde está você? Dê um sinal. São tantos andares e você pode estar em tantos lugares. Meus olhares se perdem, se perdem e pedem: Dê um sinal. Como posso lhe encontrar se você é só mais uma pincelada nessa aquarela de Monet. Por quê?

São cortinas e persianas ocultando seu sorriso, deixando tudo tão impreciso entre nós. O concreto, a altura e o vidro abafam sua voz me chamando. Se é que me chama não consigo ouvir seus sussurros e canções. Como achar um só coração perdido no meio de centenas de apartamentos que estão trancados em pensamentos e sentimentos particulares. Não há sinal de um gato, de um vaso de flor, de uma toalha molhada pingando os pingos do seu corpo suado de calor e prazer... ...
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