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Encontrados 31 textos de março de 2010. Exibindo página 1 de 4.
31/03/2010 -
O sol da saudade
Bufando de ardor, o sol reclinou-se até se transformar em reflexo nos óculos escuros de um senhor de cara amarrada que passava bambeando pela rua. Depois de noventa anos, já tinha dificuldade o suficiente para andar sem esbarrar nos obstáculos que a cidade grande colocava em seu caminho. Para correr o risco de morrer na próxima esquina não precisaria ser atrapalhado pelo sol. Sendo assim, o que, afinal, o astro-rei queria com ele?
Certamente, queria perguntar o segredo de sua longevidade, ou o nome de um remédio para reumatismo, ou quem ganhou o jogo de bocha ontem no parque. O que um velho fraco e cansado poderia fazer para ajudar o sol? Se é que o sol queria alguma ajuda. Talvez ele só quisesse atormentar aquele senhor que levava um jornal amassado debaixo do braço. Seja o que fosse, ele insistia em lançar raios ultravioletas contra aquele óculos esverdeados. ...
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30/03/2010 -
Rei dos sem reinos
Quando a noite chegar, vou-me embora. Vou-me embora para um reino sem rei. Chega de duelar, de trabalhar, de matar dragões. Chega de ser plebeu de brasão. Chega de escutar histórias de feiticeiros. Chega de viver de masmorra em masmorra. Chega de guerra e de guerrear. Chega de távolas redondas, quadradas ou triangulares. Chega de coroas e cetros dizendo para eu fazer isto e aquilo. Chega de calabouços. Chega de forjar espadas nos ossos da morte. Chega de, no meio do caminho, haver sempre um rei de pedra. ...
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29/03/2010 -
Amor querubim
Amo e de tanto amar me faço assim: um apaixonado sem fim. Quantos momentos brincando em mim, palpitando no confim de um coração querubim. Eu, anjo do amor voando pelo seu céu lilás. Tanto tempo faz do nosso primeiro beijo e o desejo continua demais como a canção fugaz: amar é bom. Amar é o som do querer mais cantando na chuva, debaixo do chuveiro, na noite turva, pela estrada, por entre as flores do canteiro e ao pé do ouvido da criatura amada.
Amo-te mais e mais, mas nunca o bastante. Amo-te como infante e com toda a enfática necessária. Amo-te de forma lunática, por entre cometas e luares. Amo-te aqui, lá, ali, acolá, em todos os lugares. Amo-te até mesmo no vácuo. E nesse amor não me empaco, pois mesmo revivendo nossas poesias, amo-te sempre à frente. Amo-te com o mesmo sentimento, mas de um modo sempre diferente. Amo-te num amor navegante: descobridor e avante. ...
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28/03/2010 -
Bingo, hoje é domingo
Bingo, hoje é domingo. Pelas ruas há uma multidão se cumprimentando, se falando, se beijando e até mesmo se amando somente porque hoje é domingo. As madames vão almoçar em restaurantes grã-finos. Os charlatões contabilizam os golpes da semana. O jardineiro tira folga enquanto espia a floração do jardim da vizinha. A mama faz aquela macorranada com bastante molho. Os padres repetem a mesma homilia ao longo de um dia repleto de missas. Os preguiçosos deitam à frente da televisão. Os bêbados encontram justificativa para uma cervejinha a mais. Os pais se esquecem da idade e brincam com as crianças. E os apaixonados vão ao cinema estalar beijos de pipoca. ...
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27/03/2010 -
Sassá e Tieta
Quando chega por volta das seis horas da manhã, no fundo da campina, um cocoricar ajuda a descortinar o negro manto da noite. O sol vai clareando aos poucos os poucos já de pé enquanto aquele galo pequeno, mas bastante invocado, dá seu recado cocoricando insistentemente. Como Peter Pan, ele não vai crescer mais. Só que ao contrário do menino das histórias infantis, Sassá Mutema não voa. Dá uns pulinhos, mas não chega a bicar os céus. Mas para que tanta cantoria?
