Daniel Campos

Texto do dia

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Encontrados 31 textos de dezembro de 2010. Exibindo página 3 de 4.

11/12/2010 - Manguitas

Do lado debaixo de uma curva de nível bastante funda, onde antigamente reinavam goiabeiras, cavalos e abóboras, três mangueiras despontavam como senhoras do lugar. Duas mais frondosas e outra, um tanto quanto esbelta ficavam entre o açude e a estrada de pinheirinhos. Mangueiras de copa graciosa, lembrando, na baixada do sítio, saias verdes rodadas. Não eram mangueiras de manga rosa, de manga adem, de manga palmer, de manga espada, de manga manteiga, de manga abacaxi, de manga tommy... eram mangueiras de manguitas. ...
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10/12/2010 - Daqui a alguns dias

Daqui a alguns dias eu, poeta do acaso, vou encontrá-la jovem, febril de novas ideias, numa arte que não é exposta em museus. Vou encontrá-la de modo a fazer surpreender os mais viajados. Vou encontrá-la à beira-rio, numa poética noturna e efervescente em todo canto de seu corpo, em constante e permanente urbanização. Vou encontrá-la de um jeito que nem mesmo o maior dos artistas é capaz de criar. Vou encontrá-la quente, metropolitana, underground, independente, vanguardista e corajosa como nunca dantes. ...
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09/12/2010 - Para isso, aquilo

Para uma estrada sem fim, pés por asas de querubim. Para um amor se limite, homens e mulheres também sem limite. Para uma fruta madura, água na boca. Para uma realidade tediosa, uma noite louca. Para um vento solteiro, uma ventania. Para um sabor esquecido, uma lembrança. Para a falta de esperança, uma criança. Para um vestido, um nu. Para um girassol, um sol a girar. Para uma lua, um balão que flutua.

Para lábios ausentes, o conselho dos sábios. Para um carnaval fora de época, uma atitude sapeca. Para um edifício, um precipício. Para um naufrágio, um sufrágio. Para um sentimento que não se estanca, a eternidade. Para uma reza, a cura. Para um quadro de amor, um fado. Para uma prateleira de livros, olhos. Para um barzinho e um violão, o espanto da solidão. ...
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08/12/2010 - Partes e apartes

Parto. Partilha. Partner. Pelas partes do mundo eu vou. Pelas artes do fundo eu sou. Pelos fraques do moribundo eu estou.

E em que parte do todo ou em que todo da parte está você, filha de Sartre com Afrodite.

De champanhe em uísque, de pedra de gelo em pedra de vulcão, de cálice em taça eu tomo. Eu a tomo; tomá-la-ei. De beijo em abraço, de desejos em ensejos, de carne em espírito eu como. Como, cama, coma. De mordedura em rugido, de fera em louco, de primavera em gemido eu domo. Eu a domo dama minha. ...
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07/12/2010 - Chorar pelo leite derramado

Depois de hoje só restará amanhã. E amanhã já será tarde. Tarde para colocar nossos sonhos em prática. Tarde para fazer valer nossos desejos. Tarde para chorar pelo hoje. Tarde para querer o que não corremos atrás no passado. Tarde para comer o que não foi semeado. Tarde para perder o que não foi achado. Tarde para cantar a letra que não foi composta. Tarde para silenciar o que foi falado. Tarde para ninar o filho que não foi gerado. Tarde para chorar pelo leite derramado.

Ouça as sirenes do tempo. O dia de hoje é urgente, pois amanhã já será tarde. Tarde para reconstruir um caminho. Tarde para negar o destino que ajudou a forjar. Tarde para esconder o que não tem esconderijo. Tarde para ter medo do perigo que sempre lhe rondou. Tarde para remediar um coração sem remédio. Tarde para esquecer o que não dá para esquecer. Tarde para cumprir a promessa que não foi feita. Tarde para colorir o passado. Tarde para chorar pelo leite derramado. ...
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06/12/2010 - Penduricalhos de natal

Pendure seus sonhos mais bem guardados nas galhas da árvore de natal. Pendure suas esperanças e o sorriso das crianças. Pendure as lembranças dos natais passados e o que colheu em suas andanças. Pendure as flores de Noel e as tranças da Rapunzel. Pendure os projetos prediletos, os planos de anos e as luas das ruas por onde passou. Pendure o que ficou depois de tantos balanços, retrocessos e avanços. Pendure música e dança e até mesmo a estrela que não se alcança.