Para anunciar o novo dia? Para despertar os dorminhocos? Para fazer bonito para Tieta? Tieta? Tieta é a galinha por qual Sassá suspira e canta apaixonado. Ela é negra, toda arrumada nas penas. Ele, meio índio, vai do azulado ao branco em seus poucos centímetros de altura. Desde que chegou ao quintal lá de casa, o casal de garnisé deu início a um encontro de telenovelas. Com a licença de Lauro César Muniz e Aguinaldo Silva, Sassá e Tieta, entre bicos e esporas, vão enredando seu romance....
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26/03/2010 -
Frutas, flores ou cera
Bodas de frutas, flores ou cera. Quatro anos degustando os sabores de sua carne e alma frutificadas. Quatro anos perfumando-me na aquarela de suas flores mil. Quatro anos amando-te com a mesma fé que escorre da cera de uma vela em chama aos pés do altar. Quatro anos de muito gosto, cor e fogo. Quatro anos de muito apetite, delicadeza e luz. Quatro anos de muito amadurecimento, plantio e crença. Crença no improvável, no impossível, no interior das coisas.
Foram poéticas tão caudalosas como manga rosa. Foram beijos de flores carnívoras. Foram romantismos se desenvolvendo a luz de velas. Foram momentos doces como a última jabuticaba de uma árvore negra. Foram instantes de plena primavera. Foram noites vivendo o prazer face à penumbra de dois corpos e mil anjos. Foram romances de estação, afrodisíacos e, quiçá, importados. Foram saudades sempre-vivas. Foram mel, zangões, rainhas e cera. ...
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25/03/2010 -
A nova vida de Isabella
Se Deus existe e realmente existe, Isabella deve estar correndo por campos floridos junto a outras crianças desencarnadas. Hoje ela já consegue volitar por alguns instantes e até pular de nuvem em nuvem. Mas demorou até a menina de franjinha e olhos acastanhados conseguir vencer o medo de altura. Também, ter seu corpo jogado de seis andares não é um trauma fácil de esquecer. Os ferimentos, os hematomas e as dores foram, pouco a pouco, desaparecendo com o tratamento espiritual. Hoje, a pequena Isabella, embora de forma bastante tímida, já consegue sorrir. ...
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24/03/2010 -
Oração da resignação
Mãe, mãe de toda graça, pelas suas sete dores eu me resigno por todas as coisas que passo. Não tenho o direito de reclamar de nada diante da dor de uma mãe que recebeu em seus braços o filho morto recém-descido de uma cruz. Como reclamar do peso da minha pequenina cruz diante de uma mãe que viu seu filho cair três vezes a caminho do calvário? Como reclamar dos infortúnios da vida diante dos olhos de sangue de uma mãe que deu à luz sabendo que logo mais uma espada transpassaria sua alma?
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23/03/2010 -
Ayrton Senna, o mais novo cinqüentão
No último domingo, se não fosse pelo choque de sua Willians FW16 com a curva Tamburello, Ayrton Senna da Silva teria completado 50 anos de vida. O piloto chegaria a essa idade emblemática justamente na temporada em que a F-1 comemora seus 60 anos de existência.
Por coincidência, seu qüinquagésimo aniversário cairia num domingo, dia em que o brasileiro se acostumou a viver vitórias impossíveis, empunhar a bandeira verde-amarela e cantar o hino nacional. Dia de um país explorado e desacreditado mostrar ao mundo que vencia no braço. ...
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22/03/2010 -
Carta póstuma a um avô
Sete dias se passaram. Tempo suficiente para um canteiro semeado de alface germinar. Tempo curto demais para colher as folhas de uma boa salada. Sete dias. O tempo de vida de uma mosca. Mas quem se interessa pela vida de uma mosca? Sete dias. Tempo o bastante para se curar uma gripe. Tempo demais para uma rosa. Tempo de menos para um espinho. Sete dias. Sete novas manhãs. Sete jantares. Sete voltas da Terra em torno de si mesma. Para os girassóis, sete giros. Para os vivos, sete dias a menos. Para os mortos, sete saudades. Para Deus, o tempo necessário para criar o mundo e ainda contemplar sua criação. ...
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