Pendure o beijo que arde nos lábios e as teorias dos astrolábios. Pendure bolas tão redondas quão o mundo. Pendure o que encontrou depois do poço sem fundo. Pendure abraços e passos. Pendure as frutas da estação e um sabor temporão. Pendure velas e aquarelas. Pendure as poesias que colecionou. Pendure a promessa que vingou. Pendure a santa e essa força tanta. Pendure as meias e o medo que ainda receias. Pendure cartas e loucuras fartas. ...
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05/12/2010 - Mulher de Copenhague

Castelos, reis e rainhas habitam a mulher que leva um buque de rosas de Copenhague. Rosas de seiva. Rosas de sangue. Rosas de chocolate. Quantos filmes, desenhos e histórias nascem da língua açucarada dessa mulher que tem um quê dos contos de fadas de Hans Christian Andersen. O amor que nela habita é monárquico, tão glamoroso quão autoritário. No entanto, as paixões que nutre são tão destruidoras como os vikings que um dia correram seu território.

O que se vê pela alma da mulher amada é uma mescla de construções antigas com prédios de design moderno. Diante da mulher de Copenhague há troca de guarda, entre guardiões do passado e solados do futuro. Ela vem de uma família real embora tenha tantos sonhos mundanos. É o sagrado e o profano duelando por sua dinastia. É o patinho feio se tornando cisne. É a dona dos sapatinhos vermelhos. É a pequena sereia habitando seus mares escandinavos. ...
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04/12/2010 - Saídas

Não há o que discutir, é preciso sair. Sair do tempo, do firmamento, da pauta, da fragata. Sair da casa, do trabalho, da asa, do atalho, da brasa. Sair da rua, da lua, da nua. Sair da estrofe, da tosse. Sair do passo, do traço, do aço. Sair do mundo, do fundo do poço, da boca da menina, dos olhos do moço. Sair da vida, da estada. Sair do ritmo, do íntimo. Sair do tom, do batom, do tom sobre tom. Sair da cama, da lama, da trama.

Sair. É preciso sair. Sair da novela, da tela. Sair da roupa, da louca. Sair do caminho, do destino. Sair da história, da memória. Sair do prato, do fato, do mato. Sair do rio, do frio, do assovio. Sair da brecha, da mecha. Sair do pranto, do encanto, do canto. Sair do telefonema, do poema, do teorema. Sair da política, do ridículo, da titica, do monociclo. Sair do tédio, do prédio, do médio. Sair da água, da mágoa, da anágua. ...
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03/12/2010 - A cor da saudade

Naquela mulher as linhas se alinhavam em destinos e desatinos como numa confecção particular. O maquinário moderno se mistura ao pedal da velha Singer que ficou num canto. Olhos de algodão. Palavras de tricoline. Braços de fita. Passos de gorgurão. Entre um ponto e um pesponto, as tesouras vão tentando cortar as cenas tristonhas e as fitas métricas vão medindo a saudade enquanto alfinetes se acumulam naquele coração que ora é de tecido ora é de carne.

Como é duro admitir que a vida fora do ateliê não é feita sob medida, tampouco cabe em moldes pré-desenhados. Os pais colocaram o pé na estrada deixando-a sem abraço sem boneca. Além do que um dos filhos habita outro mundo, a cachorra deixou de latir e o sogro já não vem. Os sonhos tiveram que ser reformados, remodelados, remendados, porém na sua camisa, de agora em diante, sempre hão de faltar alguns botões. Mas é preciso enfrentar essa vida que um dia é de seda, noutro de juta. ...
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02/12/2010 - Quando a gente

Quando a gente saiu, eu entrei. Quando a gente se foi, eu voltei. Quando a gente acabou, eu comecei. Quando a gente beijou, eu mordi. Quando a gente parou, eu dancei. Quando a gente curou, eu feri. Quando a gente falou, eu calei. Quando a gente secou, eu chovi. Quando a gente prendeu, eu fugi. Quando a gente acreditou, eu menti. Quando a gente fechou, eu abri. Quando a gente achou, eu perdi. Quando a gente semeou, eu colhi. Quando a gente chorou, eu engoli. Quando a gente sorriu, eu amei. Quando a gente caiu, eu cantei. Quando a gente ligou, eu desliguei. Quando a gente ficou, eu jurei. Quando a gente ofertou, eu me dei. ...
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